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Teoria de Tudo

por Rafael Garcia

Perfil Rafael Garcia é repórter de Ciência.

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Quando Mendel encontrou Van Gogh

Por Rafael Garcia
04/04/12 06:01
Natureza Morta: Vaso com Quinze Girassóis - Vincent Van Gogh (Reprodução: Steve Dorrington/CC)

Girassóis (Natureza Morta: Vaso com Quinze Girassóis) - Vincent Van Gogh (Reprodução: Steve Dorrington/CC)

Se existe algum prêmio para celebrar a união da ciência e com a arte, um sério candidato a vencedor deste ano seria o botânico John Burke, da Universidade da Geórgia (EUA).

Em um experimento no qual que misturou estratégias antigas de cruzamento de flores com sequenciamento genético moderno, o cientista conseguiu descobrir qual era a mutação genética responsável por criar girassóis duplos. Essa é variedade da flor que aparece em vários quadros de Vincent van Gogh (1853-1890) e aparenta ter apenas pétalas, sem miolo.

Após conseguir obter alguns exemplares da planta mutante, Burke e sua equipe começaram a pesquisa sem nenhuma máquina sofisticada, usando apenas uma técnica tradicional para controlar a reprodução do girassol.

O biólogo usou o mesmo procedimento que o monge Gregor Mendel (1822-1884), pai da genética, usava para estudar suas famosas ervilhas. Primeiro, cruzou apenas variedades similares da planta entre si, para obter uma linhagem estável. Depois, misturou duas linhagens para criar híbridos e estudá-los. Analisando a arvore genealógica das plantas que tinha manipulado, concluiu que a característica responsável pelo surgimento das flores duplas era uma mutação num único gene.

Só isso já seria uma descoberta interessante, com potencial aplicação para floricultores interessados em criar as variedades do girassol de Van Gogh. Mas Burke decidiu ir além antes de publicar seus resultados: usou uma máquina de sequenciamento de DNA para estudar os cromossomos das plantas. Conseguiu, por fim, descobrir o gene específico que carregava a mutação do girassol duplo, identificado pela sigla HaCYC2c.

A mutação, na verdade, não era no gene em si, mas numa região “promotora”, responsável por ativar o gene. O papel do HaCYC2c, afirma o biólogo, é de modificar a geometria das pétalas, e guarda o segredo de como o girassol assume sua forma tradicional.

O miolo e as pétalas do girassol selvagem são na verdade formados de estruturas chamadas “flósculos”, que são como pequenas flores dentro de uma grande flor. (Flósculos são flores, e o girassol é uma inflorescência). Na planta comum, o gene estudado por Burke atua na borda da flor, e faz os flósculos ali nascerem em forma de pena. Os flósculos internos, não afetados pelo HaCYC2c, têm forma de tubo. Com a mutação, porém, o gene HaCYC2c passa a ser ativado em toda a planta, e os flósculos passam a nascer em forma de pena também no centro da flor, dando a ela a forma retratada por Van Gogh.

Como se não bastasse ter elucidado um enigma secular da botânica, Burke ainda descobriu uma terceira mutação, responsável por fazer todos os flósculos ganharem aspecto tubular. Dessa forma, a planta parece adquirir a forma de um miolo gigante.

A mutação do DNA que cria a variedade tubular, porém, não ocorre na região promotora do gene. Essa alteração parece ter sido causada quando um outro pedaço de DNA “pulou” para dentro do HaCYC2c, desativando o gene por completo. O estudo de Burke foi publicado na edição desta semana da revista “PLoS Genetics” (a família PLoS está conseguindo atrair cada vez mais estudos interessantes.).

Apesar de Mendel e Van Gogh terem sido contemporâneos, não existe registro de que eles tenham se encontrado em qualquer momento da história, como sugere o título mentiroso deste post. Se o monge geneticista conhecesse a obra do pintor holandês, porém, talvez os manuais de biologia atuais estariam contando histórias sobre girassóis em vez de ervilhas.

Os girassóis selvagem, duplo e tubular (esq. para dir.) (Imagem: Chapman et. al "PLoS Genetics")

Os girassóis selvagem, duplo e tubular (esq. para dir.) de Burke (Imagem: Chapman et. al "PLoS Genetics")

About Rafael Garcia

Rafael Garcia, 37, é colaborador da Folha em Washington (EUA). Formado em jornalismo pela USP (Universidade de São Paulo), foi bolsista do programa Knight de jornalismo científico no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e editor-assistente na redação brasileira da revista “Scientific American”.
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Comentários

  1. Arthur Brandão comentou em 06/04/12 at 11:02 am

    Interessantíssimo e belo estudo por sinal. Sou incapaz de questionar ou duvidar dos resultados do Senhor John Burke, mas eu queria entender melhor a sua afirmação sobre a PloSone, ou melhor da PloSGenetics.

    Qual exatamente é o papel que ela quer exercer na burocrática e importante metodologia acadêmica?

    • Rafael Garcia comentou em 06/04/12 at 5:55 pm

      Arthur, a PLoS (Public Library of Science) é uma das editoras de periódicos científicos de acesso aberto (gratuito) mais importantes do mundo. A proposta deles é que o ônus de arcar com o preço da revisão de artigos deve recair sobre e autores e instituições de pesquisa, não sobre os leitores que querem consultar as revistas. Dê uma olhada aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/Public_Library_of_Science

      • Arthur Brandão comentou em 10/04/12 at 7:08 am

        Obrigado pela resposta Rafael e desculpe pela demora, mas fui viajar nesta páscoa.

        Eu entrei no site do PLoS para tentar descobrir um pouco mais sobre essa proposta, eles até possuem um blog que propõe discutir o assunto sobre fator de impacto, acesso aos jornais, etc e etc.

        O curioso papel que a PLoS está tetando exerce me parece bem interessante. Por exemplo, publicar um artigo com figuras coloridas nas revistas “tradicionais” (não abertas e não digitais) pode custar até $1000 dólares por figura. Até entendo os custos da impressão do artigo em páginas coloridas, mas convenhamos, para os padrões brasileiros de pesquisa isso pode ser uma grande barreira.

        Um forte abraço.
        Arthur.

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