UM CLIMA DE otimismo se espalhou entre ambientalistas na semana passada, com China e EUA mostrando mais disposição de reduzirem suas emissões de gases do efeito estufa. É um passo adiante, sem dúvida, mas será que é uma promessa forte o suficiente para evitar o aquecimento “perigoso” do planeta: um acréscimo de mais de 2°C acima do normal? Vejamos.
Enquanto os EUA sinalizaram uma redução de 26% a 29% até 2025 (com base nas emissões de 2005), a China acenou com uma promessa um pouco mais vaga: fazer suas emissões pararem de crescer em 2030 e fazer com que que 20% da energia do país saia de fontes renováveis nesse momento.
A Europa, por sua vez, prometeu cortar emissões de carbono em 40%, em relação aos níveis de 1990. E, cinco anos atrás, o Brasil, prometeu cortar de 36% a 39% as suas emissões projetadas para 2020.
Os países englobados aí representam mais ou menos metade do CO2 global, então já é possível ter uma noção vaga sobre o quanto representam essas propostas.
Por fim, é preciso comparar esses dados com o que diz o IPCC: as emissões precisam cair de 40% a 70% em relação ao nível de 1990 para até 2050, de forma que tenhamos uma chance razoável (66%) de evitar o aquecimento de 2°C até o fim do século. (Isso também vai requerer que as emissões globais sejam zeradas até 2100, mas deixemos isso de fora da discussão por enquanto).
E, depois de anotar num papel tantas promessas baseadas em parâmetros diferentes e com linhas de base diferentes, eu obviamente desisti tentar fazer esse cálculo sozinho e decidi telefonar para especialistas.
CHAMANDO OS UNIVERSITÁRIOS
Passei a me sentir menos derrotado quando o climatólogo Carlos Nobre, do Ministério da Ciência e Tecnologia, me disse que também estava um pouco intimidado e se recusou a fazer uma conta nas costas de um envelope para responder à minha pergunta. (Talvez isso sirva para termos uma noção de quão difícil será atingir um acordo global sem que os países decidam debater sobre os mesmos termos.) Mas, sendo honesto com Nobre, ele já tinha, sim, um bom palpite.
Num cenário em que nenhum país se preocupe em cortar emissões, o planeta rumaria a um aquecimento entre 4°C e 5°C, um aumento catastrófico. Mas é improvável que a coisa fique tão ruim.
“Sem levar em conta o anúncio mais recente dos EUA e da China, os compromissos anteriores assumidos pelos países levariam o mundo a um aquecimento de 3°C a 3,5°C”, diz Nobre. “Agora, com essas sinalizações, pode cair mais um pouco, mas certamente não até 2°C.”
Suzana Kahn Ribeiro, do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, participou ativamente das atividades no IPCC, e diz com segurança que as propostas globais ainda estão longe de se enquadrarem na meta de 2°C.
“Ainda é muita lentidão a China deixar para atingir seu pico de emissões só em 2030”, diz Suzana. “O que eles estão dizendo nas entrelinhas é que de forma alguma eles deixarão a questão do aquecimento global prejudicar o crescimento do país.”
Para a cientista, a proposta apresentada pelos EUA não representa nenhum esforço extra por parte do país, já que a substituição de carvão por gás (um combustível fóssil menos sujo) já está derrubando as emissões. “Além disso, por questão de segurança energética, eles já estão investindo bastante em fontes alternativas de energia. Eles não querem ficar dependentes das variações de preço de petróleo e da importação de combustível de áreas politicamente instáveis.”
Tasso Azevedo, Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima, também não consegue fechar de cara a conta dos 2°C. Mas não é tão pessimista.
Com a China aumentando suas emissões em 5% ao ano, seria preciso reduzir essa taxa gradualmente para que elas comecem a cair, em vez de subir, em 2030. “Em energia, não tem como você dar um ‘cavalo de pau’ para fazer uma curva, tem que ser uma manobra de longo prazo”, explica.
E se a China começar a desacelerar seu aumento no consumo de petróleo e carvão agora, o mercado de energia muda de perspectiva. “Isso provavelmente vai ter impactos na política de subsídios, porque vai haver mais oferta do que demanda para combustíveis fósses”, diz Tasso. “Vai ter mais dinheiro circulando para financiar outras fontes de energia.”
CARTAS NA MESA
Resta saber, por fim, o quanto outros países com altas emissões, incluindo o Brasil, estarão dispostos a fazer depois de 2020. Se nas discussões climáticas marcadas para o mês que vem em Lima, no Peru, os países conseguirem delinear esse cenário com mais clareza, será um grande avanço.
Sem um cenário com cartas mais abertas na mesa, afinal, será difícil que o tão almejado acordo global para cortes de emissões saia no final de 2015, quando haverá a rodada de negociações decisiva em Paris.