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Teoria de Tudo

por Rafael Garcia

Perfil Rafael Garcia é repórter de Ciência.

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100 trilhões de sinapses (parte 2)

Por Rafael Garcia
22/01/13 17:01

Reconstrução em 3-D de um pequena porção de neurônios da retina (Imagem: Aleksandar Slateski/Divulgação)

MAPEAR A TOTALIDADE de sinapses em um cérebro é uma meta defensável como um passo importante na evolução da neurociência, mas não será fácil. Propostas para investigação do conectoma humano completo tem sido comparadas com o projeto genoma, mas basta olhar para os números para se dar conta de quão mais difícil será esse outro projeto.

Enquanto o genoma humano tem cerca de 3 bilhões de bases nitrogenadas (as “letras” do DNA), o cérebro possui 100 bilhões de neurônios. E enquanto uma célula humana abriga cerca de 20 mil genes, o número de sinapses em um cérebro é da ordem de 100 trilhões.

Em “Connectome”, Sebastian Seung mostra também como a tecnologia para mapear essas conexões ainda é extremamente lenta e trabalhosa quando comparada  às modernas máquinas de sequenciamento de DNA, que hoje operam automaticamente após o preparo de amostras.

Para fazer um mapa em 3-D das conexões entre os neurônios, é preciso “fatiar” um cérebro em lâminas extremamente finas, de 30 nanômetros (30 milionésimos de milímetro). Depois é necessário fotografar uma a uma, com um microscópio eletrônico, e “empilhar” as imagens para reconstruir a forma tridimensional.

O biólogo Sydney Brenner fez isso tudo manualmente na década de 1960 para mapear o sistema nervoso completo verme C. Elegans. Sua equipe, porém, teve doze anos de trabalho para dar conta desse animal microscópico, que possui apenas 302 neurônios e 7.000 sinapses. Para reconstruir as sinapses de um único milímetro cúbico de cérebro humano usando o mesmo procedimento, seria preciso empregar 100 mil técnicos durante dez anos.

Sem avanços na automatização desse processo, ficou claro, jamais será possível mapear o conectoma humano. Mas já há ideias surgindo.

Seung —junto de Jeff Litchman, da Universidade Harvard, e Ken Hayworth, da Universidade do Sul da Califórnia— já começaram a desenvolver tecnologia para preparar as amostras de microscópio automaticamente. Para isso, endurecem um cérebro em resina epóxi e usam um aparelho chamado ultramicrótomo, que possui uma fina lâmina de diamante, para segmentá-lo. A máquina fatia pedaços de cérebro como uma mortadela numa padaria, alinha uma a uma numa fita, e um microscópio vai lendo as imagens, fatia a fatia.

Esse processo é lento, mas de acordo com Seung, nem chega a ser o maior desafio do projeto. O pior problema é que análise das imagens obtidas ainda é difícil demais para a inteligência artificial de um computador. Tudo tem de ser feito com a assistência de um humano. Seung pesquisa maneiras de automatizar essa parte do processo, também, mas não possui uma resposta pronta ainda. Por enquanto, ele dirige o programa Wired Differently, no qual voluntários leigos podem ajudar a analisar as imagens.

O volume de dados gerado pelo processo todo, por fim, é o aspecto mais desanimador. Para reconstruir digitalmente um único milímetro cúbico de sinapses, um computador precisa armazenar 1 petabyte de dados —algo equivalente a 1 bilhão de fotos. Multiplique isso por mil se você quiser mapear o conectoma de um camundongo, e multiplique por mil de novo para mapear um cérebro humano.

O mapeamento do conectoma de um mamífero, estima Seung, produziria dados a uma taxa maior que o LHC, acelerador de partículas gigante que realiza o maior experimento científico em andamento hoje.

A esperança do pesquisador e de outros cientistas do projeto, portanto, é que a taxa de avanços em processamento de dados continue evoluindo segundo a chamada Lei de Moore —que prevê que essa capacidade dobre a cada dois anos.

Num cenário otimista, então, Seung estima que será possível mapear o conectoma de um camundongo dentro de dez anos. Só no final deste século, se o avanço tecnológico ocorrer a uma taxa razoável, é que será possível reconstruir todas as sinapses de um cérebro humano.

Até lá, técnicas mais rápidas e menos precisas —como a ressonância magnética por difusão— podem trazer avanços incrementais na compreensão da estrutura do cérebro. O Programa Conectoma Humano (escrito com iniciais maiúsculas) está fazendo isso hoje, mas não consegue enxergar o conectoma completo, apenas as fibras que revelam trajetórias de conjuntos de neurônios.

Seung argumenta que o mapeamento de conectomas que enxergam sinapses individuais é uma meta da qual a neurociência não pode escapar, caso pretenda um dia explicar efetivamente como o cérebro funciona. Para tentar compreender transtornos psiquiátricos no nível celular, então, será preciso mapear não apenas um conectoma, mas muitos. E entender como cérebros vivos operam nessa rede de conexões será o próximo passo.

Dado o desafio tecnológico que isso representa, é fácil cair em desânimo. O estágio atual da tecnologia e do conhecimento, porém, pelo menos já permitem estabelecer essa meta clara de avanço para a neurociência, algo que por si só tem sido difícil.

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100 trilhões de sinapses (parte 1)

Por Rafael Garcia
16/01/13 10:59

DOIS ANOS ATRáS, quando fui bolsista num programa acadêmico para jornalistas de ciência nos EUA, fiquei intrigado quando fui pedir ao instrutor de um curso de neurociências que me deixasse acompanhar as aulas como ouvinte. Sebastian Seung, um neurocientista americano de ascendência coreana, mais parecia um figurante saído do clip de Gangnam Style do que um professor-titular do renomado MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).

Usando uma camisa cheia de cores, uma calça esfarrapada e um tênis prateado, o pesquisador facilmente se confundia com um aluno de graduação, apesar dos seus 44 anos. Seung me deu acesso à classe, e numa de suas primeiras aulas descobri que ele era uma das figuras-chave num dos programas mais ambiciosos da neurociência contemporânea. Sua meta é criar uma técnica de análise para mapear o chamado “conectoma” humano –o conjunto total de sinapses, as conexões entre neurônios do cérebro e do restante do sistema nervoso.

Sebastian Seung (Foto: arquivo pessoal)

Contrastando com seu figurino extravagante, suas aulas eram relativamente formais. O curso tinha o programa dividido entre três professores, e Seung tinha assumido a função de descrever aos calouros do MIT a anatomia e fisiologia de um neurônio individual, tarefa que cumpriu com uma detalhamento e uma determinação admiráveis.

O talento de Seung para lidar com o público não iniciado pode ser apreciado agora em “Connectome”, livro que o pesquisador lançou no ano passado, ainda sem tradução para o português. A obra descreve o como e o porquê do projeto de mapeamento do conectoma humano. Sua tese básica é a de que o cérebro é um órgão mal compreendido porque seu funcionamento só vai se revelar para valer quando cientistas puderem computar todas as sinapses.

Essa promessa de avanço futuro, que requer o uso de uma ferramenta ainda inexistente, pode levantar suspeitas entre os mais céticos. O avanço da neurociência tem sido mais lento do que muitas pessoas esperavam algumas décadas atrás, e colocar o mapeamento do conectoma como precondição para que esta área da ciência dê uma volta por cima pode soar como uma justificativa para a demora.

O neurocientista Eric Kandel, ganhador do prêmio Nobel de Medicina de 2000, já afirmou que esse problema acabou colocando a psiquiatria numa crise, tornando-a incapaz de descrever transtornos mentais com base em biologia. Quase todos os males psiquiátricos são diagnosticados só com base em comportamento e em sintomas, em vez radiografias e testes de sangue, como faz a oncologia. A nova versão do DSM, o manual mais influente da psiquiatria, estava tentando mudar sua abordagem, mas desistiu diante da falta de conhecimento necessário para tal. (Luis Augusto Rohde, cientista gaúcho que participou da elaboração do manual, falou sobre essa frustração em entrevista recente à Folha.)

Não existe saída fácil dessa encruzilhada, e o principal mérito de Seung talvez seja o de tentar vislumbrar uma solução sem desprezar a gravidade do problema. Alguns neurocientistas defendem que as pesquisa sobre fisiologia do cérebro feitas com base em máquinas sofisitacadas de ressonância magnética seja traduzidas diretamente para a psiquiatria, mas o professor do MIT se diz cético quanto às esperanças de avanço. Esse tipo de tecnologia ainda é muito impreciso para captar o emaranhado de neurônios em escala minúscula, e Seung os classifica como neo-frenologistas –numa alusão à pseudociência da frenologia, que no século 19 buscava diagnosticar transtornos mentais examinando o formato do crânio das pessoas.

Seung não usa esse termo de forma ofensiva, porém, e reconhece que a ressonância magnética trouxe muitos avanços na compreensão de como o cérebro funciona. O progresso, porém, foi insuficiente. Não podemos atribuir um diagnóstico de depressão, autismo ou esquizofrenia, ainda, apenas com base em imagens do cérebro.

A solução para que psiquiatria cumpra sua ambição, segundo Seung, seria o sequenciamento de todos os neurônios humanos, uma empreitada que, de maneira modesta, já começou. O objetivo é analisar um cérebro humano, que possui cerca de 100 bilhões de neurônios, para mapear todas as sinapses que os conectam uns aos outros, estimadas em algo na ordem de 100 trilhões. Como já falei demais aqui, deixo para o próximo post uma descrição melhor sobre o projeto de Seung.

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O universo é infinito hoje?

Por Rafael Garcia
10/01/13 02:16

ALGUMAS SEMANAS ATRÁS, passeando com um amigo por um museu de ciência, fui pego meio de surpresa por algumas de suas perguntas: “O universo é infinito?” “Se é infinito, como pode estar se expandindo?” “O universo é eterno?” “O que existia antes do Big Bang, então?”

Fiquei meio sem ter o que dizer na hora. No campo da cosmologia, novas tentativas de respostas para essas perguntas estão pipocando a todo momento, e me dei conta de que eu precisava de uma reciclagem.

Buscando literstura recente, descobri que o físico teórico Paul Halpern, da Universidade das Ciências da Filadélfia, tinha publicado um livro novo sobre o assunto. Me pareceu um boa fonte de informação para saber quais teorias cosmológicas estão “no mercado” agora, e como anda a “cotação” de cada uma delas.

Pois é. Ainda não existem respostas 100% consensuais para todas essas perguntas.

Halpern é autor de vários livros de ciência para leigos em física, e já trabalhou com cosmologia dentro de um campo que tenta atualizar a teoria da Relatividade Geral de Einstein, postulando a existência de um número maior de dimensões espaciais. Apesar de ter algumas “apostas” pessoais na área, porém, fez um trabalho bastante honesto ao descrever o atual panorama da cosmologia, listando pontos fortes e fracos de cada teoria.

O estado dessa ciência está delineado em seu último livro, “Edge Of The Universe: A Voyage To The Cosmic Horizon And Beyond” (A borda do universo: uma viagem para o horizonte cósmico e além). Vamos ao que interessa, então.

Para alívio daqueles que se incomodam com a idéia de um universo finito, o cosmo ainda é considerado uma entidade sem fim, apesar de existir um limite físico para o quão longe podemos enxergar (46 bilhões de anos luz, a quem interessar). Niguém sabe ao certo como é o cosmo além dessa distância, mas a maioria dos cosmólogos considera que faz sentido acreditar que existe algo além.

Mas como algo “sem tamanho” pode crescer? A resposta para isso é um pouco mais complicada. Os cosmólogos ainda pensam no Big Bang como um explosão “de” espaço, e nao numa explosão ocorrendo “no” espaço. Isso se manifesta no fato de que o universo cresce, e as galáxias se afastam umas das outras, mas sem que haja um centro específico a partir do qual esse movimento ocorre.

Essas idéias sobre o tamanho do cosmo ainda são basicamente as mesmas de umas cinco décadas atrás, mas a teorias sobre se o Universo vai acabar (e como), tiveram suas cotaçoes radicalmente alteradas nos últimos 15 anos, após a descoberta da chamada energia escura.

Essa é a misteriosa força que atua como uma espécie de antigravidadade e faz com que a expansão do universo se acelere, em vez de arrefecer. Antes de 1998, ainda se considerava a possibilidade de o crescimento do cosmo um dia se reverter e dar início a um processo de contração, apelidado de Big Crunch, um grande colapso. A energia escura porém, torna mais provável que o universo acabe num Big Chill, um processo de resfriamento que desmontaria todas as galáxias, planetas, pessoas, átomos e, talvez, até o próprio espaço em si.

Físicos ainda não sabem dizer, porém, o que é a energia escura. Outra entidade misteriosa, a matéria escura, cuja gravidade rege o movimento das galáxias, também desafia tentativas de explicação. E enquanto cientistas esperavam uma luz no fim do túnel, mais um mistério surgiu: o fluxo escuro, uma força que leva algumas galáxias a se moverem em certa direção no espaço, somando-se à expansão do cosmo. Recentes descobertas também apontam a existência de enormes regiões vazias no cosmo, algo que não é muito comum, já que o restante da matéria está distribuído de maneira mais ou menos uniforme.

O fluxo escuro, especulam alguns cosmólogos, pode ser fruto da interação de nosso cosmo com algum universo paralelo. Teorias sobre a existência de universos múltiplos (dentro de uma realidade com mais dimensões) têm surgido quase que diariamente na última década. Elas oferecem o conforto filosófico de que um eventual fim de nosso universo não seja, literalmente, o fim dos tempos. Algumas dessas teorias sobre “multiversos”, surprendentemente, oferecem até previsões para que possam ser testadas. Mas os efeitos de realidades paralelas sobre a nossa realidade seriam, invariavelmente, indiretos.

Halpern reconhece os problemas da cosmologia atual. “A fronteira entre a ciência e a especulação certamente parece estar sofrendo uma erosão a medida que mais hipóteses de longo alcance, mas difíceis de testar, são oferecidas”, escreve. Os mistérios da matéria escura, da energia escura e do fluxo escuro, porém, podem ser a rota para sair desse labirinto teórico, diz o físico. “Talvez precisemos pressionar nossa imaginação até seus próprios limites para explicar as novas descobertas bizarras em cosmologia.”

_______________________________________________________________

PS. Igor Zolnerkevic, do excelente blog Universo Físico, acrescentou uma informação importante à minha afirmação de que a maioria dos cosmólogos acredita num universo infinito: “A curvatura zero sugere um universo infinito assumindo que ele tenha uma topologia trivial. Ainda não se sabe qual a topologia do universo. Ele pode ser finito e plano.”
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Guia do fim do mundo (parte 3)

Por Rafael Garcia
28/12/12 07:01

E ACABOU SENDO que o Armagedon não foi desta vez. Para encerrar o ano do fim do mundo e concluir essa pequena série de posts sobre os maias, então, ofereço abaixo um pequeno relato daquilo que vi nos sítios arqueológicos maias que visitei.

Foram dez. Todos eles já estão abertos ao turismo e são de acesso relativamente fácil. (em alguns, até fácil demais para o gosto dos arqueólogos). Deixo como meu legado pós-apocalíptico este pequeno roteiro de turismo arqueológico/arquitetônico para quem pretende visitar a região algum dia.

TIKAL

O sítio arqueológico que dá aos visitantes a melhor percepção do espaço urbano de uma cidade maia é Tikal. Incrustada na floresta do Petén, no norte da Guatemala, e de difícil acesso via terra, a cidadela está relativamente bem preservada e soube acomodar o turismo sem desalojar os arqueólogos. Os cinco grandes templos que se alçam para cima da copa das árvores gigantes ainda estão cercados de vegetação nativa e animais como bugios, macacos-aranha, perus selvagens e até onças, que povoavam o imaginário maia. A população estimada da cidade, que atingiu 90 mil pessoas em seu auge, possibilitou a construção não só de templos mas de habitações de pedras para a corte local. (Fotos: Rafael Garcia/Folhapress)

 

PALENQUE

As ruínas de Palenque, em Chiapas, no México, não revelam uma grandiosidade similar à de Tikal, mas a ousadia arquitetônica e a beleza da cidade certamente a tornam um lugal tão incrível quanto essa outra. Diversas construções com entradas arqueadas, um canal, uma torre de pedra e vias elevadas dão até uma sensação de que o lugar teve influência de arquitetura medieval européia. A administração do sítio fez também um bom esforço para preservar esculturas, relevos e ornamentos dos prédios no local, o que os torna bem mais interessantes de serem observados do que em museus.

 

CHICHÉN-ITZA

O sítio arqueológico maia mais visitado pelos turistas pode ter atraído alguns desconfortos com a popularidade, mas sua beleza compensa a visita. Em Chichén Itzá, o acesso ao interior e às plataformas da maioria das edificações é vetado ao público, mas quem não tem ímpeto mais explorador certamente se contenta em apreciar a paisagem de fora. A cidadela do período maia pós-clássico, no coração da península do Yucatán, também é interessante por ter um estilo arquitetônico um pouco diferente, pois os maias da região tinham influência estética de povos toltecas que migraram do oeste.

 

TULUM

Tulum é o único grande sítio arqueológico maia a beira mar com um tamanho que justifique algum esforço para visitar. A cidade, que era um centro comercial importante para os maias do pós-clássico, também é a única a ser cercada por uma muralha. Situada à beira de uma falésia, a posição defensiva estratégica levou os arqueólogos a concluirem que a região era particularmente visada por ataques militares de fora. O sítio é mais bonito pela localidade do que pelas construções, que são relativamente baixas comparadas a outras grandes cidadelas maias. As ruínas também vivem cheias de turistas, um pouco em razão da praia que existe ao lado do sítio, uma das mais bonitas da riviera maia.

 

COBÁ

Para quem deseja visitar uma cidade maia de grande porte sem os inconvenientes trazidos pelas hordas de turistas, Cobá é um lugar interessante. Oferencendo uma pequena acrópole, uma pirâmide gigantesca e muitas construções menores para explorar na mata fechada, é bem fácil para que visita o local se sentir no cenário de um dos filmes de Indiana Jones. A direção do parque também cortou algumas trilhas para quem quer conhecer melhor a floresta. É passeio fazer isso em Tikal, também, mas a vegetação em Cobá é de um estilo diferente.

 

UXMAL

Dos grandes sítios arqueológicos maias que restaram, Uxmal talvez seja aquele que mais bem preserva esculturas e ornamentos arquitetônicos no local. O templo principal da cidadela, apelidado pelos espanhóis de “castillo”, lembra um pouco um castelo medieval por sua imponência. Outras edificações estão cheias de detalhes esculpidos em pedra, e a disposição dos prédios dá a impressão de uma cidade que cresceu com mais planejamento. A vegetação seca e mais rasteira do oeste do Yucatán não é muito interessante, mas abriga as divertidas iguanas que ficam espalhadas pelo sítio.

 

TONINÁ

Toniná, diferentemente de todas as outras grandes cidades maias, é uma acrópole —uma cidade construída numa encosta de montanha. Localizada numa região de Chiapas onde não existe o tipo de rocha calcária normalmente usado pelos maias para erguer pirâmides, a cidadela foi toda construída com tijolos menores de rochas avermelhadas, e o declive da montanha foi usado para criar o tipo de paisagem típica que se vê num centro maia. A cidade, que era rival militar de Palenque, foi a última a registrar uma data no calendário maia de contagem longa, no ano 909, hoje adotado como fim do período clássico dos maias.

 

ZACULEU

A única grande cidadela maia que ainda era habitada durante a chegada dos espanhóis e não terminou destruída após um cerco é o Zaculeu, no planalto guatemalteco. Para horror dos arqueólogos, porém, suas ruínas foram todas “restauradas” com cimento na década de 1940, o que dá a suas pirâmides um visual de arquibancada de estádio. Apesar de estar mal preservado, o Zaculeu vale a visita em parte, por estar numa região onde povos maias atuais ainda mantém boa parte de suas tradições antigas. Em feriados, o sítio é usado para recreação e é possível ver alguns visitantes usando trajes típicos e falando a língua local, o Kiche. Meninos que brincam no Zaculeu, curiosamente, elegeram a antiga quadra do jogo de bola dos maias como um dos locais preferidos para jogar futebol.

 

KABAH

Uma cidade maia bastante pequena, mas que vale a visita por ser de fácil acesso, é Kabah, na beira da estrada a poucos quilômetros de Uxmal. Sua principal atração é um edifício apelidado de “Palácio das Máscaras”. Decorado com centenas de imagens do rosto narigudo de Chaac, deus maia da chuva. O palácio tem uma fachada diferente de qualquer outro prédio maia que se possa ver em outras cidadedas. Quando visitei o sítio, há quatro anos, boa parte do sítio ainda eram pedras soltas que os arqueólogos estavam tentando remontar.

 

KAMINALJUYÚ

Localizado dentro da mancha urbana da Cidade da Guatemala, Kaminaljuyú raramente é incluído em roteiros turísticos. O que resta para ver são alguns montes de terra que encobrem bases de construções antigas e um galpão onde é possível ver escavações dos arqueólogos. A aparência modesta do sítio esconde a importância arqueológica do local, que é tido como um centro onde boa parte das tradições maias tiveram origem. A passagem pela capital guatemalteca (recentemente eleita a cidade mais feia do mundo), porém, vale à pena pelo Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, onde se encontram esculturas desenterradas em Kaminaljuyú (foto acima) e artefatos achados em escavações no resto do país.

Por fim, não vou me arriscar aqui a dizer que os dez sítios arqueológicos maias que visitei são os mais interessantes. Ainda não visitei dois dos mais importantes: Copán, em Honduras, e Yaxchilán, em Chiapas. Esses dois acabaram excluídos de meu roteiro por estarem fora de mão dos circuitos de minhas duas visitas à região. Caracol e Altun Ha, no Belize, também são muito apreciados pelos arqueólogos. Se o que eu escrevi serviu para que os maias sejam um pouco mais bem compreendidos na ocasião do fim do ciclo de seu calendário de contagem longa, já sinto que minha missão de fim de mundo foi cumprida.

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Guia do fim do mundo (parte 2)

Por Rafael Garcia
21/12/12 07:15

Família maia visita as ruínas de Tikal, no norte da Guatemala (Foto: Rafael Garcia/Folhapress)

ESCREVI ESTE SEGUNDO post sobre o fim do mundo ontem e o programei para ir ao ar na manhã deste 21 de dezembro de 2012. Então, se você está lendo este blog agora, provavelmente é porque o a Terra ainda existe.

Para a maioria dos historiadores, aquilo que os maias tinham previsto para hoje, como expliquei no post anterior, não era um Armagedon, e sim o fim do ciclo da contagem longa de seu calendário. Acabamos de entrar no 13º b’ak’tun, período que marca o fim de um intervalo de 5.125 no seu sistema de contagem do tempo dos maias e outros povos mesoamericanos. Possivelmente isso não seria razão para pânico, e sim para festejar, assim como festejamos a passagem do ano de 1999 para 2000.

Mas em vez de me aborrecer tentando lembrar quantos k’atuns cabem num b’ak’tun, decidi celebrar a sobrevivência do mundo de outra maneira. Vou listar aqui as razões pelas quais acho que a civilização maia era realmente admirável e merece ser relembrada nesta data especial.

O CALENDÁRIO
O calendário maia não foi propriamente uma invenção maia, mas de povos mesoamericanos mais antigos, como os olmecas e os zapotecas. Os maias, porém, levaram a precisão do calendário a seu ápice. Há indícios de que eles faziam até mesmo correções usando anos bissextos. Foram eles também quem melhor transmitiram a utilidade do calendário para a agricultura, determinando as épocas certas para plantio e colheita.

A AGRICULTURA
A agricultura maia também foram herança de culturas mesoamericanas, mas a extensão com que os maias diversificaram e produziam milho, feijão e abóbora certamente foi ampliada. Estima-se que cidades maiores, como Tikal, tivessem cerca até 100 mil habitantes, e só um sistema sofisticado –com rotação de culturas e uso de jardins-floresta– poderia sustentar essa população concentrada.

A ESCRITA
O símbolos maias usados no calendário também originaram o formidável sistema de escrita maia. Sem emprestar ideias de nenhum outro povo, os maias começaram a escrita como um conjunto de representações pictográficas (por exemplo, desenhar uma onça para escrever a palavra “onça”) e evoluiram para uma estrutura silábica mais avançada. Criar uma escrita própria é algo do qual poucas civilizações puderam se gabar. Na Europa, por exemplo, nenhum idioma obteve esse feito. Os alfabetos latim e o grego, que deram origem a todo o sistema de escrita das línguas europeias de hoje, são derivados do fenício e de sistemas de escrita que saíram da Mesopotâmia.

O ESTADO
O estágio de desenvolvimento político dos maias em geral é tido como menor do que o dos Aztecas, que tinham uma espécie de reino centralizado, mas isso em parte é o que fez com que sua resistência à conquista pelos espanhóis durasse muito mais.  Organizados em núcleos similares a cidades-estado independentes (como as da Grécia antiga), os maias não tinham um rei ou imperador para declarar rendição, e os espanhóis tiveram de conquistar os centros maias um a um.

O COMÉRCIO
Apesar de não terem um poder centralizador, as cidades maias interagiam muito entre si, e arqueólogos desvendaram longas rotas de comércio. Pedras vulcânicas que eram usadas em lanças e facas saiam do planalto guatemalteco para serem usadas até o norte do Yucatán. O sistema de escrita que a região usava era basicamente o mesmo, e talvez os maias não estivessem muito distantes de chegar a uma organização que historiadores classificariam como uma nação.

A ARQUITETURA
Os maias deixaram o maior legado arquitetônico de todos os povos americanos pre-colombianos. Pirâmides enormes estão de pé ainda hoje, organizadas em torno de praças e interconectadas por estradas, das quais há alguns vestígios. Não havia palácios com grandes espaços internos, apenas residências de pedra pequenas para reis e para a corte, mas a maneira com que as construções monumentais organizavam o espaço público nas grandes cidades é marcante. (Pretendo falar um pouco mais disso no terceiro post.)

O JOGO DE BOLA
Em quase todo sítio arqueológico maia que se visita é possível encontrar uma quadra em forma de  “I” maúsculo. Era o espaço para se praticar o “ullamaliztli”, um jogo de bola do qual não se sabe bem a regra hoje em dia. Alguns historiadores afirmam que era algo como um ‘frescobol’, apenas um exercício para manter a bola em movimento. A julgar pela quantidade de quadras construídas, o ullamalitztli era uma paixão nacional. Sua prática tinha um significado ritual importante, e jogadores que se saiam bem eram sacrificados aos deuses em algumas cidades.

A TECNOLOGIA
Já ouvi gente zombando da civilização maia porque eles não chegaram a inventar a roda. Pode ser estranho, mas acho que algumas dessas deficiências tecnológicas são mais motivo de admiração do que de crítica. Ainda é debatido se os maias realmente não sabiam usar uma roda, ou se não as utilizavam por não terem animais de carga. Há pedras ornamentais redondas depositadas em algumas cidades mais que provavelmente eram deslocadas sendo roladas.
Os maias também não dominavam a metalurgia, mas a maneira com que produziam facas e instrumentos com vidro vulcânico é admirável. Artesãos maias precisavam ter grande engenhosidade para produzir instrumentos sofisticados sem materiais mais resistentes.

A IDENTIDADE CULTURAL
Se você quiser ver um nativo do Yucatán ofendido, basta ver um grupo de turistas perguntando a ele por que os maias desapareceram. A civilização maia ruiu, mas a cultura daquele povo nunca sumiu. Os maias sobreviveram ao colapso das cidades do período clássico e, depois, à colonização espanhola. Hoje, com uma identidade cultural bastante nítida, a tradição dos maias permanece viva em muitos aspectos, como a culinária, a língua, a arte e a moda. Viajar por Chiapas, Yucatán e Guatemala é possível ver muitos vestigios da grandiosidade da civilização maia, tema que deixo para o próximo post.

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Guia do fim do mundo (parte 1)

Por Rafael Garcia
14/12/12 07:01

A ilha de Flores, no lago Petén-Itzá, local da antiga cidade maia de Noj Petén (Foto: Javier Aroche/CC)

NÃO É PRECISO ESPERAR o dia 21 de dezembro de 2012 para constatar que os maias erraram, de longe, a previsão do fim do mundo. Os historiadores sabem que na civilização maia o mundo acabou em 1697, quando Noj Petén, a última cidade-estado do povo que dominou o Yucatán por três milênios, caiu diante dos conquistadores espanhóis.

A própria existência da profecia, na verdade, já não é mais aceita pela maioria dos estudiosos. A hipótese de que os maias aguardavam o fim do mundo foi levantada pelo arqueólogo Michael Coe, em 1966, baseada numa análise que relacionava o fim de um dos ciclos do calendário maia com mitos nutridos por aquela cultura. Hoje, poucos historiadores aceitam que os povos do Yucatán realmente estivessem anunciando a data do apocalipse.

Místicos, astrólogos e aficcionadas por cultura pop, porém, disseminaram esse mito moderno, que já saiu do controle da academia. Pouca gente se preparou para o armagedon pré-natalino de 2012, claro, mas todo mundo aproveita a data para fazer piada com os maias. (A mais popular é a de que o fim do mundo foi precipitado pelo título do Corinthians na Libertadores.)

Brincadeiras à parte, posso me gabar de já ter passado pelo lugar onde o mundo dos maias acabou de verdade. Numa viagem de férias em 2008, estive por algumas horas na ilha de Flores, na Guatemala, local onde antes ficava Noj Petén. Eu estava curioso para ver com quê o apocalipse se pareceria.

Para um aficcionado por arqueologia em busca de algo interessante para ver, Flores realmente é o fim do mundo. Nada restou para ver a não ser um vilarejo com casas de pintura descascada, bares à beira do lago, meia dúzia de pousadas, uma escola,  e motoristas de “tuc-tuc” (triciclos motorizados) levando gente para cima e para baixo. Pedras que antes compunham as pirâmides e templos da cidade foram usadas na construção da igreja local e outros edifícios.

O que leva turistas a passarem por Flores, na verdade, é o único aeroporto comercial do Petén, a floresta onde se localiza a antiga cidade de Tikal. Essa sim é um sítio arqueológico portentoso, que chegou a abrigar uma população estimada em 50 mil pessoas e ainda exibe seis pirâmides de grande porte.

Tikal só não foi destruída pelos conquistadores porque já tinha sido abandonada séculos antes de os espanhóis chegarem, por volta de por volta de 900 a.C. Arqueólogos ainda debatem se a população da cidade foi aniquilada por um ciclo brutal de guerras, por uma crise ambiental ou por um conjunto de fatores incluindo essas duas hipóteses. Se Tikal ainda estivesse viva no ano 1500, provavelmente os espanhóis a teriam demolido. Enterrados no meio da mata, porém, os enormes edifícios de pedra sobreviveram para depois serem descobertos pelos arqueólogos.

A previsão do apocalipse maia, afinal, estava tão errada que o fim do mundo aconteceu duas vezes para aquela civilização, antes da data apontada. A primeira delas, marcada pela derrocada de Tikal, foi o término do período clássico da civilização, durante o qual os maias usavam seu genial sistema de escrita para registrar a história.

No século 16, quando os espanhóis desencadearam o segundo fim do mundo, poucos indivíduos maias ainda dominavam a escrita, e grandes cidades do pós-clássico eram controladas por uma elite iletrada. A cultura de alfabetização foi exterminada de vez quando padres católicos baniram a escrita maia e promoveram a queima da maior parte dos códices —os registros de história, mitos e tradições maias em cadernos de cortiça.

Esse outro fim do mundo não poderia vir de forma pior: além de terem seus líderes destituídos e suas cidades arrasadas, os maias tiveram boa parte de sua memória aniquilada. O povo nativo do Yucatán, claro, nunca sumiu, e a cultura maia ainda existe, transformada pelo tempo, em qualquer lugar que se visite na região. A escrita maia foi decodificada por acadêmicos na década de 1970, e o que restou de documentação gravada em pedra (além de quatro códices sobreviventes) ajudam hoje na reconstrução da história maia.

E, finalmente, três séculos após a queda da última cidade maia, a cultura daquela civilização começou a entrar na moda. Provavelmente porque Chichén Itzá, o maior conjunto de ruínas maias do pós-clássico, fica perto de Cancún, o maior balneário do Caribe. Quem visita o sítio arqueológico hoje se vê em meio a uma multidão de turistas. Alguns estão em trajes de banho (dando um tempo da praia), outros são apenas curiosos e outros estão em busca de experiências místicas.

Picaretas de plantão já inventaram uma astrologia baseada no calendário maia, e camelôs no sítio arqueológico ocupam espaços em meio às ruínas para vender cartilhas místicas e miniaturas de pirâmides. Em 2008, entrevistei Michael Coe (o arqueólogo que “inventou” o fim do mundo), que reclamou bastante de como esse tipo de turismo está atrapalhando os trabalhos de escavação no local.

Estereótipos à parte, a história do povo maia oferece, sim, uma perspectiva única para compreender a saga da humanidade no planeta, e merece ser objeto de fascínio. Entender a ascensão e a queda de uma civilização que atingiu o grau de sofisticação dos maias —totalmente isolada da influência de povos europeus e asiáticos— é um prato cheio para a antropologia. Será que o desenvolvimento da escrita estaria destinado a surgir em qualquer comunidade humana ao longo do tempo? Será que, na ausência dos espanhóis, as cidades-estado se agrupariam em reinos e impérios, como aconteceu na Europa e na Ásia? Questões fundamentais sobre a natureza das sociedades humanas podem vir a ser respondidas com ajuda do estudo daquela cultura.

Movido por esse fascínio, viajei ao mundo maia duas vezes, em 2007 e 2011, quando conheci dez sítios arqueológicos, cinco cidades históricas e museus que registram arte e cultura daquele povo. Para celebrar o apocalipse de 21 de dezembro, agora, vou compartilhar aqui no blog um pouco do que aprendi na região. Pretendo publicar mais dois textos, além deste primeiro. Espero acabar antes do fim do mundo. Vejamos.

Um triciclo “tuc-tuc” em Flores; este é o principal meio de transporte no fim do mundo (Foto: Rafael Garcia)

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O termômetro e o relógio

Por Rafael Garcia
11/12/12 07:01

UM RELATÓRIO CIENTÍFICO encomendado pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) produziu a melhor imagem que conheço para mostrar o descompasso das diplomacia mundial com a urgência imposta pelo aquecimento global. As cores mostram como diferentes cenários de aumento de temperatura no fim do século se relacionam com diferentes padrões de emissão de gases do efeito estufa.

O estudo que produziu o gráfico tem dois anos, já, mas a imagem continua sendo válida, mesmo após dois anos de negociações na Convenção do Clima da ONU. Quem esperava que esse cenário fosse mudar a partir de anteontem, ao fim da conferência do clima de Doha, no Qatar, acabou se frustrando.

No gráfico, a trilha amarela (que prevê um aumento de menos de 2°C na temperatura média do planeta) é a única considerada aceitável pelos cientistas, que adotam esse valor como limite arbitrário para prevenir uma interferência “perigosa” no clima.

O pequeno retângulo no meio do gráfico mostra como o cenários se correlacionam com as diferentes propostas de redução de emissões (até 2020). Nota-se que a figura não cobre a faixa verde, a meta recomendada pelos cientistas, e nem a amarela, que projeta um aumento de temperatura menos maligno no fim do século, de 2,5°C. Quem esperava que a conferência de Doha fosse mover o retângulo um pouco para baixo, não viu isso acontecer.

Desde 2009, quando a comunidade mundial falhou em sua tentativa de produzir um acordo eficaz para fixar metas de redução na emissão de gases causadores do efeito estufa, o teatro do embaço nas negociações climáticas vem se repetindo, abrindo exceção apenas para alguns soluços de avanço.

A cena se repete a cada ano. Enquanto representantes diplomáticos viram as madrugadas para produzir acordos inócuos, jornalistas se desdobram para estender a cobertura de um evento que termina sem notícia relevante. Ao fim, ambientalistas se debruçam sobre o documento final para tentar enxergar algum sinal de progresso.

Em Doha, aquilo que se vendeu como boa notícia foi a prorrogação do Protocolo de Kyoto, o acordo firmado em 1997 que previa a redução de 5% das emissões dos países industrializados até 2012 (em relação às emissões de 1990). A morte de Kyoto certamente não seria boa notícia, mas sua sobrevivência até 2020 também não sinaliza grande avanço.

No início desta década, já estava bem claro para os cientistas que os esforços previstos por Kyoto são um infinitésimo da redução necessária. Além disso, Kyoto adotou uma fórmula que não deve funcionar no próximo acordo do clima. Ao separar países entre vilões e vítimas do aquecimento global e exigir cortes de emissões apenas dos primeiros, Kyoto afugentou os Estados Unidos da negociação e fez piorar um acordo cuja dimensão já era pífia. Hoje ele serve mais como uma mensagem política por parte dos países preocupados com a mudança climática. Marcar posição, porém, não será suficiente.

A conferência de Doha ocorreu um ano após a de Durban, que terminara com uma declaração relativamente otimista, na qual países fixavam 2015 como o ano limite para terminar a redação de um acordo “legalmente vinculante” para reduzir emissões. Diante dessa perspectiva, esperava-se que, pelo menos, Doha terminasse com o avanço incremental necessário para essa agenda ser cumprida. Não mostrou.

Para evitar o impasse incontornável que se desenharia caso um novo acordo nos moldes de Kyoto volte à mesa de negociação, é preciso que haja um mecanismo para financiar a redução de emissões em países em desenvolvimento. Sobre isso, há um certo consenso. Um avanço que algumas pessoas viram em Doha foi o compromisso de nações desenvolvidas de atingirem repasses de US$ 100 bilhões por ano a países mais pobres até 2020. Quem esperava ver a criação de mecanismos para esse dinheiro fluir, porém, não viu.

Grande parte do impasse se deve a vícios impostos pelo procedimento de negociação adotado na ONU, claro, mas convém dar nomes aos bois. Os EUA, de novo, se esquivaram da obrigação moral que têm de liderar a discussão. Com o Congresso Americano atolado em discussões de política doméstica (desta vez, o abismo fiscal no orçamento do governo), Barack Obama se recusou a gastar capital político para tratar da questão do clima. É improvável que o processo ande nas convenções do clima sem uma ação americana, porque só os EUA seriam capazes de fazer a China se mover.

Em 2009, a desculpa dos EUA para travar a conferência de Copenhague era o debate doméstico sobre a política de assistência à saúde. Depois disso, Obama vem exibindo uma pequena disposição voluntária de atacar o problema, mas sem assumir uma meta internacionalmente a ação ainda é tímida. Há quem acredite que agora as desculpas se esgotaram, e Obama começará a se mover, conforme prometeu. Alguns analistas americanos dizem até mesmo que um imposto sobre o carbono seria uma forma de atacar ao mesmo tempo o abismo fiscal e a alta emissão de CO2 no país.

Se Obama não quiser ser lembrado como um presidente que comprometeu a última oportunidade para um acordo do clima decente, precisa agir rapidamente. Caso as negociações não se acelerem, o que vai acontecer no gráfico do Pnuma é que a faixa verde vai começar a ficar cada vez mais magra, até sumir dentro de menos de uma década. Se a meta global é impedir que o planeta se aqueça em mais de 2°C até 2100, os grandes emissores não podem esperar até 2099 para tomar uma atitude.

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Substâncias orgânicas (ou não) em Marte

Por Rafael Garcia
03/12/12 16:51

Local do solo marciano onde o jipe-robô Curiosiy escavou duas das amostras analisadas (Foto: Nasa/JPL)

O MISTÉRIO SOBRE A DESCOBERTA mais recente do jipe-robô Curiosity acaba de ser revelado. O solo da cratera onde a missão está sendo conduzida é complexo e possui compostos de cloro que podem (ou não) ter também carbono, elemento que é um dos ingredientes básicos dos seres vivos. Se isso for confirmado, será preciso avaliar ainda se esse carbono tem sua origem (ou não) em seres vivos.

Diante do grande entusiasmo com que o anúncio de hoje no congresso da União Geofísica Americana vinha sendo antecipado, a notícia com tantos poréns pareceu um pouco decepcionante. Na semana retrasada, o cientista-chefe do projeto, John Grotzinger, dissera que os resultados a serem apresentados iriam “entrar para a história”, e desencadeou especulação de que moléculas complexas de carbono poderiam ter sido achadas em Marte.

O anúncio de hoje não é um desmentido total da presença de carbono no planeta vermelho, mas os cientistas não sabem ainda se o elemento encontrado no instrumento de análises de amostras do jipe é mesmo marciano. Segundo Paul Mahaffy, cientistas responsável pelo instrumento, é possível que a pequena quantidade de carbono presente na amostra analisada tenha sido levada carregada da Terra até Marte pelo Curiosity.

Segundo o cientista, se o jipe conseguir seguir achando mais e mais carbono durante sua missão, a probabilidade de que seja um problema de contaminação diminui. Se o jipe eventualmente obtiver uma amostra com bastante carbono, será possível conduzir uma análise isotópica (para análisar o peso dos átomos de carbono), algo que ajudará a determinar se esses átomos tem origem biogência. O carbono estava presente em compostos clorados de metano —a mais simples molécula orgânica— que pode ser produzida de maneiras mais triviais. [Existe carbono na atmosfera de Marte na forma de CO2, mas a produção dessa molécula simples nada tem a ver com a existência de vida ou reações orgânicas mais complexas.]

Outra notícia interessante embutida na apresentação foi o encontro da evidência de mais água em Marte. Mesmo na região seca onde o Curiosity se encontra agora, a cratera Gale, havia moléculas de água isoladas, grudadas nos grãos de poeira analisados pelo jipe. O cloro visto nas amostras provavelmente saiu de perclorato, um composto de cloro reativo que poderia ser usado como fonte energia por seres vivos, apesar de normalmente ser algo tóxico.

Obrigado a desmentir os boatos de que o jipe tinha encontrado evidência de vida em Marte, Grotzinger afirmou que teve seu entusiasmo mal compreendido. “Aprendi que tenho de ter mais cuidado com aquilo que digo, e como digo”, afirmou. “Nós fazemos ciência na velocidade da ciência, mas hoje as coisas se espalham na velocidade do Instagram.”

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Marte empaca

Por Rafael Garcia
29/11/12 23:59

OS RUMORES DE QUE A NASA iria anunciar uma descoberta extraordinária sobre Marte na semana que vem ganharam tal força na internet que a agência espacial decidiu emitir hoje um comunicado de imprensa para negar que o jipe Curiosity tenha encontrado moléculas orgânicas.

Segundo o JPL (Laboratório de Propulsão a Jato), que comanda a missão, as observações a serem apresentadas no próximo encontro da União Geofísica Americana são apenas uma atualização sobre o uso do Curiosity para investigar um “depósito de solo arenoso”.

O comunicado afirmou que, até agora, “os instrumentos do jipe não encontraram nenhuma evidência definitiva de substâncias orgânicas marcianas”. A Nasa não explicou se o mal-entendido foi um excesso de entusiasmo do cientista John Grotzinger, que declarou à rádio americana NPR que a descoberta a ser anunciada iria “entrar para a história”. Também não colocou a culpa no jornalista que divulgou a informação.

Os rumores de que algo extraordinário seria anunciado se espalharam tanto que tentativas iniciais de desmentir boatos não surtiram efeito. Teve gente especulando até a descoberta de micróbios marcianos. Quando o JPL emitiu o comunicado formal sobre a não-descoberta, porém, a informação já havia tomado a internet. Agora “o rabo já está abanando o cachorro”, como costumam dizer os americanos.

Quem se recusa a aceitar a decepção, porém, pelo menos já tem data para satisfazer a curiosidade. A apresentação dos cientistas da Nasa na AGU está marcada para 15h00 (hora de Brasília) da próxima segunda-feira (3) no congresso em San Francisco. Se realmente for uma notícia impactante, qualquer veículo de imprensa vai ajudar a propagar. Ou não.

Da minha parte, ficarei decepcionado se o Curiosity nunca encontrar moléculas orgânicas. Talvez agora ainda seja cedo para isso, mas esse é o objetivo da missão básica de dois anos do jipe. Quem espera ver um micróbio (ou algum ser mais complexo) provavelmente vai ficar mais decepcionado que eu.

Ilustração do álbum de figurinhas “Mars Attacks”, de 1962, que inspirou filme homônimo de Tim Burton

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Segredo marciano

Por Rafael Garcia
27/11/12 19:46

O jipe-robô Curiosity em Marte (Foto: Nasa/JPL)

A NOTÍCIA DE CIÊNCIA que vai ganhar destaque em capas de revistas e jornais no início de dezembro virá de Marte. Nenhum jornalista sabe ainda exatamente o que é, mas a Nasa já começou a atiçar a imprensa, dizendo que uma descoberta a ser anunciada no congresso da União Geofísica Americana, na semana que vem, será de alto impacto. Algum palpite?

É claro que, quando se fala em Marte, a notícia que todos esperam ouvir é a constatação de que o planeta abriga vida. Talvez não seja a hora ainda, porém. Aquilo que a maioria dos cientistas espera ver é o anúncio de que moléculas orgânicas (baseadas em estrutura de carbono) existem em solo marciano. Isso não significa que o planeta esteja radiante de vida microbiana, mas, dependendo do composto orgânico encontrado, pode ser um sinal de que o planeta já teve as condições químicas para abrigar vida.

É algo incrível o suficiente para abalar a imprensa mundial? Bom, em entrevista à rádio americana NPR, John Grotzinger, cientista chefe da missão que conduz o jipe-robô Curiosity em Marte, prometeu que o anúncio a ser feito na semana que vem deverá “entrar nos livros de história”. Resta saber se os historiadores vão se entusiasmar também.

A descoberta só não foi revelada ainda porque os pesquisadores ainda estão conferindo os dados mais vezes para se certificarem de que não estão errados. E a Nasa tem bons motivos para não se precipitar.

Em 1996, David McKay, cientista do Centro Espacial Johnson da Nasa, relataram num estudo ter encontrado estruturas semelhantes a fósseis de micróbios numa rocha marciana encontrada na Antártida, o meteorito Allan Hills 84001. O pedaço de pedra, que veio parar na Terra após uma colisão de um asteroide com Marte, foi tema até mesmo de um anúncio público do presidente Bill Clinton, que chegou a nomear uma comissão para replanejar o programa espacial americano em vista da descoberta.

Alguns meses depois, porém, as evidências dos “fósseis” marcianos já estavam sendo contestadas por diversos estudos. Os autores ainda defendem a descoberta, mas a controvérsia sobre se a alegação foi exagerada ainda persiste. Em um dos estudos mais recentes sobre o meteorito, Andrew Steele, da Instituição Carnegie de Washington, mostra como as microestruturas achadas no meteorito podem surgir perfeitamente em processos minerais que não envolvem seres vivos. Se Allan Hills 84001 entrou para os livros de história em 1996, provavelmente a esta altura já saiu de muitos deles.

Por fim, Antes de Grotzinger revelar o que o Curiosity coletou agora, só resta especular. Seriam bases nitrogenadas (componentes do DNA), aminoácidos (componentes de proteínas) ou cadeias longas de átomos de carbono? Ninguém sabe ainda. Em uma das amostras analisadas pelo jipe-robô, cientistas já haviam visto sinais de metano, a mais simples molécula orgânica, mas voltaram atrás antes de anunciar a descoberta. Se o achado de agora for mesmo algum composto orgânico, qual a probabilidade de que tenha ligação com alguma forma de vida?

Qualquer que seja a resposta, me arrisco a dizer que desta vez os historiadores (e o presidente dos Estados Unidos) serão mais cautelosos na interpretação. Tentativas da Nasa de escrever a história por antecipação não deram certo, ainda.

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