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Teoria de Tudo

por Rafael Garcia

Perfil Rafael Garcia é repórter de Ciência.

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A nova gripe aviária vai chegar ao Brasil?

Por Rafael Garcia
13/08/13 07:01

Principais corredores de migração de aves do mundo (Imagem: “Shorebirds”/Thompson & Byrkjedal)

CONVERSEI ONTEM com Edison Durigon, professor da USP, virologista com vasta experiência em zoonoses que ocasionalmente contamimam seres humanos. Na década passada, o biólogo foi um dos articuladores do sistema brasileiro de monitoramento do vírus da gripe aviária H5N1, patógeno que nunca chegou aqui e acabou esquecido pelas autoridades sanitárias. O vírus que está preocupando mais os epidemiologistas agora, porém, é outro: o H7N9, que já matou 43 pessoas na China. Perguntei a Durigon se esse vírus pode chegar ao Brasil, e sua resposta foi ao mesmo tempo reconfortante e apavorante.

“Pode acontecer, mas não vejo uma possibilidade alarmante de o H7N9 chegar até aqui numa ave migratória”, disse o pesquisador. “O que eu vejo é um risco de esse vírus se adaptar para transmitir de humano para humano, e depois causar uma pandemia.”

Durigon explica que, para chegar até o Brasil numa ave migratória, será preciso que um animal de rotas asiáticas chegue ao Alaska e passe o vírus para aves de rotas americanas. Essa outra espécie de ave desceria então até a América do Sul no verão austral (veja mapa acima). Em outras palavras, o Brasil é o último ponto de parada do vírus no circuito mundial de aves migratórias, e dificilmente o vírus seria encontrado aqui antes de os Estados Unidos detectarem que ele passou por lá.

“Os EUA monitoram por ano cerca de 50 mil aves que chegam lá, e nós aqui não fazemos nem mil”, diz, “É uma amostragem muito pequena.” Apesar disso, não se descarta que o vírus chegem numa ave importada, explica Durigon. “E també existem algumas aves que não são migratórias, mas fazem deslocamentos longos em bando e podem atravessar o Atlântico.”

Apesar disso tudo, o risco de o vírus chegar é mesmo pequeno. E a razão pela qual o governo brasileiro ainda não se alarmou com o H7N9 não é biologica, é econômica.

“Quando o H5N1 representava uma ameaça maior, houve um esforço grande aqui, porque estava todo mundo com medo que o vírus atingisse as aves nas granjas –e o Brasil é hoje o maior exportador de frango do mundo”, conta Durigon. “O índice de mortalidade causado pelo H5N1 é muito alto em aves. Logo se percebe quando ele está presente, porque causa uma perda enorme nas granjas. Já o H7N9 pode passar meio despercebido, porque é muito mais comum que ele resulte em casos assintomáticos.”

Isso é uma coisa ao mesmo tempo boa e ruim. Um vírus mais patogênico tende a matar mais aves (e mais humanos), mas as infecções sem sintomas são muito mais propensas a se espalharem. Além disso, o verdadeiro potencial letal de uma versão mutante do H7N9 não é conhecido ainda, e só agora alguns experimentos deverão avaliar o risco.

Segundo Durigon, o importante por enquanto é ficar em alerta. Se a infecção pelo H7N9 se retomar com mais força do próximo inverno boreal, talvez seja a necessário o Brasil ser um pouco mais proativo no monitoramento dos vírus em aves.

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Seu cachorro boceja para estranhos?

Por Rafael Garcia
09/08/13 07:01

Seria o bocejo canino uma manifestação de empatia ou mera reação a estresse (Foto: Flickr.com/BarkBud)

ALGUNS EXPERIMENTOS parecem ter sido feitos sob medida para ganhar o Prêmio Ig Nobel, a láurea máxima da ironia científica. O mais recente deles traz importante informação sobre o comportamento de animais de estimação: cães são mais propensos a bocejar quando veem o dono fazendo o mesmo do que quando observam um estranho qualquer bocejando.

O estudo que relata essa estranha peculiaridade canina saiu anteontem na revista PLoS One, assinado por Teresa Romero, da Universidade de Tóquio. Como a maioria dos trabalhos que costumam ganhar o Ig Nobel, é um trabalho que primeiro nos faz rir, depois nos faz pensar.

Romero e seus coautores fizeram um cuidadoso e controlado experimento, recrutando cães e donos com avisos em consultórios de veterinários. Vinte e cinco animais foram submetidos ao bocejo de donos e estranhos enquanto tinham os batimentos cardíacos monitorados, e os pesquisadores concluíram que o contágio de bocejo entre indivíduos com ligação afetiva era três vezes maior do que entre estranhos.

Até aí, nenhuma novidade. O encadeamento de bocejos parece ser um importante elemento de interação social e empatia entre macacos e humanos, e biólogos já especulavam que sse comportamento estava intimamente ligado à evolução de mamíferos sociais. Em outras espécies, porém, o papel do bocejo é incerto. Os próprios cães, por exemplo, não costumam trocar bocejos entre si.

O que teria originado o bocejo na evolução dos mamíferos, então? Alguns estudos reuniram evidências parciais de que nos canídeos o bocejo seria meramente uma reação comum a eventos de estresse, sem uma função comportamental. (É impressionante, aliás, a quantidade artigos técnicos sobre bocejos canídeos que existe por aí.) A questão, de um jeito ou de outro, estava em aberto.

O estudo de Romero, porém, traz uma forte evidência contra essa hipótese, pois o batimento cardíaco dos cães bocejantes não se alterou durante o experimento. Além disso, o fato de o contágio bocejático ocorrer com mais frequência entre cão e dono indica que há um componente importante de afetividade no comportamento.

“Durante a domesticação, cães foram selecionados para prestar ateção em humanos”, escreve Romero. “Portanto, é possível que eles estejam predispostos a reagir mais intensamente, ou até exclusivamente, a sinais sociais humanos do que aos de sua espécie.”

A evolução conjunta de cães e humanos nas últimas dezenas de milhares de anos, portanto, pode ter sido aquilo que fez esses animais terem adquirido uma capacidade rudimentar de empatia.

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O HIV e o desafio para a vacina da USP

Por Rafael Garcia
06/08/13 15:23

Quando conversei com Edecio Cunha Neto, líder do projeto de pesquisa que desenvolve uma vacina contra o HIV na USP, o cientista parecia um pouco surpreso com o grau de atenção que seu trabalho passou a receber de uma hora para a outra. Sua pesquisa não vinha causando grande estardalhaço em estágios anteriores e, agora, um passo de chegar num possível ensaio clínico em humanos, toda a imprensa do Brasil passou a procurar os cientistas.

Se a mídia ignorou o grupo da USP antes, não posso criticar outros jornalistas. Eu mesmo não tinha procurado Cunha Neto para falar sobre o projeto antes. Ele e outro coordenador do projeto, Jorge Kalil, estão prestes a iniciar um teste em macacos agora, mas vinham obtendo sucesso com camundongos desde 2006, usando esquemas elaborados para tentar entender a eficácia do imunizante. A despeito do complexo de viralata, a chance de uma vacina desenvolvida e patenteada no Brasil chegar a um estágio de desenvolvimento mais avançado ainda parecia ser mesmo um desafio.

É verdade que, mesmo que o projeto obtenha sucesso, a vacina da USP não é uma promessa de proteção total contra o HIV. Os experimentos com roedores e os estudos moleculares usados no desenvolvimento do produto sugerem que ela seria uma ferramenta complementar de prevenção, acompanhada de algum imunizante mais potente Os pesquisadores aventam a possibilidade de a vacina vir a ser usada como uma forma preventiva de retardar a ação do HIV no futuro, também, mas também não está claro o quanto autoridades de saúde pública estariam propensas a investir numa campanha de imunização preventiva usando um produto que não ofereça proteção completa.

Ressalvas à parte, no estágio em que as coisas estão, tudo é suposição. É preciso esperar o que os testes com macacos vão dizer.

Vale notar que a vacina da USP, batizada de HIVBr18, tem algumas características bem interessantes. Uma delas é o fato de ter escopo amplo, porque foi projetada para atacar partes do vírus que não costumam mudar. Isso implica que, caso funcione, o imunizante continuria tendo utilidade mesmo após o HIV sofrer mutações. E a ideia é que a vacina seja útil contra várias variedades diferentes do vírus, também.

Percalços

Mesmo que o teste com macacos dê certo, porém, ainda há muitas barreiras a serem superadas para levar o projeto adiante. Uma delas é a do financiamento. A Fapesp ainda não deu sinais de que teria cacife para bancar um teste clínico de fase 1 (avaliação de segurança) para o imunizante. Cunha Neto também se diz pouco esperançoso sobre a possibilidade de atrair investimento privado antes da fase 2 (avaliação de efeito). Há outras vacinas mundo afora disputando financiamento.

Uma estratégia diferente poderia ser usada para mostrar o poder do tipo de vacina usada por Cunha Neto. Segundo o cientista, seria possível repetir o mesmo método de criação da vacina –que busca imitar o sistema imune de pessoas com mais resistência ao HIV–, mas numa versão contra o SIV, a variedade do vírus que infecta macacos. Como não existe nenhum modelo animal para se estudar o HIV diretamente, isso permitira avaliar melhor as chances de sucesso, colocando uma vacina para brigar de verdade contra um vírus de imunodeficiência dentro do organismo de um primata. O sucesso em um teste como esse daria uma razão a mais para acreditar na vacina da USP.

Nenhum biotério brasileiro, porém, tem estrutura para realizar um teste de desafio em primatas, segundo Cunha Neto. Caso o teste com o SIV venha a ser feito algum dia, terá de ser em colaboração com algum outro país.

Mas os cientistas ainda não estão debatendo isso. Cunha Neto, agora, aposta as fichas no teste com os macacos. Talvez isso qualifique o grupo para um estudo internacional de com o SIV. Talvez seja possível chegar a um ensaio humano de fase 1 sem que isso seja necessário. A ver. Até aqui, um passo por vez, o grupo da USP tem conseguido avançar.

No fim, mesmo que a vacina não dê certo, o repósitorio de conhecimento que o grupo da USP deixará sobre o vírus certamente contribuirá para outras pesquisas. O trabalho não é, portanto, uma questão de tudo ou nada, e já rendeu alguns frutos interessantes.

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O termômetro da violência

Por Rafael Garcia
02/08/13 15:58

Cena de ‘Faça a Coisa Certa’, filme sobre episódio de conflito racial durante onda de calor no Brooklyn

QUANDO COMECEI A TRABALHAR como jornalista, na produção de noticiário policial para uma emissora de rádio, uma das minhas tarefas tediosas era ligar de hora em hora para o centro de operações da Polícia Militar. Fazia isso durante toda a madrugada, perguntando sobre novidades. Eu chegava no estúdio à meia-noite e, às vezes, no primeiro telefonema, o policial no outro lado da linha já alertava: “A noite está quente. Fica esperto porque hoje a gente vai ter trabalho.”

Não sei se há estatísticas confirmando essa teoria que já virou corolário nas ruas de São Paulo, mas, de fato, não era incomum para mim amanhecer o dia noticiando dois homicídios e uma chacina quando a noite tinha sido quente. Minha experiência com jornalismo policial, porém, ficou relegada ao milênio passado, e nunca mais parei para pensar sobre esse assunto. Até ontem.

Se a associação do calor com a taxa de violência é uma coisa tão evidente na cultura urbana, seria para nós um motivo de preocupação o fato de o planeta estar esquentando? A lógica dessa pergunta é tão banal que chega a soar estúpida à primeira vista, mas o estudo sobre o qual escrevi a reportagem para a edição de hoje do jornal diz exatamente isso. O trabalho foi liderado por Solomon Hsiang, professor de políticas públicas da Univerisdade da Califórnia em Berkeley.

Ja havia estudos relacionando o desequilíbrio no clima como combustível para guerras e grandes conflitos, pois a disputa por recursos naturais dava vez mais escassos, como água doce e terras ferteis, está se acirrando. Mas pouco se falava sobre o impacto do clima no crime urbano.

A nova pesquisa –na verdade uma meta-análise agrupando muitas outras pesquisas– citava taxas de violência em estádios nos EUA, estupros, protestos civis na África. Mas aparentemente ninguém ainda realizou um estudo sério sobre o impacto do clima no crime urbano em São Paulo ou no Rio.

Se a influência do aquecimento global na violência urbana ainda é incerta no Brasil, em áreas rurais, pelo menos, já há dados sugerindo que o clima pode alimentar conflitos.

O cientista político Daniel Hidalgo, também de Berkeley, mostrou em estudo em 2010 que a pressão da mudança climática sobre a agricultura no Brasil pode levar a crises econômicas que culminam num aumento dos conflitos por terras. Um dos mecanismos por meio dos quais isso ocorre é a exacerbação das desigualdades sociais e desigualdades regionais.

“Se o cenários de redução de precipitação no Nordeste do Brasil se concretizarem, não há dúvida de que a pressão social na região vai se agravar severamente”, diz Paulo Artaxo, climatólogo da USP. “Vai haver deslocamento de produção e o desemprego vai ser maior em algumas regiões do que em outras, porque a vulnerabilidade de cada região à mudança climática é muito diferenciada.”

Às áreas urbanas brasileiras, porém, não estão a salvo de conflitos alimentados por eventos climáticos extremos, diz o climatólogo Carlos Nobre, secretário de políticas públicas do Ministério da Ciência e Tecnologia.

“Existem alguns milhões de brasileiros vivendo em áreas de risco em áreas metropolitanas, onde corremos o risco de ver mais desastres naturais”, diz o cientista, que alerta para o impacto econômico desse problema nas áreas urbanas, deixando mais famílias na marginalidade social. “Se essas pessoas não receberem atenção dos governos, vão protestar cada vez mais.”

Tudo isso, claro, ainda é uma previsão incerta. A meta-análise de Solomon Hsiang é a primeira de uma área de estudos que é bastante controversa, ainda com muito questionamento sobre métodos de inferência estatística. Mas o fato de que todos os estudos que passaram pelo crivo de qualidade de seu trabalho apontarem para um impacto do clima na violência merece atenção, no Brasil também.

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Reflexões sobre a monogamia

Por Rafael Garcia
30/07/13 18:06

Casal de suricatos, mamífero de comportamento predominantemente monógamo (Foto: D. Lukas)

NA REPORTAGEM DE HOJE  sobre a evolução da monogamia, falei pouco sobre um aspecto desse assunto que costuma atrair bastante interesse. A natureza humana é ou não é monogâmica? A explicação de como e por que outras espécies exibem laços fortes entre casais ainda é incerta, mas remete em alguma medida a um debate ético.

Consideremos a tese do biólogo Christopher Opie. Sua hipótese é a de que espécies de mamíferos que outrora eram poligâmicas tornaram-se monogâmicas porque os machos passaram a ter de proteger filhotes do infanticídio. Talvez isso seja um problema grave para um suricato, mas entre humanos a prevalência de infanticídio já não é tão intensa. Isso significa que o abandono de crianças e a poligamia seja biologicamente perdoável?

“Não acho que a maneira com que a monogamia evoluiu seja uma lição sobre como devemos viver nossas vida agora”, me disse Opie. “Mas, apesar de a monogamia ter começado a surgir entre primatas há relativamente pouco tempo [16 milhões de anos atrás], ela parece ser um sistema estável. Uma vez que uma espécie a adota, dificilmente voltará a ser poligâmica.”

O estudo da dupla rival de Opie –Tim Clutton-Block e Dieter Lukas– enxerga outra hipótese. A monogamia é adotada por machos de uma espécie quando “falta mulher no pedaço”. Em espécies de animais nas quais fêmeas se distribuem muito espaçadamente, é custoso para um macho abandonar uma parceira para ir buscar outra. Numa metrópole com alta concentração de fêmeas humanas, então, a poligamia é biologicamente perdoável?

“Devemos ter cautela ao extrapolar a partir disso para qualquer declaração definitiva sobre a evolução dos sistemas humanos de acasalamento”, disse Clutton-Block em entrevista coletiva. “Mas estou longe de estar convencido de que humanos sejam realmente monógamos. (…) A condição ancestral para humanos é provavelmente a poligamia, e isso não chega a ser grande surpresa, porque outros grandes macacos também são polígamos.”

Foi interessante para mim, portanto, enxergar que existe um debate antropológico sobre moral escondido por trás desses estudos evolutivos. Mas concordo com a opinião de Opie de que a história da evolução, seja ela qual for, não precisa definir nossas opções culturais.

Por fim, antes que os criacionistas apareçam para semear confusão sobre o debate, sugiro que deixem para lá. Para quem optou por interpretar ao pé da letra e seguir à risca os dogmas de livros sagrados que pregam a prática da monogamia, debater implicações morais da evolução é perda de tempo.

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Como acelerar o aquecimento global

Por Rafael Garcia
29/07/13 08:01

O ESTUDO QUE estimou o impacto econômico do derretimento do Ártico em US$ 60 trilhões fez um bocado de barulho nesta semana. Como contamos em reportagem na última quinta, o grande problema de deixar a região esquentar é que isso causaria a liberação de grande quantidade de metano. E esse potente gás de efeito estufa, por sua vez, faria o planeta esquentar ainda mais, num processo de feedback –ou retroalimentação, em bom português.

Atribuir um prejuízo financeiro à emissão de metano do Ártico ajudou a dar uma dimensão de sua gravidade, e talvez explique por que outro estudo importante sobre retroalimentação divulgado nesta semana tenha ganho menos destaque. Só fiquei sabendo no fim de semana, num comunicado da Nasa, sobre um trabalho que mostra outro processo quase tão grave quanto o metano do Ártico, mas em regiões quentes.

Um grupo de cientistas da agência espacial em colaboração com outros centros de pesquisa completou neste ano uma análise estatística, comparando temperaturas regionais em florestas tropicais com o aumento da concentração de carbono na atmosfera. Após analisar um período de 52 anos (incluindo muitos anos de El Niño e descontando o efeito de resfriamento causado por erupções vulcânicas), os pesquisadores chegaram a uma conclusão preocupante.

Segundo estudo publicado na revista PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos EUA, para cada aumento de 1°C na temperatura do ar sobre regiões florestadas, esses ecossistemas emitem 3,5 bilhões de toneladas de carbono a mais por ano. Esse processo, que basicamente é fruto do desequilíbrio na respiração e na fotossíntese de seres vivos, faz as florestas liberarem mais CO2 e absorverem menos. Possivelmente esse também é um efeito que vai realimentar a mudança climática, acelerando o aquecimento global.

É difícil saber qual fenômeno é mais preocupante: o metano do Ártico ou o desequilíbrio no balanço de CO2 das florestas. Apesar de ser um gás-estufa potente, o metano possui vida mais curta que o CO2. Se as reservas de metano do Ártico forem todas liberadas na próxima década, esse é um processo que vai acelerar um bocado o aquecimento do planeta, mas seu efeito não deve passar desse século. Já o CO2 extra estocado nas florestas teria vida muito mais longa na atmosfera, e pode atrapalhar mais as tentativas de recuperar o planeta por meio da redução de emissões antropogênicas de gases-estufa.

Tanto o estudo britanico-holandês sobre o Ártico quanto o estudo da Nasa sobre as florestas deverão ter algum impacto nos cenários que o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) calcula para estimar o futuro. É provável que fenômenos de retroalimentação como os descritos nesses dois estudos façam os cientistas reverem os cenários para pior.

Climatólogos também buscam entender melhor alguns tipos de “feedback negativo” no qual o aquecimento resultaria em algo que pode resfriar o planeta mais tarde, em vez de reaquecer. Seria o caso, por exemplo, da cobertura de nuvens no planeta, que ajudariam a refletir radiação. Os dados do estudo da Nasa, porém, não apontam sinal forte desse tipo de correlação benéfica.

Esses dois estudos tratam de temas que estarão entre os mais quentes no IPCC. Muitos climatólogos dentro do painel acreditam que o último relatório de avaliação foi conservador demais, e deixou de incluir dados que tornariam as previsões mais pessimistas. Mas o debate sobre o estudo da Nasa e sobre a pesquisa britanico-holandesa no Ártico, infelizmente, não vai ocorrer na próxima assembleia do grupo, em setembro. Ambos os trabalhos saíram tarde demais para serem submetidos a avaliação.

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Qual polêmica é mais polêmica? Cientistas usam a Wikipédia para fazer ranking

Por Rafael Garcia
19/07/13 15:25

QUEM NUNCA se meteu num bate-boca? Coloque um grupo de amigos numa mesa de bar por algumas horas e é quase certo que dois deles iniciarão uma discussão sobre se a teoria da evolução prova a inexistência de Deus, se a invasão dos EUA no Iraque foi legítima ou se o título do Flamengo em 1987 foi válido.

Psicólogos e sociólogos nem sempre conseguem transformar esse tipo de polêmica em objeto de ciência, mas um grupo de pesquisadores conseguiu criar um método para quantificar quais são os assuntos mais suscetíveis a ess tipo de discussão no mundo. E eis o ranking:

1. George W. Bush
2. Anarquismo
3. Maomé
4. Lista de funcionários da WWE*
5. Aquecimento Global
6. Circuncisão
7. Estados Unidos
8. Jesus
9. Raça e inteligência
10. Cristianismo

A lista foi feita quatro cientistas de computação que criaram um algoritmo para minerar as informações de edição em artigos da Wikipédia. Liderados por Taha Yasseri, da Universidade de Oxford, o que os pesquisadores fizeram foi basicamente rastrear quais artigos da enciclopédia mais sofrem com a “guerra” de alterações.

Quem já tentou editar algum artigo na Wikiédia sabe o que é isso. Um sujeito entra no verbete “Aquecimento Global”, por exemplo, e insere uma informação dizendo que a mudança climática é uma conspiração das ONGs ambientalistas. Outra pessoa entra depois, apaga a edição, e escreve que a indústria do petróleo está sabotando o trabalho dos climatólogos. E assim vai, num ciclo interminável.

Até agora, cientistas tentavam identificar quais seriam os artigos mais polêmicos ao contar quais deles sofriam mais alterações, mas a técnica não funcionava muito bem. Um artigo que envolve relativamente pouca polêmica, como o artigo “Câncer”, por exemplo, sofre alterações a todo momento simplesmente porque a ciência não para de produzir informações.

Para resolver o problema, o que Yasseri fez agora foi desenvolver um algoritmo que busca não apenas um grande número de edições, mas também rastreia alterações mútuas, do tipo em que fulano altera o texto de beltrano, e beltrano altera o de fulano. E dái surgiu o ranking.

“Nossos resultados indicam que a Wikipédia é mais do que uma enciclopédia; é também uma janela para priodidades, interesses e preferências socio-espaciais convergentes e divergentes”, diz o cientista. Para os autores do estudo, a Wikipédia anglófona é aquela que representa esse fenômeno em escala global, pois é editada por pessoas de virtualmente no mundo todo. Não é de estranhar que a maioria dos verbetes mais polêmicos sejam aqueles ligados a religião e política.

Olhar para a lista de Yasseri sobre os assuntos mais polêmicos da Wikipédia em língua portuguesa, porém, revela um padrão de interesses mais regionais com  povos lusófonos mostrando gosto por debater política, mas não tanto religião. Dois temas que parecem ser fonte de grande celeuma para brasileiros e outros falantes de português são bandas americanas de pop/rock e, claro, o futebol. Sete verbetes sobre times estão entre os mais 20 polêmicos, além do verbete sobre o próprio Campeonato Brasileiro. Aí vai a lista:

1. São Paulo (cidade)**
2. Brasil**
3. Rede Record
4. José Serra
5. Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense
6. Sport Club Corinthians Paulista
7. Cyndi Lauper
8. Dilma Rousseff
9. Luiz Inácio Lula da Silva
10. Guns N’ Roses
11. Avril Lavigne
12. São Paulo Futebol Clube
13. Club de Regatas Vasco da Gama
14. Vitória Sport Clube
15. Morangos com Açúcar
16. Fluminense Football Club
17. Testemunhas de Jeová
18. Linkin Park
19. Campeonato Brasileiro de Futebol
20. Chelsea Football Club

Yasseri colocou no arXiv, um repositório online de artigos científicos, uma cópia de seu estudo.  A relação completa das listas dos 100 verbetes mais polêmicos em cada língua está no site dos autores do estudo.

_______________________________________________________________________________

* A WWE é a maior produtora de espetáculos de luta livre no mundo. O estudo não diz porque há tanta polêmica cercando a empresa. Talvez haja gente acreditando que aquelas lutas fingidas são reais.

** O estudo também não explica por que verbetes geográficos (São Paulo e Brasil) são os mais polêmicos. Se alguém descobrir, por favor comente aqui.

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Com um século de atraso, Einstein vai à escola

Por Rafael Garcia
11/07/13 15:43

EXISTE POUCA GENTE neste planeta que não consegue reconhecer a fisionomia de Albert Einstein. A foto ao lado –o físico no verão de Long Island exibindo delicadas sandálias– não é tão conhecida. Mas todo mundo se lembra da famosa imagem do cientista mostrando a língua. Quando perguntamos a qualquer pessoa o que Einstein fez para ficar tão famoso, porém, a resposta costuma ser breve. Todos sabem dizer “ele fez a teoria da relatividade” ou sabem escrever E=mc2. Poucos, porém, se arriscam a tentar dizer o que isso significa.

Esse desconhecimento não chega a surpreender. Recentemente, numa conversa com um grupo de uns dez jornalistas mais jovens, perguntei quais deles haviam aprendido na escola o que são as teorias da relatividade de Einstein (são duas, e não uma). Só um levantou a mão. Duas décadas atrás, eu também não aprendi nada sobre a física relativística no ensino médio, nem seus conceitos mais básicos. Como exigir das pessoas que isso esteja em seu repertório de cultura geral, então, se o próprio sistema de ensino ignora o bom e velho Einstein?

Talvez essa falha esteja agora em vias de ser corrigida. No semestre que vem, alunos de escolas públicas do Estado de São Paulo terão pela primeira vez aulas programas sobre coisas como o Big Bang, buracos negros e fótons (as partículas de luz), todas essas ideias derivadas de trabalhos de Einstein publicados há cerca de um século. Folheando o novo programa de física do currículo oficial da secretaria estadual de educação, também é possível achar menção a conceitos como “espaço curvo” e “quantização da energia”, conceitos dos quais Einstein foi pioneiro.

Não sei qual é a situação do ensino de física em outros países do mundo, mas acho estranho que a relatividade tenha demorado tanto para chegar às salas de aula. Einstein transformou radicalmente a percepção que os físicos têm do espaço, do tempo e da própria realidade. Seu trabalho envolve uma matemática sofisticada, claro, mas isso não é impedimento para que estudantes de ensino médio deixem de aprender os conceitos de suas teorias, ou até aspectos mais simples de sua matemática.

Tenho impressão de que a ausência de Einstein era o reflexo mais claro de uma cultura de educação científica atrasada no Brasil. Os próprios cientistas já vinha criticando isso. Celso Pinto de Melo, presidente da Sociedade Brasileira de Física, declarou recentemente que aquilo que prejudica a física no Brasil é “uma cultura muito livresca, que valoriza as fórmulas e a memorização”. Isso não está longe da opinião de muitos estudantes que deixam a escola sem ter boas lembranças das aulas de física.

Isso tudo é para dizer que, com excesso de tempo gasto para aprender a solucionar problemas de física newtoniana que envolvem equações bizantinas, não há tempo para aprender conceitos básicos de física einsteniana. E, mesmo na física clássica, muitas vezes os alunos são treinados para decorar fórmulas sem entender os conceitos por trás delas.

Um dos maiores culpados pela disseminação dessa cultura, claro, é o vestibular. Com agenda apertada para encaixar tudo o que há para aprender, a maioria das escolas acaba desistindo de tentar encaixar no programa algo que não seja cobrado no vestibular. Admiro os coordenadores do novo currículo das escolas públicas estaduais, portanto, por terem tido a coragem de fazer isso antes da Fuvest.

O novo programa inclui não apenas os trabalhos de Einstein, mas também vários tópicos de mecânica quântica e de física de partículas (com quarks e tudo o mais) outra física centenária que em geral não é muito abordada no ensino médio. Pessoalmente, acho até que o programa poderia ter sido um pouco mais ousado, incluido uma abordagem mais direta de conceitos da relatividade especial. (Apesar de haver física relatívistica no novo currículo, a palavra “relatividade” não é mencionada em nenhum lugar do texto.)

Mas o problema do ensino de física em São Paulo, claro, não vai ser resolvido só com uma mudança de tópicos no currículo. Quando essas alterações ainda estavam sendo discutidas, muitos educadores questionavam se haveria número suficiente de professores qualificados para ensinar física moderna no ensino médio.

O grau de dificuldade que as escolas terão para implementar isso vai ficar mais claro no semestre que vem, quando Einstein começa a entrar efetivamente na sala de aula. Se os problemas bizantinos de mecânica clássica tiverem de ser abandonados em favor de abrir espaço ao ensino de conceitos de física moderna, porém, acho que a mudança será positiva.

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Correndo contra a extinção, sem sair do lugar

Por Rafael Garcia
01/07/13 14:23

Ilustração de Sir John Tenniel para a edição de 1871 de “Alice Através do Espelho” (Imagem: Divulgação)

O ESTUDO RECENTE de um biólogo brasileiro levantou um interessante insight sobre um fenômeno aparentemente contraintuitivo na evolução biológica: a hipótese da Rainha Vermelha.

Esse é o nome do efeito segundo o qual muitas espécies evoluem para se tornarem mais adaptadas a seus ambientes, mas acabam sem obter vantagem real. Em contrapartida, quem não acompanha o ritmo da evolução, é alcançado pelo fantasma da extinção.

Para entender o que está por trás dessa ideia, é útil saber a origem do termo, que remete a um trecho de “Alice Através do Espelho”, de Lewis Carroll:

“Aqui, como você pode ver,
é preciso correr o máximo possível
para permanecer no mesmo lugar.”

Essa foi a frase dita a Alice pela Rainha Vermelha, que tentava lhe explicar como as coisas funcionavam no País das Maravilhas. Em 1973, o biólogo Leigh Van Valen se apropriou da ideia para explicar fenômenos biológicos. Um exemplo disso é a disputa entre presa e predador. Uma espécie de leão que evolui para correr mais rápido, por exemplo, não obtém nenhuma vantagem significativa se a espécie de gazela da qual ele se alimenta também evoluir para correr mais rápido.

A hipótese da Rainha Vermelha, porém, não ajuda e explicar somente a disputa entre presa e predador. A falha em evoluir de maneira rápida o suficiente também pode comprometer uma espécie ou gênero de animais que vive num ambiente em constante mudança.

Em um estudo recente publicado na revista “Science Express”, o biólogo da USP Tiago Quental mostrou que a hipótese da Rainha Vermelha serve para explicar não apenas a extinção de uma determinada espécie, mas também a redução de biodiversidade dentro de um determinado grupo de animais.

Na história da evolução, há espécies de animais aparecendo e sumindo em todas as eras. Enquanto algumas brotam das espécies já existentes na árvore da vida, outras vão se extinguindo. Para sobreviver aos milênios, um gênero de animais precisa gerar novas espécies para repor aquelas que vão se extinguindo.

Algumas teorias supunham que esse processo seria algo aleatório, e que alguns grupos de espécies simplesmente teriam a sorte de tomar um caminho evolutivo melhor do que outros. Sob essa hipótese, batizada de “ruína do apostador”, quanto mais tempo os gêneros ou famílias de animais passam sobre a Terra, maior é o risco de sumirem inteiros.

Ao analisar os dados sobre extinção de 19 grupos de espécies de mamíferos terrestres, porém, Quental identificou que esse processo não seguia um padrão matemático de aleatoriedade. Trabalhando com Charles Marshall, da Universidade de Califórnia em Berkeley (EUA), ele comparou a abundância de espécies de animais extintos em épocas relativamente recentes (menos de 66 milhões de anos) com outras que ainda estão vivas (como rinocerontes, elefantes, cavalos), mas também estão em declínio. E os dados do registro fóssil mostraram a influência da Rainha Vermelha sobre as espécies que sumiram.

Segundo Quental, essa derrota mostrou algo que ainda não era conhecido pela biologia. “O papel de uma redução na origem de novas espécies –gêneros, no nosso caso– é tão importante quanto o papel do aumento da taxa de extinção quando tentamos explicar o que está levando mamíferos à extinção”, disse.

O estudo de Quental e Marshall ainda não permite identificar quais fatores deixaram os animais analisados em situação desfavorável. Como o trabalho excluiu de propósito dos dados os eventos de extinção em massa –por exemplo, aquele que matou os dinossauros–, os fatores que estão causando esse desequilíbrio no surgimento/sumiço de espécies não são tão claros. De quebra, portanto, os dois biólogos também levantaram uma pergunta interessante para a ciência evolutiva.

___________________________________________________________________________

PS. Ouvi falar da hipótese da Rainha Vermelha pela primeira vez no blog do biólogo Átila Iamarino, que publicou alguns bons textos sobre esse conceito.
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Entrevista com James Gleick

Por Rafael Garcia
24/06/13 03:46

CONVERSEI ALGUNS DIAS ATRÁS com James Gleick, autor de um dos melhores livros que li recentemente, “A Informação: Uma História, uma Teoria, Uma Inundação” (Companhia das Letras). Conhecido do público leitor de ciência desde 1987, quando publicou um best-seller que apresentava a teoria do caos para leigos, Gleick encarou desta vez um desafio similar, descrevendo outra ideia científica de consequências abrangentes.

Como conto em texto para a Ilustrada de hoje, o herói de sua nova história é Claude Shannon, que com sua “teoria da informação” acelerou o desenvolvimento das redes de telefones, dos computadores e de praticamente tudo o que torna o mundo atual tão comunicável.

Segue abaixo o texto da entrevista que fiz com Gleick, na qual ele conta um pouco do seu processo de criação para o novo livro:

 *

FOLHA – O sr. vê alguma similaridade entre a teoria do caos e a teoria da informação, ou no modo com que ambas parecem penetrar todas as áreas da ciência?

JAMES GLEICK – Sim. É uma boa questão. Devo começar dizendo que nunca achei que tivesse de escrever sobre disciplinas científicas individuais como tópicos. Mas há conexões especificas entre o caos –a nova ciência do caos, sobre a qual comecei a escrever nos anos 1980– e a ciência da informação. Há até mesmo uma pequena referência em meu livro “Caos” sobre a teoria da informação, pois foi naquela época que ouvi pela primeira vez que existia uma coisa com esse nome. Foram aqueles caras que me contaram pela primeira vez sobre Claude Shannon, o matemático dos Laboratórios Bell que criou essa coisa chamada teoria da informação.

Eu achava estranho (e ao mesmo tempo maravilhoso) que houvesse toda uma ciência sobre algo chamado informação. Primeiro, porque informação não me parecia ser um assunto para a ciência –talvez até menos do que o caos. Segundo, porque eles a estavam usando para estudar sistemas físicos. Eu quis então entender qual podia ser a conexão entre esse conceito abstrato, que conhecemos como informação, e um sistema físico.

Essa conexão existia e tinha algo a ver com entender a diferença entre ordem e desordem. Você mencionou que ela parece permear todas as áreas da ciência. Isso ocorre porque ela é um princípio fundamental de nosso olhar sobre o mundo, é algo que vai além das divisões artificiais que aplicamos às ciências.

Dizer que a física é algo em oposição à biologia é artificial. É apenas uma consequência da maneira com que damos nomes às coisas. Ha muita sobreposição entre a física e a biologia. O mesmo vale para outras disciplinas nas quais dividimos a ciência.

Mas, dizer que você esta interessado em estudar a diferença entre ordem e desordem significa automaticamente dizer que você está olhando para todas as partes do mundo. Isso é o que, para mim, parecia ser empolgante sobre o caos. Era algo que os cientistas estavam fazendo e que se aplicava a tudo. Aplicava-se à economia, aplicava-se à meteorologia e a todo o resto.

A coisa assustadora de escrever um livro sobre informação, também, era que ele teria de ser praticamente sobre tudo. A tese do meu livro é a de que a informação é um conceito essencial a tudo aquilo que nós humanos apreciamos, dentro e fora da ciência.

Então, de novo, eu havia chegado a um tópico que me levaria a muitas áreas diferentes. Eu sabia disso, e por causa disso levei muito tempo para escrever o livro.

Mas, independentemente disso, havia algumas conexões profundas entre caos e teoria da informação, e há alguns trechos do livro sobre informação em que faço algumas referências ao caos.

 

O sr. conta no livro que o físico John Wheeler especulava que o bit, a unidade básica da informação, seria um elemento da realidade ainda mais profundo do que as partículas elementares. É estranho pensar que exista hoje uma ciência que tenta engolir a física, porque os físicos sempre acreditaram estar lidando com as entidades mais fundamentais da realidade. Ernest Rutherford dizia que “toda ciência é física, ou então é apenas coleção de selos”. Se até mesmo a física está emergindo de algo mais profundo, seria o caso de dizer agora que toda ciência é informação?

Sim. Isso é o que Wheeler estava dizendo, mas, de novo, precisamos lembrar que os nomes das ciências são arbitrários, são construções humanas. Acho que a maioria dos biólogos se sentiria ofendida com essa declaração de Rutherford. Dizer isso nos corredores de uma universidade é o mesmo que dizer que as únicas pessoas fazendo trabalho sério ali são os físicos. E não é esse o caso.

Mas acredito que essa declaração tem algo de legítimo. É legítimo que os cientistas tentem separar o que é fundamental daquilo que emerge de outras coias. E, frequentemente, físicos conseguem tomar para si as coisas mais fundamentais do universo. Estudar a estrutura celular é algo válido, mas na base da estrutura celular há uma camada de coisas subjacentes: células são construídas de moléculas. E para entender as moléculas, é preciso entender os átomos, que são feitos de partículas subatômicas ainda menores. Precisamos entender essas coisas, e elas são mais fundamentais.

Mas há um perigo aí. É arriscado pensar que as partes das coisas são necessariamente mais importantes do que as propriedades coletivas que emergem por sobre elas. Essa também é uma descoberta central do princípio da teoria do caos: comportamentos coletivos não podem ser entendidos simplesmente pelo estudo de suas comportamentos de suas partes. Não é possível estudar a consciência, algo que emerge no cérebro, tentando-se descobrir apenas o que neurônios individuais fazem, pois a consciência é um comportamento coletivo.

Por outro lado, se você estuda comportamentos coletivos, pode encontrar toda uma gama de princípios gerais que são independentes das partes em si.

Essa é uma maneira longa de dizer sim à sua questão. Quando analisamos a teoria informação, passamos a descobrir que esses esses princípios gerais que se aplicam a sistemas de grande escala em geral têm a ver com informação. Acho que isso é o que Wheeler estava dizendo.

 

O sr. é jornalista e escreve livros para leigos sobre física e matemática, uma área do mercado editorial que é mais procurada pelos próprios cientistas do que por jornalistas de ciência. O sr. aprendeu matemática por conta própria? Ainda costuma telefonar muito para especialistas para conseguir entender estudos?

É exatamente assim que eu trabalho: eu faço questões estúpidas. Sempre me considerei, antes de tudo, um repórter. Comecei trabalhando em jornais. E para qualquer coisa sobre a qual um repórter de jornal escreve, ele parte de um estado de relativa ignorância. É claro que repórteres de jornal desenvolvem expertise em quaisquer que sejam suas áreas, mas é saudável ter em mente que você é uma pessoa com o dever de fazer perguntas.

Eu sempre fui fascinado por ciência, tinha alguma aptidão para ciência e me deixei levar pela ciência como tema sobre o qual escrever. Mas toda vez que começava num novo assunto, eu encarava uma curva de aprendizado muito íngreme. Então, precisava engolir meu orgulho, telefonar para pessoas e pedir ajuda.

Felizmente, quando se escreve sobre a obra de um dado cientista, ele em geral gosta de explicar seu trabalho. Não é sempre, mas é o mais comum. Eles sentem um certo alívio ao perceber que finalmente há mais alguém interessado naquilo que fazem.

 

Mas o sr. acaba aprendendo matemática para valer quando procura essas pessoas?

Bom, certamente aprendo algumas coisas nessas oportunidades, mas muitas as vezes eu aprendo, escrevo sobre elas, e depois acabo esquecendo. Eu não passaria numa chamada oral sobre todos os assuntos dos quais já escrevi.

Mas neste livro foi diferente. Talvez você não concorde com isso, mas ele não é exatamente um livro sobre ciência. Fiquei surpreso quando vi algumas livrarias colocarem-no em suas seções de ciência. Ele não foi concebido primariamente como um livro de ciência, porque muito do papel da informação em nossas vidas não é estritamente científico. Mas no cerne do livro há essa ciência da teoria da informação que eu precisava entender, e eu não poderia tê-la entendido sem a ajuda de um bocado de gente que entrevistei.

Uma boa parte do livro se refere a histórias passadas de pessoas que já estão mortas, sem que tivesse sobrado ninguém para entrevistar. Nesses casos, tive de ler um bocado de coisas, mas ficou nítida, especialmente no final do livro, a quantidade de ajuda eu tive de pessoas inteligentes como Gregory Chaitin, Charles Bennet e outros que estão trabalhando ativamente no campo agora.

 

O sr. acha que a teoria da informação foi necessária para que a tecnologia da informação se desenvolvesse mais rápido? Um bocado de coisas em tecnologia de informação, como telégrafos, telefones etc. estavam sendo criados antes de Shannon consolidar sua teoria. A história teria sido muito diferente sem Shannon aparecer?

Sim, teria. Acho que seria muito diferente. Mesmo que eu concorde com o que você disse –a tecnologia se desenvolve por si própria, com engenheiros criando tecnologia sem que muitos deles estejam particularmente preocupados com teoria–, a relação entre os teorizadores e os construtores é sempre complexa e interessante.

A maneira com que esta história evoluiu é particularmente interessante, porque esses dois tipos de pessoa estavam no mesmo lugar. Não é uma coincidência Claude Shannon ter feito seu trabalho teórico dentro dos Laboratórios Bell, que eram um centro de engenharia com a missão de ajudar pessoas a resolver problemas práticos do interesse de uma empresa de telefonia.

Os Laboratórios Bell tinham muito mais engenheiros elétricos, que punham a mão na massa e resolviam tecnicalidades, do que matemáticos. Mas, de certo modo, era até peculiar que eles tivessem um matemático sequer. E é justamente isso o que os tornava especiais.

Logo no início, uma geração antes da de Shannon, eles criaram um pequeno departamento de matemática. E isso acabou se revelando necessário para resolver problemas de chaveamento nas redes mais antigas. Já havia uma tradição nos Laboratórios Bell de considerar a teoria algo útil para ajudar engenheiros.

No caso da teoria da informação, ela se desenvolveu na mente desse estranho gênio com uma coleção peculiar de interesses, e isso era parte da história que eu queria contar. Por que Claude Shannon, entre todas as pessoas, foi a pessoa que apareceu com esse conjunto de ideias costurado sob o nome de teoria da informação? Ele não a chamava, na verdade, de teoria da informação, mas de “teoria matemática da comunicação”.

Por que ele deu a essa teoria essa forma particular? Assim que o fez, ele imediatamente criou uma nova ferramenta. Era uma nova maneira de pensar e um kit de ferramentas matemáticas que engenheiros poderiam usar. Podemos ver como aquilo foi útil para as pessoas, ano após ano.

O simples fato de se poder medir aquilo com o que eles estavam trabalhando, entender que eles estavam trabalhando com essa coisa abstrata, dar um nome a ela, chamando-a de informação e medi-la em termos de uma unidade fundamental, o bit, foi muito útil. Eles podiam então calcular quantos bits eles precisariam transmitir pelos fios, resolver problemas de compressão de dados, de correção de erros e uma série de coisas que não poderiam ser resolvidas sem esse arcabouço teórico.

E, depois, isso começou a ser útil para pessoas em outras disciplinas. Essa é a história do livro, a história de como as ideias em teoria da informação começaram a vazar e serem aplicada a campos da ciência distantes, como a biologia molecular.

 

Existe hoje um bocado de nostalgia nos Estados Unidos com relação à maneira com que os Laboratórios Bell financiavam pesquisas teóricas e ciência básica. Seu livro tem um pouco disso. O sr. acha que essa necessidade de incentivar a ciência pura dentro da iniciativa privada está sendo preenchida hoje por empresas de tecnologia da informação como Google e Apple?

Acho que não, mas acho que elas tentam fazer isso.

Além dos Laboratórios Bell, a IBM criou um corpo fantástico de laboratórios de pesquisa que por muito tempo fez muita pesquisa pura não necessariamente dando retorno a seu negócio primário. Por muito tempo eles bancaram Benoit Mandelbrot, o geômetra de fractais, e fizeram isso sem se preocupar muito sobre se ele os ajudaria a fazer computadores melhores. A Microsoft também criou um laboratório com a ideia explícita de financiar um pouco de pesquisa pura, e esse laboratório existe.

A Apple e o Google, claro, sustentam vários tipos de pesquisa, mas tenho a impressão de que essas instituições não apoiam cientistas puros nem lhes dão o tipo de liberdade que os Laboratórios Bell lhes dava dava naquela época. Acho que é justo dizer que há uma sensação de nostalgia. Algo se perdeu no mundo da ciência.

Mas não sei dizer por que, naquele período, era possível fazer com que essas corporações insensíveis e com fins lucrativos destinassem recursos à ciência pura. Hoje as empresas são muito mais eficientemente concentradas em suas finalidades do que eram naqueles dias. Mesmo corporações como o Google e a Apple, que até compreendem o valor da pesquisa, sentem um bocado de pressão por parte dos seus acionistas.

 

O sr. fala muito no livro da enxurrada de informação dentro da qual vivemos hoje. Temos toda a informação do mundo à disposição na internet, mas às vezes isso mais nos atrapalha do que nos ajuda a nos concentrar naquilo que é mais importante. Isso vai emburrecer a humanidade? O sr. é mais pessimista ou mais otimista?

Minha visão pessoal é algo no meio disso. Não paro nem em um extremo nem no outro.

Quando ouço pessoas dizerem que isso é uma nova utopia, que o universo eletrônico vai nos tornar super-homens e que seremos mais capazes e mais felizes do que jamais fomos quando estivermos usando nosso Google Glass, eu reajo visceralmente a isso. Digo a elas: vocês não estão percebendo todos os perigos óbvios que estão bem na nossa frente. Não percebem que, na verdade, não estamos ficando mais espertos por ter essas informações na ponta dos dedos. Somos as mesmas criaturas tolas que sempre fomos.

No outro lado, ouço gente lamentar que as crianças de hoje estão constantemente distraídas e imersas em seus aparelhos, que muitas perderam a capacidade de memorizar poesia, de ouvir musica clássica calmamente e de pensar grandes pensamentos. Eles têm saudades dos bons e velhos tempos, quando as pessoas eram mais sós. Eu também reajo negativamente a esse tipo de pessimismo. Na verdade, acho que estamos indo bem.

Em meu próprio livro, então, tento evitar os dois extremos. Talvez, no saldo final, eu esteja até sendo bem otimista. Mas a inundação é a última parte do subtítulo de meu livro, e isso não é um acidente. A inundação de informações não é uma coisa boa, e nós temos a sensação de estarmos sendo afogados justamente por aquilo ao qual damos tanto valor: a informação. Isso cria estresse, gera confusão e há um bocado de ignorância se misturando ao conhecimento.

Como indivíduos, porém, acho que estamos conseguindo achar nossas soluções para isso. Contanto que mantenhamos os olhos abertos e tenhamos em mente que alguns dos desafios que enfrentamos agora sempre estiveram aí, podemos encontrar um equilíbrio em nossas vidas.

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