Homens de Marte, mulheres de Vênus e o DNA
07/12/13 08:00UMA NOTÍCIA DE CIÊNCIA que ganhou grande repercussão na semana passada foi o experimento de neurocientistas da Universidade da Pensilvânia que identificou padrões diferentes de conectividade em cérebros de homens e de mulheres. Escrevi no início da semana um reportagem sobre o trabalho, mas volto ao assunto aqui depois de ter recebido uma carta interessante.
O psicólogo Marco Antônio Varella, professor da Universidade de Brasília (e ex-jornalista de ciência desta Folha), apontou uma ambiguidade num trecho do meu texto, que seria legal esclarecer aqui. O estudo em questão, liderado pela psicóloga Ragini Verma, identificou que as diferenças sexuais na conectividade cerebral são mais acentuadas em adultos do que em crianças. Eu tinha escrito que isso era um sinal de que essas diferenças podem ter um fundo cultural, algo que Varella, corretamente, questionou na mensagem que reproduzo abaixo.
“O fato de não encontrarmos diferenças cerebrais entre crianças, mas sim em adultos, não significa que tais diferenças nos adultos sejam mais culturais do que biológicas, pois características biológicas não são apenas presentes ao nascimento. Da mesma forma, ninguém conclui que como os homens nascem sem barba, logo, barba é cultural e não de nascimento (biológica)! Todos sabemos que durante adolescência existe uma maciçaa reorganização neuronal e ávida imersão em subculturas.
“Como a maioria das pessoas associa anatomia à biologia e comportamento à criação e cultura, é importante mostrar que tais diferenças entre homens e mulheres na anatomia da cérebro não são apenas fruto da biologia nem da cultura. Hoje sabemos que a anatomia influencia comportamento assim como que comportamento influencia anatomia. Você se lembra do estudo mostrando que os taxistas de Londres tem cérebros diferentes dado seu treino em localização espacial?
“Então a conclusão é que anatomia e comportamento são influenciados pela biologia e pela cultura. Somos biologicamente preparados para buscarmos, gerarmos e sermos mais influenciados por aspectos específicos da cultura em diferentes fases do desenvolvimento. Crianças, adolescentes, adultos e idosos têm tanto fisiologias específicas quanto subculturas específicas e ambos convergem influenciando na anatomia e no comportamento de cada um.”
Varella resumiu de maneira elegante uma posição que tem conquistado consenso em meios psicológicos: a de que a diferença entre comportamento masculino e feminino não é, apenas, uma construção cultural.
O estudo de Verma, porém, também não constitui evidência do extremo oposto: a teoria de que todas as diferenças de comportamento entre homens e mulheres estão gravadas em pedra, predeterminadas pelo DNA. Varella lembra bem que só estudos psicológicos com pares de gêmeos podem abordar essa questão, pois podem ser projetados para tentar isolar a influência genética da ambiental.
Até que os mapeamentos cerebrais de ressonância magnética por difusão sejam usados em estudos desse tipo, então, não parece ser útil usá-los como evidência de diferença comportamental entre os sexos. A maioria dos psicólogos aposta, por enquanto, em um cenário onde os dois fatores estão em equilíbrio.
Seria interessante, porém, se alguém descobrisse um fator de desequilíbrio nessa equação. Para qualquer lado que a balança da “Natureza vs. Criação” pender, certamente haverá motivo para controvérsia na comunidade psicológica. Isso, claro, se as descobertas da Universidade da Pensilvânia se provarem relevantes e purem ser replicadas por grupos de neurocientistas indepenentes. A ver.
Alguns pesquisadores estão bastante céticos com o resultado da pesquisa de Verma. Entre eles Cordelia Fine, autora do excelente “Ideias Próprias”. Em um artigo recente, a psicóloga lembra que o problema de usar a neurociências para explicar diferenças de habilidades cognitivas entre homens e mulheres é que essas são muito sutis, e às vezes nem existem. Um exemplo é a crença de que homens possuem raciocínio espacial melhor.
Num estudo recente com amostragem razoável, a chance de uma menina se sair melhor que um menino num teste de raciocínio espacial era de apenas 40%. Segundo Fine, que escreveu outro livro para tratar do assunto, nenhum estudo provou ainda que homens leem mapas melhor que mulheres. Em outras habilidades associadas ao sexo, essa chance era de 47% –quase aleatória. Ao que parece, se experimentos como o de Verma não estiverem diretamente acoplados a estudos cognitivos, pouca gente na comunidade de psicólogos vai dar trela para o que a neurociência diz.