Na cabana do Dr. De Waal
29/03/12 13:10Em setembro do ano passado, tive a oportunidade de visitar um dos projetos de pesquisa mais interessantes do mundo na área de estudos comportamentais com chimpanzés. Eu estava caçando informações para uma reportagem sobre um projetosde lei pedindo a proibição de pesquisas médicas com esses macacos nos EUA, e o primatólogo Frans de Waal, do Centro Yerkes de Primatas, aceitou conversar comigo no Centro Nacional Yerkes de Pesquisa em Primatas, na periferia de Atlanta.
Yerkes não usa mais essa espécie de macaco em pesquisas invasivas, e De Waal já vinha se tornando um dos grandes defensores de melhores condições de vida para os chimpanzés que existem hoje no país, cerca de mil. Após um debate que estava ocorrendo na época daquela entrevista, um comitê dos NIH (Institutos Nacionais de Saúde), os principais financiadores de pesquisa médica nos EUA, tomou uma decisão inédita. A entidade decidiu suspender o uso dos chamados grandes macacos (orangotango, gorila, chimpanzé e bonobo) em estudos que requerem procedimentos invasivos, como infecção por vírus.
A única exceção eram os testes para vacinas profiláticas contra hepatite C, para os quais alguns médicos ainda enxergava uma necessidade importante do uso de chimpanzés.
Conversei sobre o assunto por cerca de uma hora com De Waal, em seu escritório que fica numa cabana com chão de acrílico, em cima de uma torre de observação no curral onde Yerkes mantém um grupo de 22 chimpanzés. Enquanto o cientista falava, macacos brincavam lá embaixo, e às vezes olhavam para a torre, curiosos com minha presença.
Algumas das idéias das quais De Waal falava foram incluídas numa reportagem que publicamos em novembro. Para aquela ocasião, ele não quis opinar sobre se os estudos com hepatite deveriam ser proibidos também. Em um artigo que saiu anteontem na revista “PLoS Biology”, porém, o primatólogo defende que os estudos médicos sejam finalmente vetados de todo, incluindo os de hepatite C.
“Os chimpanzés podem ainda ser úteis para pesquisa biomédica, mas há duvida sobre se eles são cruciais”, escreve o pesquisador. “Chegou a hora de nos colocarmos à frente da ‘trajetória’ discernida pelo comitê e paralisar permanentemente toda a pesquisa invasiva com essa espécie.”
Quando estávamos conversando ainda antes de o NIH emitir seu parecer, porém, questionei De Waal sobre se a razão para os chimpanzés receberem esse tratamento privilegiado era o fato de eles serem evolutivamente mais próximos dos humanos. Ele discordou.
“Se alguém propuser fazer estudos invasivos em elefantes ou golfinhos, eu seria contra também”, disse. “Não me importa que esses animais sejam distantes dos humanos. A filogenética [classificação evolutiva] tem um certo papel, mas não é o único tópico importante quando se debate isso.”
Yerkes porém, ainda mantém um enorme curral com macacos resos, uma espécie de macaco mais distante dos humanos, que é usada às dezenas em estudos médicos. No caso desses animais, a utilidade de pesquisa acaba sendo um argumento para que Yerkes os use em estudos invasivos. Eu pessoalmente, sou favorável, pois a proibição do uso desses animais significa atravancar o desenvolvimento de tratamentos que podem salvar vidas humanas.
De Waal também não levantou nenhuma objeção contra o uso desses animais menores, e reconhece que no final das contas, muitas das escolhas éticas que os cientistas têm de fazer acabam sendo subjetivas.
“Nós, humanos, somos muito estranhos. Nós olhamos para um carvalho com 500 anos de idade e ficamos revoltados se alguém o derruba. Perto desse carvalho, pode haver uma bétula, com dez anos de idade, e a mesma pessoa não se comoveria tanto com seu corte. Nós respeitamos a idade. Nós somos moralmente muito complexos, e por isso não é fácil criar regras sobre esse assunto.”
Levando o raciocínio à frente, afinal, De Waal se mostrou conformado em não ter respostas definitiva para a questão.
“As pessoas se recusam a comer cães, mas não se recusam a comer porcos. Para um biólogo, um porco e um cão não são mentalmente tão diferentes, sabe. Qual é a moralidade por trás disso? É apenas uma questão sentimental, por gostarmos mais de cães do que de porcos? É só isso? É difícil criar regras para diferenciar o status legal de chimpanzés do de macacos resos, ou diferenciar o status de macacos resos do de ratos. Eu sempre tive a sensação de que alguns animais deveriam ter status especial, mas isso é algo totalmente subjetivo. Esse é o problema.”