A árvore onde nasceu a epidemia de ebola
06/01/15 10:26POUCO MAIS de um ano atrás, quem passasse por Meliandou, um vilarejo de trinta e uma casas no sul da Guiné, poderia se deparar com uma cena comum a qualquer área rural: um menino de dois anos brincava perto de uma árvore e entrou em um buraco na base do tronco. A inocência do instinto exploratório daquela criança, tragicamente, foi o provável início da epidemia de ebola que mais tarde arrasaria três países da África Ocidental.
A tal árvore ficava a 50 metros da casa do menino, numa trilha que levava a um córrego onde mulheres da vila lavavam roupas. Naquele lugar, crianças que acompanhavam o grupo frequentemente paravam para brincar junto ao tronco, e nada de trágico havia acontecido a nenhuma delas até então. O menino em questão, porém, contraiu uma febre, e morreu quatro dias depois, em 6 de dezembro de 2013, após sofrer também hemorragia severa.
Na semana seguinte, eram a mãe e a irmã que sucumbiam ao mesmo mal. Daquela família, resta vivo hoje apenas o pai, que não estava morando na mesma casa. No vilarejo, ninguém sabia ainda que enfermidade era aquela, entre tantas que existem naquela região da África. E ninguém sabia onde o garoto poderia ter contraído a doença.
CHUVA DE MORCEGOS
O que os moradores de Meliandou contam é que, num dia de março, quando a epidemia de ebola já havia passado da Guiné para Serra Leoa e Libéria e começava a sair do controle, a árvore se incendiou. E, enquanto o fogo consumia seu tronco, caiu dela uma “chuva” de morcegos. Como o fogo representava uma oportunidade para capturar os animais sem esforço, os mamíferos voadores foram coletados para serem consumidos depois.
A maior parte dos animais recolhidos, ao que se sabe, não foi parar na panela. Naquela época, a epidemia de ebola já havia incentivado o governo a emitir um alerta proibindo temporariamente o consumo de qualquer tipo de carne selvagem, e a ordem chegou a Meliandou no dia seguinte ao incidente. Muitos dos morcegos coletados foram então descartados.
Cientistas consideram morcegos comedores de fruta os principais suspeitos de atuarem como reservatório selvagem do vírus ebola, mas até aqui tem sido difícil apontar quais espécies são o maior risco. De todo modo, evitar morcegos era importante naquele momento.
MARCO ZERO
Só depois do incêndio da árvore é que médicos e agentes de saúde descobriram o papel de Meliandou no surto de ebola. Quando a epidemia já estava em Serra Leoa, um grupo liderado pelo sanitarista Sylvain Baize, do Instituto Pasteur de Lyon, identificou o vilarejo como marco zero da epidemia –e o menino de dois anos como paciente zero. A descoberta nada teve a ver com o episódio dos morcegos, porém. Foi feita com base em análises genéticas e com um trabalho de “rastreamento de contatos”, ou seja, entrevistando doentes para saber com quem haviam se encontrado.
Em abril de 2014, desembarcou no vilarejo outro grupo de pesquisadores, liderado por Fabian Leendertz, do Instituto Robert Koch de Berlim. Após conversarem com alguns moradores, os cientistas logo ficaram sabendo da árvore que abrigava uma colônia de morcegos, e foram ao local investigar.
NOVO SUSPEITO
Coletando amostras de cinzas e de solo ao redor da árvore, os cientistas encontraram traços de DNA do Mops condylurus, um morcego fedido e de cauda longa, comedor de insetos, que os guineanos chamam de lolibelo. Curiosamente, não era uma espécie do tipo que costuma ser caçada e comida. Morcegos frugívoros em geral são maiores e contém mais carne, e nove espécies desse grupo já haviam sido encontradas com sinais de infecção por ebola.
Leendertz, porém, acredita que o lolibelo, mesmo não sendo muito palatável, seja o provável reservatório de ebola responsável pela eclosão da atual epidemia. A passagem o vírus do morcego para humanos, desta vez, provavelmente não envolveu a ingestão de nenhum animal. Um sinal disso, diz, é que o paciente zero foi uma criança, e não os pais, que capturam e preparam a carne. Se o episódio de contaminação perto da árvore ocorreu por urina, fezes ou algum outro fluido continua sendo um mistério.
A suspeita de que o menino pudesse ter contraído o vírus de algum macaco ou antílope infectado pelos morcegos foi descartada. Mamíferos não-humanos da região não tiveram populações afetadas –algo já visto em epidemias de ebola na África Central.
A história contada neste texto está quase toda em um estudo que Leendertz e seu grupo publicaram em 30 de dezembro, quando a epidemia completava um ano. Para os cientistas, a lição é que a fonte da epidemia de ebola pode não estar nas espécies de morcegos antes tidas como suspeitas. Trabalhos de educação são fundamentais, dizem, para conscientizar a população africana a evitar o contato com morcegos a todo o custo e reduzir o risco de que surja uma nova epidemia de ebola.
muito interessante esta descoberta, uma
vez que as dificuldades para o controle da
terrível moléstia infectocontagiosa possa
ser amenizada ou até extinta a partir desta
pista.
E por que a árvore pegou fogo?
Haroldo, o Leendertz não conta essa história no artigo dele. Como o consumo de morcegos não é incomum na região, não é impossível que alguém tenha ateado fogo nela de propósito para depois recolher os animais mortos. Eu imagino que, depois do trabalho dele, mais gente vai se interessar em ir até a vila para investigar isso.
RAFAEL GARCIA,
a matéria é interessante, tudo bem. Mas de que Guiné está falando?
Nao há um país na África chamado somente Guiné.
Averigue.
Oi, Leondardo. Há, sim. A República da Guiné é comumente chamada apenas de Guiné. Os outros são Guiné-Bissau e Guiné Equatorial.
Muito interessante a matéria.
há muito tempo não lia uma matéria tão interessante. Esse texto é uma preciosidade jornalistica.
Parabéns ao Jornalista Rafael Garcia pela pesquisa e descoberta que foge da mesmice.
Textos como esse são raros hoje em dia. Parabéns!
Gostei muito da matéria!
Bem explicativa e de fácil compreensão.
É CLARO QUE CADA UM SABE O TAMANHO DA SUA FOME . MAS EU PERGUNTO SEMPRE : COMO ALGUÉM PODE COMER MORCEGO ?
Fábio, a fome e a desnutrição são um fantasma que ainda ronda as populações de zonas rurais em muitas partes da África. Fontes confiáveis e regulares de proteína ainda não existem em certos lugares, por isso é comum encontrar povoados onde se caça e come todo tipo de animais selvagens, grandes ou pequenos.
Trabalho com morcegos no Brasil, com micoses e viroses e em especial com conservacao de morcegos e da fauna e flora em geral.
Na verdade o que verificamos tanto em artigos cientificos ou de divulgacoes eh a palavra Possivelmente, provavelmente, geralmente… Mas faltam evidencias. Sabemos pelas pesquisas aqui no Brasil que mesmo em pequenas ou grande colonias (Agrupamentos de morcegos) apenas 1% dos animais estao infectados. Ou seja, sempre sao 01 a no maximo 10 animais… nao deve ser diferente. Talvez, o que os cientistas estejam equivocados eh na forma de transmissao. Alem disso, ha quanto tempo o Ebola esta presente neste habitat? Quantas pessoas morreram desde que o Ebola foi descoberto em 1974-75? A diferença eh que hoje morrem homens brancos devido a globalizacao e expansao urbana e que causa medo.. como ja foi com a AIDS. Portanto, ainda sao suposicoes e temos que cuidar para não comprometer a economia e mesmo a saude dos paises que tem essa doença e que na verdade compromete as especies de morcegos que tambem sao beneficas… dispersam sementes, polinizam especies de interesse economico em especial na exportacao de frutos exoticos e no consumo de especies de invertebrados que podem ser vetores de doencas.
Susi, concordo com você. Uma coisa que o Leendertz menciona no artigo dele é que a evidência do contágio de morcegos por ebola não significa que se deva promover o extermínio desses animais. Tentativa de aniquilar populações de morcegos segundo ele, muitas vezes acabam tendo o efeito contrário, porque uma mortandade em massa desses animais promove a transmissão de patógenos para outras espécies. Agora, a evidência de que os morcegos africanos são o reservatório natural do ebola já não é mais uma mera suposição. Existem muitas evidências apontando para isso na literatura recente.
Eaí Rafael! bem antes queria te parabenizar pela matéria! gostaria de agregar um comentário a sua reportagem, uma das grandes causas dessa contaminação e que na cultura desses africanos eles possuem esse hábito de caça… !
Por isso que o índice de contagio segue de maior tensão no continente africano!!
Acho que os animais (morcegos) não tem culpa, mas não é a toa que nas escrituras bíblicas, aparece que alguns animais devem ser evitados por nós, já que são impuros. Acho que o melhor a fazer seria os africanos pararem de comer esses animais. Alguns povos da África são muito carentes e comem de tudo porque têm fome, mas uma ajuda de outros países com alimentos mais saudáveis seria bom.
Ao invés de propor o extermínio dos morcegos, que tal serem estes locais tratados com auxílio de outros países de modo que a fome não levasse os africanos a não se alimentarem com a ingestão de morcegos!
incrivel, eh ter paises jogando alimentos no lixo, e alimentando animais de estimaçao, com alimentos enlatados, enquanto seres humanos que sao nossos irmaos, passam por situaçoes dificeis. o que da para entender sobre isso,eh que se tivesse interesses politicos tanto dos estados unidos como de paises corruptos, como o nosso seria diferente, eles teriam uma ajuda humanitaria, mas por traz um interesse dos politicos e lideres politicos em algum recurso natural, para os politicos eh interessante ajudar mas com interesse.