O IPCC vai ao semiárido
17/05/14 08:01NO INÍCIO DESTA semana tive uma rápida conversa rápida com Chris Field, presidente do grupo de trabalho 2, do IPCC (painel do clima da ONU), responsável por mapear os impactos do aquecimento global. O climatologista, na ocasião, aguardava a saída de seu avião no aeroporto de Fortaleza, onde tinha ido participar do ciclo de conferências Adaptation Futures.
O evento, organizado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), discutiu como diferentes regiões do Brasil devem se preparar para a chegada da mudança climática. Na breve entrevista que concedeu por telefone, Field, diretor do Departamento de Ecologia Global da Instituição Carnegie (EUA) deixou algumas impressões sobre o que foi discutido na conferência.
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FOLHA – O sr. foi a Fortaleza num ano em que o Nordeste brasileiro foi particularmente afetado pela seca. Uma das previsões do IPCC para o local é justamente a recorrência mais frequente desse tipo de evento. Isso foi debatido conferência?
CHRIS FIELD – O encontro em Fortaleza se concentrou especificamente em adaptação, que é uma agenda muito importante. Em meus quatro dias em Fortaleza assisti a diversas apresentações, com muitos dados sobre impactos no Brasil.
Eventos de seca nesta parte do Brasil têm importância histórica. O relatório do Grupo de Trabalho 2 do IPCC dá um peso importante a encontrar maneiras de reduzir riscos, manejar riscos. A seca que vem acontecendo aqui deixa claro que já estamos nos deparando com riscos relacionados ao clima que não estão sendo bem manejados. Isso, mais do que nada, mostra o valor de se estar bem preparado para lidar com os riscos climáticos.
Quando se fala em adaptação, muita gente pensa em obras grandiosas como diques para deter o aumento do nível do mar em áreas costeiras. O que o IPCC gostaria de ver sendo feito em áreas interioranas, como o semiárido que vai sofrer com a seca, o que pode ser feito?
A maneira mais justa de responder a isso seria dizer que o IPCC gostaria de ver os especialistas locais se reunirem e tentarem descobrir quais são os impactos mais prováveis em situações específicas. Entre os tipos de opções que devem ser discutidas são conservação de água para a agricultura, uso de culturas apropriadas para recursos hídricos e quais tipos de instalações para gestão e armazenamento de água são compatíveis com o ambiente local. A principal mensagem do IPCC não é que a estratégia A, B ou C seja a melhor. Nossa mensagem é que, ao reconhecermos que existe um problema, isso deve ser um estímulo para reunir especialistas de todas as partes envolvidas num diálogo para decidir qual estratégia é a melhor em uma dada situação.
O sr. discutiu a questão da transformação da Amazônia em savana no encontro? O último relatório do IPCC apresenta essa questão como algo que ainda não se tem muita certeza sobre se vai ocorrer ou não.
Foram apresentados alguns estudos sobre florestas e sobre a Amazônia, mas eu infelizmente não pude ficar para acompanhar todos. Não sei se há grandes novos insights sobre o assunto, isso continua a ser uma das preocupações centrais numa escala que envolve todo o sistema terrestre.
Após a queda do desmatamento no Brasil nos últimos anos, nossa maior fonte de emissão deixou de ser o corte de árvores. Hoje as atividades de agropecuária em si são os maiores emissores. Quais mudanças precisam ocorrer na agricultura diante do aquecimento global?
É importante distinguir entre medidas de adaptação, que permitam agricultores e pecuaristas se saírem o melhor possível diante das condições climáticas, e medidas de mitigação, medidas para reduzir a quantidade de mudança climática que ocorre.
Entre as medidas de adaptação que discutimos estão mudanças em tipos de cultura e em revezamento de culturas. Já quando se fala em reduzir a emissão de gases do efeito estufa, algumas das medidas mais eficazes são mudanças no manejo de fertilizantes. Alguns dos gases-estufa mais potentes têm como origem a fertilização excessiva. Então, com mais cuidado com o momento, a quantidade e a posição em que é usado o fertilizante, é possível adotar meios efetivos de minimizar a emissão de gases-estufa na agricultura.
Outro assunto importante é o corte raso de florestas. É preciso comentar que o Brasil teve um sucesso incrível em reduzir a perda de floresta nos últimos anos, ainda que com cautela, pois essa tendência parece ter cessado ou se revertido recentemente.
Muito do investimento em adaptação precisa ser feito em países em desenvolvimento, e países ainda debatem como arranjar uma maneira de fazer as nações industrializadas fornecerem esse dinheiro. O sr. acredita que estamos mais perto de tornar isso realidade?
Essa questão é importante e difícil. Minha sensação é a de que, no relatório do IPCC, identificamos muitas maneiras de investir em adaptação que têm baixo custo e trazem benefício de curto prazo, e precisamos aproveitar o máximo possível dessas oportunidades. Mas, ao fim, restarão outras medidas que não são tão baratas e podem requerer cooperação internacional. Eu gostaria de lhe dizer algo sobre perspectivas de sucesso em cooperação internacional, mas simplesmente não conheço nenhuma.