Quando o calor mata
05/04/14 08:00O novo relatório do grupo de trabalho 2 do IPCC (painel do clima da ONU) está pronto, e confirma que, de modo geral, o aquecimento global será uma coisa bem ruim para praticamente todo o planeta.
Um aspecto importante do documento é que ele é cuidadoso o suficiente para avaliar os dois lados da questão, em cada um dos aspectos. Há casos como o dos impactos na agricultura, por exemplo, em que foi preciso pesar prós e contras. Alguns tipos de plantação terão vantagens de curto e médio prazo com o aquecimento global. Ainda assim, a maiora dos cultivares será impactado negativamente.
No capítulo do relatório que fala sobre os impactos à saúde humana, o trabalho feito foi o mesmo. E os resultados também apontam para pouquíssimos benefícios, e muitas coisas prejudiciais. Como de costume, alguns estudos recentes acabaram ficando de fora do escopo do relatório, que considera literatura científica publicada apenas até certa data. E de estudos ainda não compilados pelo IPCC já surge um interessante ponto de virada no conhecimento.
Acreditava-se que uma das poucas coisas boas que o aquecimento global poderia trazer para o mundo é a redução das mortes por frio, em geral mais numerosas que as mortes por calor nos países temperados.
Tome-se com exemplo um estudo do sanitarista Shakoor Hajat, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, publicado em fevereiro (que infelizmente ficou de fora do relatório do IPCC deste ano). Estudando um banco de dados sobre óbitos na Inglaterra e em Gales, o pesquisador se deparou com um linha de base de 41.000 mortes por problemas relacionados ao frio (de doenças respiratórias a hipotermia) enquanto os problemas exacerbados pelo excesso de calor (de hipertensão a febres altas) estavam ligados a apenas 2.000 mortes anuais.
Diante desse cenário, parece desejável um deslocamento da faixa de temperaturas em relação a um maior calor. Mas uma projeção de Hajat usando dados do IPCC mostra que as consequências não são tão óbvias assim.
À medida que a temperatura média da Terra sobe, a Inglaterra tende a receber sua cota de calor na forma de alguns poucos dias extremamente quentes, em vez de uma elevação mais homogênea da temperatura ao longo do ano. E os dias muito frios, por outro lado, não serão necessariamente serão menos numerosos.
Hajat, então, projetou o que deve acontecer dentro de um cenário de mudança climática e concluiu que, enquanto as mortes ligadas ao frio teriam uma diminuição de 2%, as mortes por causas ligadas ao frio teriam elevação de 257%. Façamos a conta: estaríamos salvando 820 pessoas para deixar outras 7.140 morrerem.
Isso é a notícia mais otimista sobre esse tema.
A pessimista é que em países tropicais, onde pouca gente morre de frio, o saldo dessa conta será provavelmente muito pior. Ninguém sabe porém, qual é a dimensão desse impacto, porque as séries históricas sobre dados não são tão completas quanto os registros britânicos usados no estudo de Hajat.
O novo relatório do grupo 2 do IPCC reconhece que pode haver um enorme risco embutido aí, além de todos os outros problemas sanitários trazidos com o aquecimento global, como o espalhamento de doenças transmitidas por mosquitos.
No Brasil, o grupo do patologista Paulo Saldiva, da USP, que se juntou às meteorologistas Samya de Araújo Pinheiro e MIcheline Coelho, tem se interessado por questões como essa, mas ainda não teve como produzir uma projeção similar à dos britânicos, que contam com um corpo de dados bem melhor em seu país. De qualquer forma, talvez os dados do Serviço de Verificação de Óbitos de São Paulo possam trazer algum insight sobre a consequência da onda de calor em janeiro e fevereiro de 2014. Pelo que Micheline e Samya me disseram, porém, esse deve ser um tópico de alto interesse nos próximos anos.
Outro problema apontado pelo IPCC é o do envelhecimento da população mundial, que terá uma porcentagem muito maior de idosos à medida que países mais pobres estão se desenvolvendo. Pessoas mais velhas são particularmente mais vulneráveis a ondas de calor, e aqueles com problemas respiratórios ou hipertensão podem ter um pico de estresse fisiológico que marque a diferença entre a vida ou a morte em determinado dia. É conhecido o impacto do calor extremo na probablidade de infartos entre hipertensos, por exemplo.
Samya e Micheline atentam para a importância de acesso a medidas de “adaptação”, o termo adotado pelo IPCC, que neste caso significaria, por exemplo, aparelhos de ar-condicionado. Nem toda a parcela da população tem condições em investir nesse tipo de equipamento. Será que populações mais pobres, além de serem aquelas que mais se concentram em áreas de risco por eventos climáticos extremos, como enchentes, também são mais vulneráveis ao impacto fisiológico pelo calor?
As mortes por estresse térmico, enfim, são um tema importante para o qual o IPCC ainda não traz respostas definitivas, mas já realça questões importantes.
é urgente cada pais tem que fazer sua parte não pode esperar mais tem que sair do papel para a são ja urgente.
Parabéns pelo artigo.Tomara que as autoridades percebam certos cuidados que terão que tomar.
Mas sou um descrente quanto ao nível intelectual e de preocupação com o futuro por parte dos nossos gestores.
Aqui se pensa (e ainda demora)em por tranca depois da porta arrombada.E ainda fazem infindáveis reuniões para discutir qual melhor tipo de tranca e em que altura da porta ela será instalada.
Este é o Brasil de agora.
De qualquer forma, parabéns pelo alerta.
Tenho a impressão de que a relação Aquecimento Global x Impactos no Meio Ambiente é vista, erroneamente, de forma linear: um aumento de tantos graus na temperatura média anual da Terra terá um impacto tal sobre o meio ambiente.
Entendo se tratar de um correlação exponencial das variáveis: um aumento de tantos graus na temperatura média anual da Terra desencadeará uma REAÇÃO EM CADEIA no meio ambiente.
Exemplo: com derretimento do Ártico, será liberado uma gigantesca quantidade de gás metano aprisionado no gelo, que por sua vez contribuirá fortemente para o aumento ainda maior do Aquecimento Global, pois o metano – se não me falha a memória – é 20 vezes mais prejudicial ao meio ambiente do que o gás carbônico. Estima-se um estrago econômico maior do que a soma dos dez maiores PIB’s mundiais.
No entanto, o Aquecimento Global funcionará como um mecanismo de SELEÇÃO ARTIFICIAL dos mais aptos. A natureza fará com que, de uma forma ou de outra, por bem ou por mal, o homem entre em harmonia com seu meio. É insustentável o “status quo” no qual nos encontramos, onde é necessário um planeta Terra e meio para o atendimento da demanda mundial – segundo a “pegada ecológica.”
Acredito que só será dada a devida importância para o tema quando o Aquecimento Global for o principal responsável pelos prejuízos econômicos anuais e mundiais assim como também pelo número de mortes anuais e mundiais.
Perspectiva de longo prazo para o Brasil é uma das piores, pois a base do nosso PIB é a agricultura, não o capital intelectual do nosso povo.
endo como parâmetro a pegada ecológica, nosso planeta tem condições de manter de forma sustentável somente 4,6 bilhões de pessoas.
O Aquecimento Global provocado pelo homem ja foi mais do que comprovado. Sugiram que assistam as aulas do professor Carlos Henrique de Brito explica como funciona o efeito estufa e suas consequências , no canal do Youtube da Vunesp. O que vem acontecendo é que uma pequena parcela de negacionistas esta sendo financiados pelas empresas e países produtores de petróleo, para a duvida manter os governos na inação contra o Aquecimento Global .Pois a solução é investir em fontes renováveis de energia
Tem algo errado com este parágrafo ?
“Hajat, então, projetou o que deve acontecer dentro de um cenário de mudança climática e concluiu que, enquanto as mortes ligadas ao frio teriam uma diminuição de 2%, as mortes por causas ligadas ao frio teriam elevação de 257%. ”
????????
Por outro lado, seria bom ler o que o próprio Hajat escrevem neste trabalho:
Global Warming May Reduce the Risk of Heart Attacks in the United Kingdom
Reference
Bhaskaran, K., Hajat, S., Haines, A., Herrett, E. Wilkinson, P., and Smeeth, L. 2010. Short term effects of temperature on risk of myocardial infarction in England and Wales: time series regression analysis of the Myocardial Ischaemia National Audit Project (MINAP) registry. British Medical Journal 341: c3823 doi: 10.1136/bmj.
Bhaskaran et al. (2010) explored the short term relationship between ambient temperature and risk of heart attacks (myocardial infarction) in England and Wales. This they did by analyzing daily time series data from 15 metropolitan areas in England and Wales. The data covered 84,010 hospital admissions from 2003-06. Based on their analysis, the following was learned:
1. There was a broadly linear relation between temperature and heart attacks, which was well characterized by log-linear models without a temperature threshold.
2. Each 1°C reduction in daily mean temperature was associated with a 2.0% cumulative increase in risk of myocardial infarction over the current and following 28 days.
3. Heat had no detrimental effect as an increased risk of myocardial infarction at higher temperatures was not detected.
4. Adults aged 75-84 and those with previous coronary heart disease seemed more vulnerable to the effects of cold than other age groups (P for interaction 0.001 or less in each case), whereas those taking aspirin were less vulnerable (P for interaction 0.007).
Given such findings, it can be concluded that a little global warming may reduce myocardial infarction (heart attacks) in the United Kingdom. Therefore, gobal warming abatement policies could be counterproductive with regard to heart attacks, particularly in colder climates.
http://www.nipccreport.org/articles/2011/mar/29mar2011a4.html
O sonho dos aposentados que trabalharam a vida toda no norte dos EUA é ir para a … Flórida. No Brasil, muita gente que mora no sul sonha em ir para o RJ ou BA ou nordeste quando se aposentar. Enfim, nunca vi ninguém fazendo ou desejando o caminho contrário.
Sds
Viktor