O guardião do Museu Britânico
25/01/14 07:00ALGUNS DIAS ATRÁS, escrevi uma pequena resenha sobre “A História do Mundo em 100 Objetos”, do diretor do Museu Britânico, Neil MacGregor. É um bom livro, mas um pouco torturante de ler (e ver) para quem não mora em Londres. Apreciadores de arqueologia que só têm a oportunidade de visitar o museu uma ou duas vezes na vida se dão conta de que é preciso uma outra vida para ver tudo o que há de interessante lá.
MacGregor assumiu a direção da instituição em 2002. Naquele ano, estava no auge a campanha de governos de países que questionavam a posse britânica de alguns objetos. Os casos mais famosos são o da Pedra de Roseta e das esculturas do Partenon, retiradas de suas locações em contexto de guerra e nunca retornada. O recém empossado diretor do museu, porém, foi categórico ao negar os pedidos e manter a posição de que as peças eram “patrimônio global”.
Por razões legítimas ou não, a polêmica sobre quem deve deter esses objetos arrefeceu após a crise econômica da Grécia e a crise política do Egito. Foi com a poeira assentada que MacGregor e a BBC produziram uma série de programas de rádio em 2010, o trabalho que deu origem ao livro que sai agora em português.
Em entrevista à Folha, por e-mail, o historiador fala sobre como surgiu a ideia de narrar a trajetória de nossa espécie usando apenas cem objetos e defende o status do Museu Britânico como guardião da história da humanidade.
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Folha – De onde surgiu a ideia de contar a história do mundo usando 100 objetos num programa de rádio? O livro já estava nos planos quando o programa foi ao ar?
Neil MacGregor – A série foi resultado de conversas com a BBC, elaborada conjuntamente. Começamos discutindo quantos objetos seriam necessários para contar a história mundial e chegamos a um acordo de que eram cem.
Foi difícil chegar a um acordo? Quantas pessoas no museu e na BBC se envolveram no projeto?
O projeto foi o trabalho de um grande número de pessoas, mas a lista em si foi desenvolvida por mim e por um pequeno número de curadores no museu. Nós poderíamos debater por muitos anos sobre o que incluir e o que deixar de fora, mas o cronograma da série nos obrigou a tomar decisões muito rápido.
O sr. chegou a receber cartas de pessoas reclamando da ausência de algum objeto na lista? Particularmente, senti falta de algo que pudesse ser diretamente relacionado à Segunda Guerra Mundial.
A série e o livro foram deliberadamente propostos como “uma” história, e não “a” história do mundo, já dando a entender que era uma escolha subjetiva. Seria possível selecionar um conjunto de cem objetos totalmente diferente e contar uma história totalmente diferente. Ouvintes e leitores, claro, tinham suas próprias opiniões sobre o que incluir, e nós encorajamos o público a enviar suas sugestões por meio do site da série.
Mas a intenção ao longo do projeto era contar uma história que representasse o mundo todo, sem um foco estreito na Europa, desde os tempos primordiais até hoje. Ao representar todo século 20 em cinco objetos, tivemos de ser bastante seletivos.
O sr. têm uma noção precisa de quantos itens o museu possui?
A coleção do museu possui cerca de 8 milhões de objetos, mas isso inclui muitos itens que formam parte da coleção de estudos –milhões de fragmentos arqueológicos, pedras lascadas e cacos de cerâmica, por exemplo–, que é de interesse vital para estudantes e acadêmicos.
Para o projeto, nós precisávamos encontrar um número de objetos que nos permitisse cobrir uma faixa de tempo muito longa, mas que também fosse compreensível para ouvintes e leitores. Precisávamos encontrar um número de itens grande o bastante para cobrir toda a história humana, mas não tão grande a ponto de ser intimidante. Acreditamos que cem era o número correto.
A lista de cem objetos pode formar um excelente roteiro para pessoas que visitam o museu pela primeira vez e têm apenas algumas horas. Vocês publicaram algum material para ajudar os visitantes a localizar esses objetos na coleção?
Durante a veiculação da série de programas de rádio, desenvolvemos uma versão do mapa do museu que destacava a localização dos objetos. Como alguns dos objetos são sensíveis à luz, não foi possível mantê-los todos em exposição pública desde então. Mas ainda é possível ver cerca de 60 desses objetos da seleção original em exibição nas galerias permanentes. E todos os objetos ainda podem ser vistos online.
Alguns dos objetos selecionados para o livro são peças cuja posse é reivindicada pelos governos dos países onde foram achadas. Os exemplos mais famosos são a pedra de Roseta, retirada do Egito, e as esculturas do friso Partenon, da Grécia. Há outros objetos da lista tendo sua posse reivindicada?
Eu acredito que a série e o livro mostram o enorme valor da existência de uma coleção global que esteja em exposição gratuita para o mundo todo no Museu Britânico. É por causa dessa coleção que podemos contar a história mundial de 2 milhões de anos atrás até hoje. É uma coleção única, que nos permite comparar e contrastar culturas para entender o passado, o presente e nosso lugar no tempo.
O museu está expondo os objetos mais recentes mencionados no livro, como o cartão de crédito e a lanterna movida a energia solar? Os visitantes não estranham encontrar um cartão de crédito exposto dentro de uma redoma de vidro no meio das outras peças do museu?
Nós estávamos expondo os objetos mais recentes durante a veiculação dos programas. Visitantes acolhiam bem os objetos modernos misturados a outros mais antigos. Para que o Museu Britânico seja uma coleção dinâmica, é importante que ele represente tanto o mundo contemporâneo quanto o mundo antigo.
Visitei algumas vezes o Museu Britânico. É maravilhoso, mas acho que os ingleses deveriam devolver o que foi “emprestado” de dezenas de povos.