O arqueólogo que engoliu um musaranho
12/09/13 20:30EM 1995, O ESTUDANTE de arqueologia Brian Crandall e seu professor Peter Stahl, da Universidade do Estado de Nova York, realizaram um experimento no qual um deles engoliu um musaranho. A culinária envolvida no trabalho não foi muito sofisticada: o animal teve apenas a pele e as visceras retirados e foi servido parcialmente fervido, quase cru. O grande desafio era engolir o roedor insetívoro inteiro sem mastigar.
A dupla não revela quem ingeriu o pequeno mamífero. O que sabemos é que, nos três dias seguintes, o indivíduo teve todas as suas fezes coletadas. O material foi então dissolvido em água quente, peneirado e examinado com lente e microscópio. Os cientistas puderam constatar quanto uma simples digestão sem mastigação foi capaz de aniquilar vários ossos do animal. Quase todas as vértebras do bicho foram dissolvidas, bem como um pedaço da mandíbula, quatro dentes molares e outros ossos resistentes.
Em entrevista à Folha, Crandall, que compartilhou com Stahl o Prêmio Ig Nobel de Arqueologia deste ano, fala um pouco sobre sua experiência.
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FOLHA – De onde saiu a ideia para o experimento? O que você estava fazendo na época?
BRIAN CRANDALL – Eu era graduando, Peter Stahl era meu professor, e esse projeto era meu trabalho de conclusão de curso. Eu achava que aquilo teria implicações para a comunidade arqueólogica e resolvi que queria publicar um estudo para as pessoas terem acesso aos meus dados. Peter me ajudou com isso.
Quais eram essas implicações?
O que fizemos foi, basicamente, arqueologia experimental. Ossos de pequenos mamíferos são achados em todo o mundo quando sitios arqueologicos são escavados, e os arqueólogos sempre discutem sobre se esses animais são parte de uma dieta humana ou não.
Nós temos esse viés cultural que nos impede de acreditar que as pessoas comem camundongos, mas há pessoas comendo esses animais pelo mundo todo. Então, como você interpreta o material escavado do chão? Como você distingue se esses animais simplesmente viveram no mesmo local que os humanos, mas sem ter algo a ver com eles, ou se eles eram fonte de alimento?
Qual de vocês dois engoliu o musaranho?
Não revelamos isso no estudo. Não acho que seja tão importante. Deveríamos dar mais crédito à pessoa que teve de mexer no cocô. Isso merece muito mais reconhecimento.
Vocês vão manter o mistério, então?
Sim. Achamos mais divertido assim.
Peter me contou que foi você quem conduziu a análise fecal. Foi muito penoso?
Definitivamente, não é algo que eu gostaria de fazer todo dia . É terrível, uma das coisas mais nojentas que tive de fazer na vida. Mas naquela hora tudo tinha um componente de diversão meio doentio, porque ninguém jamais toparia fazer aquilo.
A ciência produzida valeu a pena? Seus dados foram aproveitados depois?
O estudo já foi citado quase cinquenta vezes, vinte das quais nos últimos três anos. Então, as pessoas estão usando os dados, sim. E desde que o estudo foi publicado, que eu saiba, só uma pessoa reproduziu o experimento, mas com ossos de peixe. Nosso trabalho, então, ainda é bastante especial.
Esse tipo experimental de arqueologia é muito praticado?
A arqueologia experimental é praticada há décadas, mas as pessoas não costumam fazer o tipo de coisa que nós fizemos. Em geral, arqueólogos experimentais fazem trabalhos como recriar ferramentas de pedra, casas e roupas com tecnologias arcaicas para tentar entender como elas funcionavam.
Você ainda trabalha com arqueologia?
Não, eu não trabalho mais num ambiente universitário. Sou diretor de uma empresa de educação científica. Algumas escolas nos contratam para fazer apresentações científicas empolgantes com o objetivo de fazer com que as crianças se interessem por ciência antes de se aborrecerem e desistirem. O que faço agora é ensinar todas as áreas da ciência de um jeito louco e dramático, como um cientista maluco.
Você se exibe para as crianças engolindo musaranhos?
Não. Na verdade eu os uso para alimentar as crianças. É mais divertido. Por que eu faria isso agora se posso pedir às crianças?
(Risos)
É piada. Claro que não faço isso.
Gostaria de deixar alguma mensagem para nossos leitores?
Sim. Eu sempre tive o desejo de dar continuidade ao estudo. Se houver algum voluntário no Brasil que queira engolir um pequeno mamífero, por favor me avise.
Ciência com bastante humor e descontração. Coisas como essas me resgatam esperança pela humanidade.