Se a ciência fosse uma galáxia...
26/08/13 08:01SE CADA PESQUISA científica fosse uma estrela, como seria a galáxia da ciência? Essa pergunta pode parecer meio sem propósito, mas um estudo que usou exatamente essa lógica acaba de produzir um mapa extremamente interessante, que permite visualizar o jogo de influências nas ciências naturais.
Na imagem acima, o mapa do projeto Paperscape, cada ponto representa um artigo científico publicado no ArXiv, o maior repositório do planeta para artigos científicos preliminares. Com 867 mil artigos hoje, essa base de dados é hoje a principal via de comunicação para a matemática, a física, a astronomia, a ciência da computação e outras áreas das exatas.
De modo diferente daquele que ainda é praxe nas ciências biológicas, a maioria dos físicos hoje divulga os resultados de seus estudos assim que os obtém, sem passar por revisão independente, postando-os no ArXiv. Só depois de os artigos serem discutidos é que são submetidos para publicação formal em periódicos científicos.
Isso torna a física e a astronomia muito mais dinâmicas que a biologia hoje, mas resulta também num cenário mais caótico. Nas publicações científicas “oficiais” tudo é monitorado por organizações que indexam os estudos, mostrando quais trabalhos citam quais. Isso permite a alguém ter uma noção melhor de quão influente é um estudo e quem ele está influenciando. Na cacofonia do ArXiv, porém, encontrar produção científica relevante requer grande expertise em cada área, pois tudo lá dentro ocorre, de certa forma, à margem da ciência oficial.
É aí que entra a ideia de Damien George e Rob Knegjens, criadores do Paperscape. A dupla encontrou uma maneira eficaz e elegante de fazer isso, criando um aplicativo que consulta o banco de dados do ArXiv a todo momento, e cria automaticamente o mapa acima. Ele é uma representação gráfica do cenário acadêmico nas áreas cobertas pelo site.
Na imagem, cada pequeno círculo representa um estudo (é possível dar um zoom para explorar áreas específicas, e clicar no círculo abre um link para o estudo). Quanto maior o círculo, mais citações o estudo recebeu. Quanto mais brilhante, mais recente é o trabalho. As diferentes cores representam diferentes áreas específicas: astrofísica (rosa) , física de altas energias teórica (azul), física experimental (verde), etc. O posicionamento dos círculos é calculado com base em citações. Quando um estudo cita o outro, ambos se aproximam um pouco. Se dois estudos citam um terceiro em comum, aproximam-se ainda mais.
O resultado é um panorama de conexão bem interessante. Entendendo a lógica do mapa, é possível ver, por exemplo, o turbilhão de interdisciplinaridade entre a astrofísica e a física de partículas, que interagem para tentar criar uma teoria física capaz de abarcar ao mesmo tempo os mundos macroscópico e microscópico. Esse é o maior desafio da física hoje, e fica claro ao se olhar para o mapa.
Olhando para cada macro região é possível ver os trabalhos mais influentes. Na área da astrofísica/cosmologia, os dados da sonda WMAP (que mediu a idade do universo) e a descoberta da energia escura, dominam a paisagem. Em áreas mais interdisciplinares, se destacam estudos com teorias mais especulativas, como o trabalho da física teórica Lisa Randall que prevê a existência de dimensões espaciais extras.
Já matemática, por exemplo, existe como uma nuvem difusa a sudoeste do mapa geral. Alguns trabalhos que desenvolveram ferramentas importantes migraram para dentro de regiões da física onde são altamente citados.
O mapa do Paperscape, de certa forma, lembra uma galáxia de verdade. Estudos que citam muito uns aos outros ganham mais “massa” e se aproximam mais uns dos outros, como se tivessem gravidade. E áreas da ciência nas quais pesquisadores trabalham mais isolados viram nuvens rarefeitas como a da matemática. No algoritmo que rege as regras do projeto existe até mesmo uma espécie de “energia escura”, uma força tênue que permeia tudo e age como uma “anti-gravidade”.
O ArXiv não mapeia a totalidade de artigos em suas áreas de ciência, porém, pois alguns artigos importantes não são submetidos ao site, e outros acabam sendo retirados. Mas o cenário que se pode observar é bem representativo. Para quem se interessa por ciência, observar os padrões de distribuição no mapa do Paperscape é tão divertido quanto olhar para detalhes de uma galáxia de verdade. Fico imaginando como seria o mapa com a biologia, a química e outras ciências com pouca presença no ArXiv se encaixando nesse panorama.
Acredito que esse layout já existe em outros tipos de programas como o buscador Kartoo.
É bem interessante, mas não caiu no gosto comum até hoje. Espero que pelo menos no mundo científico, isso aconteça.
Revisar ” …os mundos macroscópico e macroscópico. “
Obrigado pela leitura atenta, Diogo. Já está corrigido.
È realmente muito bonitinho, mas apenas uma curiosidade. Não deve ser levado muito a sério, pois além da limitação comentada, que apresenta apenas artigos do ArXiv – fração do total de artigos científicos e nem mesmo uma seleção real dos mais importantes – também registra o impacto do artigo no ArXiv. Ora, quase todos os artigos sãio depois publicados em revistas e ganham nova referência, que não está sendo levada em conta. Pior, a posição de um artigo na imagem não é muito confiável. Fiz alguns testes e pude verificar que alguns artigos, entre os que pesquisei, estão em posições que não tem nenhum sentido com o assunto tratado neles. Vale a imagem.
Carlos, todas as suas críticas fazem sentido, mas, que eu saiba, não tem ninguém que tenha feito um mapeamento tão legal usando dados do ISI ou de outros índices de papers publicados. Se a Thomson Reuters fizesse isso com o banco de dados deles seria ótimo, mas eles não fazem.
É claro que nenhum cientista vive só de publicar no ArXiv; os estudos têm de passar por peer review. Mas observar a dinâmica das coisas no ArXiv é fundamental para quem quer entender a rede de influência na física, astronomia e outras áreas.
Quanto aos artigos estarem fora de lugar, é verdade. Mas isso acontece mais com artigos menos influentes, pouco citados. É bem interessante olhar no paperscape as posições dos artigos mais citados.
Existe uma coisa que eu acho que não está certa. Que eu lembre o Astro-ph exige que o artigo tenha sido aceito, ao menos em nível preliminar. Não necessariamente em revistas (por exemplo capítulos de livro são aceitos). Não sei como é nas outras áreas. Mas, como pude verificar, a citação apresentada aqui parece ser apenas as do astro-ph. Quando o artigo é publicado, por exemplo numa revista, somem as citaçoes. Como isso pode ser muito rápido, em algumas revistas 3 meses, o impacto está deformado, favorecendo os de impacto muito imediato. A influência medida pode resultar apenas do local de maior contato que o pesquisador trabalha. Continuo achando interssante o trabalho, mas enxergo mal como se tira disso alguma noção sobre a as redes de influência. Pode ser uma limitação minha.
O acordo do Brasil com o ESO passou na primeira comissão, isso é diferente do que você viu para a Nature ou você tem informações do que ainda pode ocorrer?
Carlos Alberto,
Concordo com as limitações que você enxergou, claro.
O acordo do ESO passou na comissão de relações exteriores e deve ser discutido ainda nas comissões de finanças e de ciência e tecnologia. O blog da SAB está acompanhando tudo:
http://astronomiabrasileira.blogspot.com.br/2013/09/aprovado-na-credn-acordo-de-adesao-ao.html