O termômetro da violência
02/08/13 15:58QUANDO COMECEI A TRABALHAR como jornalista, na produção de noticiário policial para uma emissora de rádio, uma das minhas tarefas tediosas era ligar de hora em hora para o centro de operações da Polícia Militar. Fazia isso durante toda a madrugada, perguntando sobre novidades. Eu chegava no estúdio à meia-noite e, às vezes, no primeiro telefonema, o policial no outro lado da linha já alertava: “A noite está quente. Fica esperto porque hoje a gente vai ter trabalho.”
Não sei se há estatísticas confirmando essa teoria que já virou corolário nas ruas de São Paulo, mas, de fato, não era incomum para mim amanhecer o dia noticiando dois homicídios e uma chacina quando a noite tinha sido quente. Minha experiência com jornalismo policial, porém, ficou relegada ao milênio passado, e nunca mais parei para pensar sobre esse assunto. Até ontem.
Se a associação do calor com a taxa de violência é uma coisa tão evidente na cultura urbana, seria para nós um motivo de preocupação o fato de o planeta estar esquentando? A lógica dessa pergunta é tão banal que chega a soar estúpida à primeira vista, mas o estudo sobre o qual escrevi a reportagem para a edição de hoje do jornal diz exatamente isso. O trabalho foi liderado por Solomon Hsiang, professor de políticas públicas da Univerisdade da Califórnia em Berkeley.
Ja havia estudos relacionando o desequilíbrio no clima como combustível para guerras e grandes conflitos, pois a disputa por recursos naturais dava vez mais escassos, como água doce e terras ferteis, está se acirrando. Mas pouco se falava sobre o impacto do clima no crime urbano.
A nova pesquisa –na verdade uma meta-análise agrupando muitas outras pesquisas– citava taxas de violência em estádios nos EUA, estupros, protestos civis na África. Mas aparentemente ninguém ainda realizou um estudo sério sobre o impacto do clima no crime urbano em São Paulo ou no Rio.
Se a influência do aquecimento global na violência urbana ainda é incerta no Brasil, em áreas rurais, pelo menos, já há dados sugerindo que o clima pode alimentar conflitos.
O cientista político Daniel Hidalgo, também de Berkeley, mostrou em estudo em 2010 que a pressão da mudança climática sobre a agricultura no Brasil pode levar a crises econômicas que culminam num aumento dos conflitos por terras. Um dos mecanismos por meio dos quais isso ocorre é a exacerbação das desigualdades sociais e desigualdades regionais.
“Se o cenários de redução de precipitação no Nordeste do Brasil se concretizarem, não há dúvida de que a pressão social na região vai se agravar severamente”, diz Paulo Artaxo, climatólogo da USP. “Vai haver deslocamento de produção e o desemprego vai ser maior em algumas regiões do que em outras, porque a vulnerabilidade de cada região à mudança climática é muito diferenciada.”
Às áreas urbanas brasileiras, porém, não estão a salvo de conflitos alimentados por eventos climáticos extremos, diz o climatólogo Carlos Nobre, secretário de políticas públicas do Ministério da Ciência e Tecnologia.
“Existem alguns milhões de brasileiros vivendo em áreas de risco em áreas metropolitanas, onde corremos o risco de ver mais desastres naturais”, diz o cientista, que alerta para o impacto econômico desse problema nas áreas urbanas, deixando mais famílias na marginalidade social. “Se essas pessoas não receberem atenção dos governos, vão protestar cada vez mais.”
Tudo isso, claro, ainda é uma previsão incerta. A meta-análise de Solomon Hsiang é a primeira de uma área de estudos que é bastante controversa, ainda com muito questionamento sobre métodos de inferência estatística. Mas o fato de que todos os estudos que passaram pelo crivo de qualidade de seu trabalho apontarem para um impacto do clima na violência merece atenção, no Brasil também.
Prezado Rafael,
Se vc colocar no google “chicago murders warm nights” vc vai confirmar sua teoria de que em noites mais quentes ocorrem mais crimes. Isto, entretanto, tem a ver com o simples fato de que em noites quentes as pessoas saem de casa e em noites frias elas ficam mais em casa ou em ambientes protegidos. Nada a ver com uma possível hipótese de que o clima quente torna as pessoas violentas.
Este estudo que vc escreve sobre é muito controverso. Mesmo a BBC, que possui um viés aquecimentista inegável, não compartilha muito do estudo e apresenta a visão de outro especialista, o qual critíca a sua falta de evidência empírica, entre outras.
http://www.bbc.co.uk/news/science-environment-23538771
Acho que está mais do que comprovado pela história, que mudanças climáticas podem sim desencadear conflitos, especialmente pela disputa por recursos escassos. A mudança pode ser para o frio ou para o calor, para a seca ou para as enchentes. Estudos de civilizações passadas tem indicado isto. Aliás, nos períodos de resfriamento é que a humanidade sofre (fome, doenças, etc etc) e não nos de aquecimento. Nada a ver com mudanças climáticas causadas pelo homem. Apenas mudanças naturais do clima.
Acho que o pessoal poderia focar mais em mostrar as evidências empíricas do tal “aquecimento global antropogênico catastrófico” e menos em especulações que visam apenas manter a sociedade em pânico e em constante medo a fim de levar avante sua agenda de exploração e controle.
Sds
Viktor
Viktor,
Concordo em parte com o que você diz. Independentemente de a mudança climática existir ou não, sempre vai haver alguns dias mais quentes que outros, e nesses dias vai haver mais gente na rua, se expondo mais à violência. Mas isso não é verdade para os outros mecanismos que o estudo do Hsiang sugere, porque as mudanças climáticas afetam a economia. Isso significa, em outras palavras, menor disposição de recursos naturais, mais gente desempregada, mais desigualdade social, mais desigualdade regional, etc. Isso tudo está previsto em documentos como o relatório Stern. Então, mesmo que a violência numa única noite quente seja uma evidência circunstâncial, o uso de dados mais abrangentes, que foram incluídos no estudo, permitem tirar conclusões mais sólidas.
Note que os autores do estudo também foram super cuidadosos com o que podem tirar de inferências. Eles não estão dizendo que a violência vai aumentar, apenas que isso é o que vai ocorrer se aquilo que o ocorreu até agora se repetir. Isso é a base da ciência indutiva, e as conclusões dele estão longe de ser a palavra final no assunto. Mas discordo um pouco dos cientistas que estão criticando o rigor metodológico da meta-análise dele. O cara triou mais de mil estudos, usou um critério objetivo para eliminar os que pareciam ter algum viés, e dos 60 que sobrararam, ele obteve os dados brutos e reprocessou tudo com a abordagem estatística dele mesmo. Todos os estudos, surpreendentemente, corroboram com a tese. Talvez a quantificação das projeções não seja precisa, e dizer que 1°C sobe o número de eventos violentos em 14% seja um exagero. Supomos que sejam apenas 7%, ou 3,5%. Ainda assim é um impacto de ordem de grandeza significativa em termos globais.
O estudo, além disso, passou pelo crivo da “Science”, que costuma ser uma revista bem rigorosa. Certamente foi forçado a baixar tom, a julgar pelos comentários dos especialistas na seção de notícias, que já estava pronta quando o estudo foi divulgado. Então, descontados, todos os poréns, acho que o autor conseguiu, no mínimo, mostrar que esse é um assunto que merece mais atenção. O estudo da “Science” agora vai ser objeto de análise minuciosa, porque há muitos críticos por aí, e a menos que haja prova de que houve fraude ou algo assim. Acho difícil que a tese não se sustente.
Agora, se você está preocupado com as evidências do aquecimento global antropogênico, não perca tempo. Essas evidências são acachapantes e já são consenso na comunidade acadêmica. A mudança climática vai vir, sim, e provavelmente vai dar um baita prejuízo para o planeta, com ou sem ajuda da violência humana.
Rafael,
Entre os críticos, está (até) o Der Spiegel que considera o estudo “falho” e “exagerado”. Se até o Hans Von Storch não engoliu o tal estudo, então o mundo pode terminar amanhã…
http://notrickszone.com/2013/08/02/hsiang-et-al-humiliated-top-experts-deem-paper-claiming-that-warming-leads-to-conflict-flawed-and-exaggerated/?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter
E tem este também:
http://wattsupwiththat.com/2013/08/02/about-that-warmer-temperatures-increase-violence-claim/
Pobre humanidade, sujeita a este tipo de “ciência”.
Vc acha mesmo que esta tese se sustentará ? A não ser que seja no maravilhoso mundo dos modelos. Parece que no mundo real, está difícil.
Sds
Viktor
Rafael,
É inegável que um ambiente de crise econômica global, do jeito como que as coisas estão “amarradas” hoje, poderia causar disturbios sociais generalizados. Mas a globalização é um “fenômeno” recente. É provável que não existam casos suficientes para a generalização. E, é claro, não podemos confundir clima com tempo. Mas o tempo faz o clima. O grande problema da humanidade, capaz de desencadear uma crise grave, seria a fome (por escassez) ou a falta de acesso à alimentação (por razão econômica). Mas, ano após ano são batidos recordes de produção de alimentos. Já a água será um problema apenas se não cuidarmos dela. Alimentação e água são os verdadeiros problemas. Mas há evidências contundentes que o aquecimento global de cerca de 0,8C nos últimos 150 anos (que deve-se provavelmente à recuperação da LIA) esteja causando fome ou sede ?
A existência de críticos por aí é a suprema coroação de um processo de escrutínio público e saudável, que deve haver sempre e cada vez mais. Por que deve o cidadão depositar sua vida e sua existência nas mãos de uma classe, seja ela os cientistas, políticos, burocratas não eleitos, ongueiros internacionais ou grandes corporações que lucram com a histeria climática ?
Sobre a mudança climática vir, eu não tenho dúvidas. É a norma desde que o planeta existe. E certamente não será um prejuízo para o planeta, mas sim para a sociedade humana. Porém ainda continuo esperando as tais evidências acachapantes (e críveis) de que o homem esteja causando “a” mudança climática. Rafael, por favor, o consenso (ad populum) não. Política é dirigida por “consensos”. A ciência não é.
Sds
Viktor
Interessante. O professor Mendonça, da UFPR, já escreveu um livro a respeito:
http://www.levilivros.com.br/livro/clima-e-criminalidade/8573350717/ME2609.html?origem=buscape&utm_source=buscape&utm_medium=buscape&utm_campaign=buscape
Uma coisa são as mudanças geopolíticas que alterações ambientais podem trazer (parece obvio supor que disponibilidade de recursos naturais, desde sempre, gera guerras e distúrbios sociais vários). Outra coisa é a influência que a temperatura ambiente tem sobre o comportamento humano (parece também razoável supor que há relação entre clima e psique).
Estimativas que se arriscam a quantificar isso, porém, mais soam como profecias correlacionais. Daqui a pouco já aparece algum outro maluco querendo “modelar” esses dados para tentar delinear “tendências” futuras, rs. Seja como for, acho saudável lembrar: Hsiang não está a inventar a roda. Tem por aí literatura bastante sobre o assunto.
Dúvida aleatória: é razoável supor que, se a temperatura aumentar, aumentará também a disponibilidade ‘absoluta’ de áreas agricultáveis? Isso teria implicações geopolíticas bem sinistras. Ou não. Já ouvi alguns debates acerca do assunto. Mas, até onde lembro, tudo orbitava em torno de especulações (como muita coisa nas ciências climáticas). Se alguém aí tiver informações adicionais, a casa agradece.