Reflexões sobre a monogamia
30/07/13 18:06NA REPORTAGEM DE HOJE sobre a evolução da monogamia, falei pouco sobre um aspecto desse assunto que costuma atrair bastante interesse. A natureza humana é ou não é monogâmica? A explicação de como e por que outras espécies exibem laços fortes entre casais ainda é incerta, mas remete em alguma medida a um debate ético.
Consideremos a tese do biólogo Christopher Opie. Sua hipótese é a de que espécies de mamíferos que outrora eram poligâmicas tornaram-se monogâmicas porque os machos passaram a ter de proteger filhotes do infanticídio. Talvez isso seja um problema grave para um suricato, mas entre humanos a prevalência de infanticídio já não é tão intensa. Isso significa que o abandono de crianças e a poligamia seja biologicamente perdoável?
“Não acho que a maneira com que a monogamia evoluiu seja uma lição sobre como devemos viver nossas vida agora”, me disse Opie. “Mas, apesar de a monogamia ter começado a surgir entre primatas há relativamente pouco tempo [16 milhões de anos atrás], ela parece ser um sistema estável. Uma vez que uma espécie a adota, dificilmente voltará a ser poligâmica.”
O estudo da dupla rival de Opie –Tim Clutton-Block e Dieter Lukas– enxerga outra hipótese. A monogamia é adotada por machos de uma espécie quando “falta mulher no pedaço”. Em espécies de animais nas quais fêmeas se distribuem muito espaçadamente, é custoso para um macho abandonar uma parceira para ir buscar outra. Numa metrópole com alta concentração de fêmeas humanas, então, a poligamia é biologicamente perdoável?
“Devemos ter cautela ao extrapolar a partir disso para qualquer declaração definitiva sobre a evolução dos sistemas humanos de acasalamento”, disse Clutton-Block em entrevista coletiva. “Mas estou longe de estar convencido de que humanos sejam realmente monógamos. (…) A condição ancestral para humanos é provavelmente a poligamia, e isso não chega a ser grande surpresa, porque outros grandes macacos também são polígamos.”
Foi interessante para mim, portanto, enxergar que existe um debate antropológico sobre moral escondido por trás desses estudos evolutivos. Mas concordo com a opinião de Opie de que a história da evolução, seja ela qual for, não precisa definir nossas opções culturais.
Por fim, antes que os criacionistas apareçam para semear confusão sobre o debate, sugiro que deixem para lá. Para quem optou por interpretar ao pé da letra e seguir à risca os dogmas de livros sagrados que pregam a prática da monogamia, debater implicações morais da evolução é perda de tempo.
“Mas concordo com a opinião de Opie de que a história da evolução, seja ela qual for, não precisa definir nossas opções culturais.”
Sim. David Hume já disse isso. Não é porque algo se manifesta naturalmente (ou comumente), que este deva ser entendido como necessário ou correto. Nós aliás, humanos, mostramos isso a todo momento.
Acredito que o ser humano (homem-mulher) sejam poligâmicos em sua natureza dadas as características físicas e biológicas semelhantes aos nossos primos ancestrais. A monogamia e a poligamia no contexto social em que vivemos é uma questão cultural. Veja no caso das religiões: o cristianismo prega como moralmente correto a monogamia, enquanto que no islamismo, obedecendo a certas restrições, permite a poligamia. Por isso acredito que despindo-se de toda bagagem cultural somos biologicamente poligâmicos.
Rafael, na verdade todos os patriarcas biblicos sao poligamicos… E, culturalmente, no Oriente Medio (e mesmo no Oriente), a poligamia é norma, nao excessao. Entao nao entendi sua pergunta: “A Poligamia é aceitavel?” por que essa pergunta seria equivalente a dizer “A Poligamia na Turquia é inaceitável? ” . Quem somos n’so para falarmos da poligamia na Turquia?
Osame, não usei essa pergunta como uma questão retórica. É um debate moral que realmente existe também sobre o Ocidente, não só no Oriente Médio. Países de cultura latina, como o Brasil, por exemplo, têm uma tolerância tácita ao adultério masculino, mas não ao feminino. Isso é certo ou errado?
O que eu tentei colocar em perspectiva é que a natureza humana é complexa, diversa, e tem feedbacks culturais numa escala muito maior do que qualquer outra espécie. Se você viu alguma intenção minha de condenar a poligamia a priori, eu me expressei mal. O que eu acho é que a natureza humana, seja como for, não precisa necessariamente ditar o nosso comportamento. Até porque ela é uma natureza que, em muitos aspectos, é internamente conflituosa.
Acho que a pergunta biologica atual seria: qual prática fornece mais fitness biologico (demografico) para as pessoas que a adotam hoje: monogamia ou poligamia?
Ou seja, quem tem mais filhos ferteis hoje? Acho que é a classe D e a classe A (ricos tem mais filhos que a classe media porque precisam de herdeiros). Bem, de certa forma, uma sequencia de casamentos e divorcios, com filhos, usual no Ocidente, poderia ser pensado como poligamia sequencial…
Osame, na verdade, a poligamia conforme a definição usada pelos autores, é um macho ter uma parceira única durante toda a vida ou durante uma “temporada” de acasalamento. Um sujeito que tem uma parceira por ano, então, dentro desse critério, seria monogâmico. Eles só definiam como poligâmicas espécies em que, realmente, um macho tenta copular com o máximo de parceiras possível a todo momento. É claro que existe uma fronteira nebulosa aí.
“Foi interessante para mim, portanto, enxergar que existe um debate antropológico sobre moral escondido por trás desses estudos evolutivos.” Rafael, eu não enxerguei isso. O que li do que você mesmo relatou foram teorias científicas sobre a evolução do comportamento humano. Não há um debate sobre moral, aqui.
Fernando, tanto na minha entrevist com o Opie quanto na coletiva dos autores do paper da Science, falou-se muito sobre o assunto. Eu selecionei apenas algumas coisas para colocar no post. É claro que todos os autores reconhecem que querem ser o mais objetivos o possível com os dados, e tal. Mas todos reconhecem que os resultados dos estudos têm implicações para o debate moral, sim.
Os antigos judeus eram polígamo. Os cristãos apenas se tornaram monogamos para se adaptarem melhor aos padrões morais dos gregos e dos romanos.
Não existe defesa teológica bíblica para a monogamia. A razão do cristianismo ter deixado de ser polígamo é meramente a assimilação cultural.
Sem uma análise profunda seu comentário parece correto, mas na realidade uma analise mais profunda revela que a lei judaica se adaptou à poligamia e o cristianismo aboliu, tanto que sempre houve ideais monogâmicos de relacionamento : Adão e Eva, Moisés e Zípora, Além de diversas referencias existem as recomendações de Paulo. Os principais personagens que praticaram poligamia são descritos como pessoas que tiveram problemas no casamento, como Abraão, Salomão, …
Ultimo parágrafo foi… hm… desnecessário. Hehe
Sr. Vinicios para afirmar que não existe fundamento monogamico na doutrina cristã creio que seu conhecimento sobre o cristianismo seja mais raso do que um pires, apesar de o velho testamento não condenar a poligmia o novo prevê taxativamente a monogamia nos ensinos de jesus como nos escritos dos apostolos, uma assimilação cultural levaria a doutrina cristã pelo contrario a antitese da aparencia que teve o que é provado pela rejeição greco-romana dos cristãos e sua doutrina.Quanto ao nosso colunista que por suas predileçoes termina seu texto de maneira pejorativa e equivocada com relação a algumas culturas, ele está certo em um ponto, as implicaçoes de uma visão naturalista não precisam ser refletidas na cultura dos individuos – ufa!para o bem da humanidade – Ou seja o que nosso colega colunista está dizendo e os autores, é que a maioria – principalmente dos nauralistas -vivem de maneira incoerente com suas visões de mundo.
Por fim algumas perguntas ao nosso colunista:
-todo criacionista defende a monogamia?
-existe alguma questão que não seja passivel de debate? Isso sim que parece um dogma.
Abraços