O que o mapa do cérebro vai mapear?
03/04/13 07:01O PRESIDENTE BARACK OBAMA bem que se esforçou ontem para dar à Iniciativa BRAIN —seu novo pacote de estímulo à neurociência— a cara de um projeto candidato a ser marco histórico na ciência. E o esforço deu certo: a imprensa americana fez muitas referências ao fabuloso programa que dará início a um ambicioso “mapeamento do cérebro”.
Em seu pronunciamento, Obama se postou providencialmente ao lado de Francis Collins, ex-chefe do famoso Projeto Genoma Humano, para anunciar a novidade. Incluiu a empreitada em sua lista de “Desafios do Século 21”: metas da sociedade que exigem importantes transições de fase na ciência e na tecnologia. Sugeriu até uma possível corrida internacional em em torno do objetivo, prometendo fazer os EUA chegarem na frente dos europeus, que já têm um projeto para simular o cérebro humano em computador.
No final do dia, porém, ficamos sem saber para onde o mapa do cérebro prometido por Obama vai nos levar.
“Mapear as conexões entre neurônios”, “desvendar a mente” ou “simular o cérebro” são expressões que podem ter muitos significados diferentes. Essa falta de objetividade foi alvo de crítica à própria concepção do projeto europeu, o Blue Brain, de Henry Markram. Sua simulação do cérebro humano parte de um conceito que os neurocientistas chamam de “regra de Peters”, segundo o qual alguns aspectos da distribuição das sinapses (conexões entre neurônios) são aleatórios. Esse atalho foi necessário porque mapear efetivamente todas as sinapses antes de fazer uma simulação seria um esforço de escala inimaginável.
Markram certamente conduz um trabalho cuidadoso, mas é alvo de duras críticas por parte de cientistas que defendem outra abordagem. “Qualquer um pode simular um grande número de equações e ‘alegar’ que elas agem como um cérebro”, diz Sebastian Seung, do MIT. “Qual é a prova, então?”.
Seung, que expõe suas críticas no livro “Connectome” diz que faltam ao meio neurocientífico critérios claros para julgar o sucesso de programas que visam esquadrinhar o cérebro por completo. O próprio Markram já havia lançado antes severas críticas a Dharmendra Modha, da IBM, que disse ter simulado um cérebro completo de um gato completo em 2007, prometendo a versão humana para breve.
Segundo Seung, a única maneira de confirmar se simulações do cérebro estão corretas —sejam elas mais complexas, como a de Makram, ou mais simples como as de Modha— é implantando-as num corpo ou em algum aparato físico capaz de interagir. Dessa forma, veríamos se elas se comportam como pensamentos humanos ou não. Pode até ser que esse cyborg seja capaz de se fazer passar por gente, o que seria uma revolução tecnológica em si. Mas isso, claro, ainda está no domínio da ficção científica. Há pesquisadores no campo, como o brasileiro Miguel Nicolelis, que duvidam que o cérebro seja computável.
O núcleo de cientistas de Seung (que também inclui Jeff Lichtman, de Harvard), porém, defende uma abordagem mais mundana para “mapear o cérebro”. Vários deles estavam ontem na plateia do discurso de Obama. A ideia deles é esquadrinhar cada uma das cerca de 100 trilhões de sinapses humanas usando microscópios de alta resolução (falei um pouco da iniciativa neste post e neste outro), apostando que isso trará uma virada qualitativa à neurociência. Mas o próprio Seung reconhece que, apesar de já haver tecnologia para tal, isso é trabalho para um século inteiro. Mapear um cérebro de camundongo, ou uma parte de um cérebro humano, seria uma meta mais realista por enquanto.
Posso estar sendo pessimista, mas quando os líderes da Iniciativa BRAIN atribuírem objetivos mais concretos ao projeto, duvido que eles fixem o conectoma humano completo como meta. Isso não quer dizer, claro, que não possam ser adotados objetivos importantes, como a melhora da resolução da tecnologia por ressonância magnética, usada nos melhores mapas cerebrais de hoje.
Antes que tecnologias como essa deem conta de enxergar as minúsculas sinapses, porém, a “corrida para mapear o cérebro” será apenas uma caricatura daquilo que foi a corrida pelo genoma humano. Até que surja uma tecnologia revolucionária, será uma corrida lenta, bem lenta.
O fato do cérebro, especialmente o humano não ser computável, ou seja simulado artificialmente poderia ser uma evidência a favor de que é algo além das leis físicas, químicas ou biológicas atualmente conhecidas pela ciência
Tersio,
Na verdade, não. Isso não tem nada a ver com a realidade física do cérebro. O cérebro e a mente são a mesma coisa. Nossa mente é criada por processos físicos, sim. As pessoas que são céticas sobre a computabilidade do cérebro não estão questionando isso. O problema deles é mais de ordem filosófica, e tem a ver com a incapacidade de transferir experiências subjetivas de um ente para outro.
O além das leis atualmente conhecidas a que me refiro, não significa que o cérebro seja algo ‘transcedental ou sobrenatural’, e sim que poderão existir outras leis a serem descobertas que governariam o seu funcionamento, razão pela qual (ainda) não pode ser simulado
O fato do cerebro nao ser computavel diz muito mais sobre a limitacao da computacao do que sobre a divindade do cerebro.
Ele já é simulável há horas com redes neurais, numa fração micronésima da dimensão dele, por isso extremamente limitado, mas dá para simular, sim. Seu “apêndice” procurando o “sobrenatural” não vale na ciência, porque a ciência sempre observa o que pode ser medido, calculado, formulado, comprovado e teorizado. E isso vale muito e tem explicado quase todos os grandes enigmas que sempre tivemos. Não há evidências do sobrenatural em lugar nenhum, só nas próprias mentes das pessoas, isso é que é engraçado. O que ainda está em pesquisa e não foi descoberto é só uma questão de tempo. Tudo é só uma questão de tempo, e funciona como? Com perguntas, ao invés de respostas prontas apontando para o sobrenatural. As respostas que muitos dão usando o sobrenatural não levam a lugar nenhum.
O desconhecido e chamado de deus.
Quando o desconhecido e conhecido, deus se evapora.
Ainda existe muito a ser estudo em nosso próprio corpo, sucesso ao projeto…
Por toda a complexidade do nosso cérebro, sinteticamente, exposta por você, é importante que seja lento o percurso da pesquisa“… será uma corrida lenta, bem lenta.”
A corrida lenta é a precaução como colocado “… Segundo Seung, a única maneira de confirmar se simulações do cérebro estão corretas —sejam elas mais complexas, como a de Makram, ou mais simples como as de Modha— é implantando-as num corpo ou em algum aparato físico capaz de interagir… passar por gente,… científica.”
Maria Helena
Maria Helena,
Acho que ninguém deseja que o sucesso das neurociências seja lento, sobretudo quando o que está em jogo é a melhoria de terapias para doenças tão terríveis quanto Parkinson e Alzheimer.
O que eu tentei explicar é que a “corrida” para mapear o cérebro não será como foi a corrida para sequenciar o genoma humano. O pacote de neurociências de Obama não possui nem um objetivo claro e nem uma garantia de financiamento a longo prazo.
“SEM COMENTARIOS…”
Na verdade todos comentam discutem mas são temerosos em afirmar que a vontade do homem está em perpetuar-se através de seu cérebro. tudo é uma questão de tempo e lentidão não define o progresso do conhecimento.
Querem saber mais sobre isso num ponto de vista ainda mais fantástico? Comprem meu livro AUTOMATOPÉIA. Desculpem o jabá, mas muitas coisas que conhecemos hoje derivam de ditos de ficção de décadas atrás. Em 2006 escrevi um livro que trata exatamente desse assunto. Quem se interessar.
Acredito que o cérebro (não só o humano, mas o de várias outras espécies complexas) não seja computável por existir um fator extrafísico que influencia diretamente em seu funcionamento. Discordo do colega acima que diz que cérebro e mente são a mesma coisa. Entendo que o primeiro seja o veículo que hospeda o segundo, ou, usando outra figura de linguagem, a máquina operada pela mente.
Acho que afirmar que tudo que ocorre em nosso cérebro e no resto de nossos corpos não passem de fenômenos físicos e químicos, e que nada mais existe além disso é bastante superficial, principalmente quando é notório nosso profundo desconhecimento do funcionamento de nossos corpos.
Não há nada superficial nessa área. Há décadas se estuda o cérebro e se comprova cada vez mais que tudo é bio-neuro-químico. Há 20 anos já se sabe que uma decisão que se toma, achando-se antes que era uma tomada de decisão consciente, aconteceu segundos antes no cérebro. Já estão pensando em colocar escaners da mente nas lojas para medir a decisão do cérebro de compra ou não antes que você tome consciência dela. O cérebro toma a decisão e o consciente só fica sabendo depois. O cérebro é tudo. DNA. Matéria. Partículas. Eletricidade. Falta-lhe conhecimento seu no assunto.
Uma vez li um questionamento que um neurologista se fazia: “A mente começa quando os neurônios disparam, mas o que inicia esse disparo?” A mente começa na matéria do cérebro, ok, mas em que realidade da matéria o cérebro se encontra? Quando a teoria quântica da mente foi lançada foi tachada de mística. Mas já há dez anos se tornou rotina descobrir interações entre fenômenos quânticos e biológicos, comprovando que elas se sustentam por mais de 600fs (o suficiente para sustentar disparos complexos o suficiente para iniciar a consciência). No entanto, até onde sei, estes fatos não foram levados até o estudo do cérebro. A mente pode ter, portanto, dimensões muitos mais complexas do que as imaginadas até aqui.
Se estão investindo dinheiro, ainda mais os EUA. Há sim chances de uma espécie de *pesquisa paralela – da qual não foi revelada para a massa.
Concordo também com o comentário do Carlos e o do Pablo Marcos.
“Acredito que o cérebro (não só o humano, mas o de várias outras espécies complexas) não seja computável por existir um fator extrafísico que influencia diretamente em seu funcionamento. Discordo do colega acima que diz que cérebro e mente são a mesma coisa. Entendo que o primeiro seja o veículo que hospeda o segundo, ou, usando outra figura de linguagem, a máquina operada pela mente.
Acho que afirmar que tudo que ocorre em nosso cérebro e no resto de nossos corpos não passem de fenômenos físicos e químicos, e que nada mais existe além disso é bastante superficial, principalmente quando é notório nosso profundo desconhecimento do funcionamento de nossos corpos.”
“Acredito que o cérebro (não só o humano, mas o de várias outras espécies complexas) não seja computável por existir um fator extrafísico que influencia diretamente em seu funcionamento. Discordo do colega acima que diz que cérebro e mente são a mesma coisa. Entendo que o primeiro seja o veículo que hospeda o segundo, ou, usando outra figura de linguagem, a máquina operada pela mente.
Acho que afirmar que tudo que ocorre em nosso cérebro e no resto de nossos corpos não passem de fenômenos físicos e químicos, e que nada mais existe além disso é bastante superficial, principalmente quando é notório nosso profundo desconhecimento do funcionamento de nossos corpos.”
Eu evitaria um tudo-ou-nada: cérebro e mente são a mesma coisa OU cérebro e mente não são a mesma coisa. Acho que sem o cérebro (e sem o corpo, para não sermos cerebralistas) a mente não toma forma. Por isso, é possível apagar memorias ou prejudicar atividades cognitivas ao se lesar o tecido cerebral. Mas o que inicia a mente pode estar num nível mais profundo que o tecido cerebral, uma vez que a natureza desta é não-dualista, emaranhada, e as conexões sinápticas estão presas a uma alternância polarizado/não-polarizado. Mas como atividade global, a mente seria um acoplamento dessas duas naturezas.
Profundo desconhecimento à respeito do funcionamento de nossos corpos???rs
Vc tem algum argumento embasando essa visão de mente pilotando o cérebro ou é só uma crença pessoal sem maior desenvolvimento?rs
A pesquisa deve iniciar por algo supostamente bem simples. Uma operação simples e mapear o processo cerebral responsável, com as ligações sinapticas etc. Creio que seja por aí que o entendimento do funcionamento cerebral irá evoluir.
É muito estranho que o prof. Miguel Nicolelis duvide que o cérebro seja simulável já que ele experimenta a interface máquina-organismo. É como subestimar o próprio trabalho.
Se existe a interface então significa que o sistema acomoda a simulação e não apenas de forma virtual.
Mas claro que o caminho pra isso é longo.
Além do numero de sinapses, outra dificuldade nessa simulação, talvez a principal, seja introduzir o fator de variabilidade pelos tipos de neurônios e a capacidade de modulação que isso possibilita na organização do pensamento (mente, consciência…).
Talvez algumas atividades sejam computáveis, outras não.
De fato, os testes de Turing mostram que isso é possível, mas não integralmente. As atividades motoras talvez sejam computáveis, por isso ele consegue que animais movimentem membros mecânicos.