Cosmologia: vítima do próprio sucesso?
02/04/13 07:01VOLTANDO AO ASSUNTO dos novos dados que o satélite Planck divulgou sobre a história do Universo, decidi escrever um pouco sobre a paisagem cosmológica vista pelos físicos teóricos, não por aqueles envolvidos diretamente com as sondas de observação. Eu ainda estava um pouco intrigado com a maneira com que a Nasa e a ESA haviam anunciado os novos números, e decidi conversar com um amigo que poderia me abrir uma outra perspectiva.
Era particularmente difícil para mim entender qual seria a importância de a idade do Universo mudar de 13,7 bilhões para 13,8 bilhões de anos, ou de a parcela de energia escura no cosmo mudar de 71,4% para 68,5%. Ainda que esses números sejam importantíssimos para calibrar novas observações cosmológicas, o avanço me parecia meramente incremental do ponto de vista do conhecimento básico.
Descobri que eu não estava sozinho quando falei com Urbano França, do Instituto de Física Corpuscular da Universidade de Valência. Há dois anos, conheci Urbano quando ele era pesquisador visitante do Centro Para Astrofísica de Harvard, e criei o costume de aborrecê-lo com perguntas impertinentes sobre cosmologia. E desta vez, ao que parece, minha implicância não era tão injustificada.
“O Universo, então, é o que todo mundo esperava”, me disse Urbano, sobre os dados do Planck. “Ele é 100 milhões de anos mais velho do que se achava, mas já faz tempo que esse número está dentro da margem de erro do WMAP [o satélite que mapeou o cosmo antes do Planck].”
Mas, se nada mudou, o que deixou os cosmólogos tão empolgados, então?
ANOMALIAS
Para os teóricos, o aspecto mais interessante do novo mapa do Universo, na verdade, não são as minúsculas correções alardeadas pelo projeto, mas sim as sutis anomalias sugeridas pelo WMAP, que o Planck confirmou.
Uma delas é que o cosmo parece ser ligeiramente assimétrico, com mais temperatura distribuída de uma lado do que de outro. “As pessoas esperavam que essa anomalia fosse embora, mas ela não foi”, disse Urbano. Segundo ele, a busca por uma teoria que tente explicar esse aspecto deve se intensificar agora.
Outra anomalia interessante é uma região grande do Universo na qual a temperatura média se aproxima do ponto mais baixo da variação. Ninguém sabe ainda como essa “mancha fria” se formou, e isso também deve passar a ser objeto de especulação teórica mais frequente.
INFLAÇÃO
Uma outra consequência dos dados do Planck será a de eliminar muitos modelos teóricos complicados que tentam explicar a chamada inflação cosmológica: o período de expansão acelerado no universo jovem.
O que a inflação fez foi expandir o cosmo abruptamente a um tamanho dezenas de ordem de magnitude maior. Ao nascer, o universo era basicamente uma nuvem homogênea de matéria e energia, sem estrelas e galáxias intercaladas por grandes vazios. Sem estrutura. A única heterogeneidade que existia eram pequenas “flutuações quânticas”, diferenças desprezíveis na densidade de energia entre um ponto e outro do universo.
Quando a inflação fez o universo crescer extremamente rápido em sua infância, essas flutuações também acabaram se expandindo e ganharam um tamanho apreciável. “Uma vez que a expansão inflacionária do Universo desacelerou, a matéria começou a cair nos lugares que já tinham um pouco de matéria, e essa região continuou atraindo o resto”, explica Urbano.
Há uma infinitude de teorias tentando explicar como a inflação ocorreu. Ela certamente foi alimentada por um campo quântico, uma região dominada por uma força, assim como um campo magnético de um ímã. Ninguém sabe, porém, o que exatamente era esse campo, e o “mercado” de teorias está movimentado agora. A “cotação” de uma teoria sobe quando surgem mais evidências de que ela pode estar certa.
O que deve ocorrer após os resultados do Planck, segundo Urbano, é que a cotação das teorias mais complicadas —que usam vários campos para tentar explicar a inflação— entrará em queda. O mapa revelado pelo Planck, diz, está mais de acordo com uma teoria que se baseie num único campo como motor da inflação cosmológica.
Uma escola teórica que sai perdendo com isso é a da chamada supersimetria —uma teoria que prevê o dobro do número de tipos de partículas elementares conhecidas hoje. A existência de mais classes de partículas implica a existência de mais campos, o que complica ainda mais as explicações para a inflação.
NEUTRINOS
Outro aspecto pouco noticiado sobre o mapa do Planck é que ele parece ir contra novas teorias que preveem a existência de um quarto tipo de neutrino –a partícula elementar fantasma com massa quase desprezível e com carga elétrica neutra.
Além dos três tipos conhecidos de neutrinos, físicos especulavam que haveria outros, cujo papel durante a inflação seria o de tornar o Universo um pouco mais heterogêneo. O mapa revelado pelo Planck, porém, torna essa hipótese desnecessária.
Urbano estava justamente pesquisando aspectos teóricos para tentar impor um limite ao número de tipos de neutrinos existentes, e disse ter ficado feliz com o resultados do Planck, já que uma maior precisão de dados tornará seu trabalho teórico mais preciso também.
“Estou contente que os resultados estejam cada vez mais precisos, mas nem sempre é fácil vender essa ideia e explicar por que é importante investir nisso”, me disse Urbano. Seu temor, explicou, é o de que a cosmologia acabe se tornando “vítima do próprio sucesso”. Será cada vez mais difícil convencer governos a enviarem sondas de € 700 milhões para estudar a radiação cósmica de fundo. Sem notícias bombásticas de grandes viradas científicas, fazendo ciência incremental, esse projetos perdem seu poder de sedução.
Urbano porém, explica que avanços teóricos só serão possíveis se, em algum momento os experimentos forem precisos o bastante para explicar previsões como as das anomalias mencionadas acima. Além disso, comparadas com o custo de um acelerador de partículas gigante, sondas cosmológicas são bem baratas (o LHC custou mais de dez vezes o Planck).
O Planck e o WMAP, afinal, tiveram como importante legado a descoberta de grandes questões (como as anomalias), e não apenas de respostas. Urbano, então, resume seu melhor argumento para continuarmos estudando a radiação cósmica de fundo: “O gasto não é absurdo, e nunca se sabe como a pergunta vai vir”.
Na minha opinião os cientistas atuais não estão sabendo ler os dados do Planck.Não existiu um Big Bang único e talvez religioso, mas existem vários Bigs ocorrendo no chamado MULTIVERSO.Apenas que o Telescópio Planck observou o espaço de uma forma muito limitada ( como é nosso conhecimento científico atual).Entendo que as anomalias se explicam através de um Grande Atractor que suga a matéria e os pontos frios fazem parte do processo e que tudo vai explodir novamente.Agora que tudo começa num unico ponto é ilógico e muito religioso.
O quê? Os cientistas não sabem ler os dados? Que falta de respeito e de humildade. Você não tem a mínima ideia que instrumentos foram usados e como a radição foi medida e acha que eles não entendem? Você vem falar de ilógico e algo religioso? Ilógico só para quem não entende nada de nada. É cada uma que leio que vou dizer uma coisa.
Mas mesmo que adotemos o conceito de Multiverso, os dados do Planck e suas interpretações não vão, a priori, contra ele, pois relacionam-se exclusivamente à, digamos, nossa porção do Multiverso, ou seja, o “Big Bang” que nos cabe. As teorias inflacionárias mantém, essencialmente, seus pontos fracos e fortes independentemente de pensarmos nosso universo como fazendo parte de um Multiverso.
A astrofísica está apenas engatinhando nos mistério do universo,da física quântica e da (gnt).a base conhecida e difundade analogicamente sofrerá mudanças num futuro bem próximo.
100 bilhões de anos a mais e alguns por cento de tudo que faz o universo não é pouco. Tanto não foi meramente incremental que em seguida no texto você explica que são justamente esses dados que desfavorecem modelos complicados de inflação e sugerem o tipo”slow-roll” mais simples. Dizer que não mudou muito é como colocar que a física de partículas pouco mudou depois de dezembro de 2011 com as evidências do Higgs padrão. Não é uma prova, mas uma evidência forte de um tipo de modelo no lugar de outro.
Você poderia ter comentado que além das anomalias (que são bem discutíveis do ponto de vista estatístico) existe também o fato de que a constante de Hubble medida pelo Planck é um bocado diferente daquela medida por supernovas. Já ouvi conversas a respeito de modelos distintos do simples para energia escura para explicar a diferença, embora nada ainda conclusivo.
O ponto de vista dos governos é bobagem, eu ouvi a mesma conversa quando sairam os primeiros dados do WMAP. Da mesma forma quando construíram o Tevatron havia conversa de que seria o último acelerados grande e depois fizeram o LHC. Enquanto a ciência for boa e as pessoas envolvidas forem competentes sempre valerá a pena os governos investirem. Basta lembrar que um dia perguntaram para o Faraday para que servia a eletricidade
Cesar, obrigado pelo comentário. Eu não tinha ouvido falar dos modelos que você mencionou.
Mas acho que, do ponto de vista de ciência básica, os números do Planck são avanço incremental, sim. Não há diferença qualitativa entre dizer que o universo tem 13,7 ou 13,8 bilhões de anos, e outras coisas do tipo. O meu erro talvez tenha sido o de dizer que o avanço foi “meramente” incremental, porque avanços incrementais são importantes em ciência, também, e constroem a base para as mudanças de paradigmas.
Quanto a dinheiro para experimentos, lembre-se que ele não é infinito, e a disputa por financiamento está ficando maior. O governo dos EUA já matou a semente do SSC, um acelerador de partículas gigante, na década de 1990, e o sucessor do LHC ainda está um pouco no ar. E há várias sondas da Nasa que não estão conseguindo sair do papel. O aumento da resolução e do poder de alcance dos experimentos não é algo que podemos dar por certo. Os cortes de gastos nos EUA quase mataram o Teléscópio James Webb no ano passado, por exemplo.
Rafael, desculpe se fui um pouco ríspido (estava com pressa), achei muito boa a sua matéria.
Concordo 100% que o aumento é incremental, e que a despeito do que o pessoal do Planck colocou no press-release, o mundo não mudou muito. Mas o seu comentário final é o preciso, eventualmente coisas incrementais fazem toda a diferença, pro exemplo o desvio do fator giromagnético do elétron de 0.1% impulsionou a teoria quântica de campos na década de 50 para o lugar certo.
E sobre o dinheiro, é mais do que fato, basta ver que o AMS que soltou dados ontem sofre um enorme downgrade e atraso para poder ir para a ISS. O que melhor reflete minha posição é que muitas vezes quando os ganhos são incrementais se discute se haverá um próximo experimento ou não, e é papel principalmente dos cientistas passarem as informações completas para os governos tomarem as decisões sobre verbas. E que para os governos é sempre bom ter em mente que mesmo não tendo ganhos diretos, o off-shot tecnológico vale a pena.
Aqui no Brasil sil sil sil tem muito dinheiro, estamos até fazendo estádios de futebol de 1,5 bilhões de reais… Quando finalizarmos nossa prioridade, talvez se sobrar um pouco, podemos financiar pesquisas desse tipo. A quem estou querendo enganar? Nem creche tem no Brasil sil sil sil.
Aliás, vcs perceberam que o movimento das massas nessa foto parecem com o Yin-Yang?
Ainda é tudo muito blá blá bla em Cosmologia. Não vejo como ver sucesso da mesma por hora.
Falando em astrofísica, cosmologia, movimento das massas… me lembrei de dar uma olhada nos Halos de Polonio. Como explicar?
Sem o observador o Universo não existiria.Como observador sou uma massa de energia, destacada da massa total inteligente, vivenciando esperiências nos campos da física, metafísica,moral e ética dentro de um cenário sem limitações de tempo e de espaço, no qual vou aperfeiçoando minhas habilidades cognitivas em busca da integração ao Cosmos.
Quando o ser humano, em harmonia com outros, que buscam o mesmo objetivo, libertarem-se da escravidão da ignorância e atingirem o ápice do conhecimento cósmico, mesmo que estejam vivendo no mais atrasado país africano, farão desse país um poderoso foco de progresso e bem-estar da população.
Ótimo artigo, e o que é importante, bastante atual.
O “mercado” das teorias e hipóteses está muito diversificado e complicado hoje. Quem não é profissional, mas apenas curioso como eu, que lê livros e artigos de divulgação científica fica aturdido com as teorias das cordas, como a teoria M, supercordas, supersimetria,supergravidade, gravidade quantica, modelo padrão, principio antrópico, holográfico, universo inflaconário, multiverso e outros…, UM INVESTIMENTO COMO ESSE no satélite Planck ajuda a humanidade em encontrar uma teoria única (se existir), por eliminação das hipóteses não confirmadas.
Esse artigo ficou supimpa, Rafael, parabéns, você pegou o vácuo dos detalhes de algumas aparentes “poucas” novidades para mostrar valor desses detalhes, onde as reportagens básicas não entrariam. E engrandeceu, de forma bem clara e escrita, um conhecimento que dificilmente saberíamos pela mídia mais popular. É por aí.