O mapa da matéria
22/03/13 15:10NO MATERIAL QUE publicamos sobre o novo mapeamento do Universo primordial, feito pelo satélite Planck, tivemos de deixar de fora algumas informações novas. O cosmo, afinal, é mesmo grande demais para caber numa folha de jornal. Destaco aqui acima, então, uma das imagens excluídas da reportagem de hoje: o mapa da distribuição de matéria no Universo.
“É uma imagem belíssima, estonteante”, disse ontem Martin White, cientista do projeto que concedeu uma entrevista coletiva a jornalistas em Washington. A declaração causou um certo constrangimento entre leigos, pois a beleza, claro, está nos olhos de quem vê. Para mim, parece um pedaço de tecido jeans desbotado, com uma triha de sujeira no meio. Mas façamos um pouco mais de esforço para enxergar a beleza da figura.
Este mapa do cosmo é diferente do mapa que saiu na reportagem de hoje, que se refere à distribuição de temperatura do universo primordial. O mapa da matéria inclui tanto a matéria bariônica (a matéria comum da qual estrelas, planetas e pessoas são feitos) quanto a matéria escura (uma entidade misteriosa cuja natureza ainda é desconhecida). É um mapa da variação na quantidade de matéria que existe em todo o céu, indo daqui até o limite do Universo visível, em todas as direções.
Fazer o mapeamento requer um truque bastante engenhoso, porque a matéria escura, como seu próprio nome diz, não é visível. Astrônomos só conseguem inferir sua existência por causa da atração que ela exerce sobre a matéria comum. E fazer um mapeamento da massa do Universo sem incluir a matéria escura seria algo meio sem sentido, já que ela representa 84.5% de toda a massa do universo.
Os físicos usaram então uma técnica batizada de “lente gravitacional”, para fazer o mapeamento. Ela consiste em analisar os desvios que a luz sofre quando passa perto de regiões onde há muita massa, e depois remapear a direção de emissão dessa luz. O Planck fez isso com a radiação cósmica de fundo (a luz mais primordial que permeia o universo) e conseguiu obter o mapa acima, onde as partes com mais matéria aparecem branqueadas.
O efeito é extremamente sutil, e anteriormente esse tipo de mapeamento havia sido feito apenas para partes do Universo. O Planck conseguiu fazer a melhor determinação desse efeito até agora para todas as direções do céu, não apenas parte delas. (A única exceção é para a trilha cinza que corta a imagem na horizontal. São as regiões onde o brilho da Via Láctea, nossa galáxia, impede o Planck de enxergar mais longe.)
“A imagem, então, não é apenas bonita”, disse White. “As nossas teorias sobre como as estrelas e galáxias se formam fazem uma previsão sobre como essa imagem deveria se parecer, e quando comparamos a previsão com essa imagem, elas se encaixam de modo espetacular.”
Acho curioso que mesmo com esse mapeamento ainda não é possível prever uma direção da expansão, afinal, pra que lado tudo está indo?
Qual é o centro de onde tudo se expande.
As anomalias de assimetria de temperatura não indicariam isso?
Ivan,
Por mais maluco que possa parecer, o Big Bang foi um explosão sem um centro determinado. Alguns cosmólogos até preferem descrevê-lo como uma explosão DE espaço e não NO espaço. Em outras palavras, é o próprio espaço que está se expandindo, não é apenas que as coisas contidas nele estão se afastando.
Essa noção está de acordo com aquilo que os físicos chamam de princípio cosmológico, segundo o qual não existe lugar privilegiado de observação no universo.
É mesmo difícil conceber que, caso o espaço seja mesmo infinito, ele possa se expandir. No nosso entendimento cotidiano, para uma coisa crescer, ela precisa mudar de tamanho. Como, então, uma coisa que não tem tamanho definido (é infinita) pode estar se expandindo? É meio maluco, mas essa descrição, acredito, é aquela que parece se encaixar melhor dentro do conhecimento atual.
Provavelmente há outras ideias tentando explicar esse paradoxo, mas não fiz uma pesquisa ainda para saber o que há de novo. Neste caso, melhor consultar um cosmólogo. Mas eu nunca ouvi nenhum cosmólogo dizer que as anomalias implicariam a existência de um centro na explosão do Big Bang.
Rafael, quando se fala em modelo padrão ou assemelhado TODOS cósmologos entendem que é uma explosão do espaço e não no espaço (ou a expansão acelerada – inflação – violaria a relatividade). Mesmo que o espaço seja infinito (o que é defendido por poucos) não existe contradição alguma, pois não se trata apenas de mudança de tamanho, mas de expanção do espaço. Não é assim tão dificil de entender, basta imaginar dois pontos quaisquer do Universo (não importa se próximos). O que a expansão diz é que se você imagina uma régua qualquer a régua que mede a distância entre os dois pontos se expande com o tempo. Os dois pontos ficam mais afastados. A comparação típica é um bolo de nozes. A medida que o bolo cresce as nozes se afastam uma das outras (se o bolo é infinito aconteceria o mesmo), mas não são elas que se mexem, a massa que cresce. O bolo aí seria o espaço e as nozes, as galáxias. Dentro das galáxias não há expansão porque a gravidade domina. Nisso não há paradoxo. Por isso também não há direção na expansão e nem centro. As anomalis iniciais vistas na imagem (são na verdade muito pequenas) mostram as regiões onde se formarão as galáxias. Se a imagem fosse absolutamente uniforme haveria um problema sério, pois o Universo observado hoje não é exatamente homogêneo – existem aglomeração de matéria em alguns lugares.
Claro, pode ser que se mostre que um modelo mais adequado seja muito diferente do modelo padrão. De fato o modelo padrão está cheio de exotismos ad-hoc: inflação inicial, materia e energia escuras etc. Mas nenhum (ainda?) ofereceu uma explicação para tudo isso e os dados cosmológicos não permitem ainda determinar que modelo deve ser jogado fora. O padrão é o mais simples que se ajusta a eles.
Carlos Alberto,
Obrigado pela explicação. Às vezes eu sou um pouco cauteloso aqui porque é difícil para um leigo saber o que é consensual em ciência.
E seu exemplo sobre a expansão cósmica é perfeito. Eu acho que explosão de espaço é um conceito relativamente fácil de um não cientista entender. A inflação também. O que passa um sentimento de inconformidade maior, na verdade, é descobrir que a ciência ainda não tem explicações muito certas sobre “por que” as coisas são assim.
Certamente a cosmologia não vai acabar por falta de questões importantes.
Entendido Rafael, mas alheio ao paradoxo (explosão DE ou NO espaço / finito ou infinito), pelo exemplo dado pelo Carlos, podemos visualizar uma noz no meio do bolo (entre as outras duas nozes) que tem um deslocamento menos pronunciado em relação ao deslocamento das outras, ou, se estiver próxima de uma delas é levada junto, na mesma direção.
A ponta de dúvida que fica é, apesar dos dados do Planck, que basicamente é uma imagem, portanto, estática, não se construiu ainda uma simulação da trajetória do deslocamento das galáxias observáveis, essa é minha dúvida: a trajetória do distanciamento que, porventura, viria a confirmar o que é postulado por esse modelo atual.
Se a gravidade atua nas galáxias fazendo com que elas não se expandam, então essa trajetória pode ser traçada pois todas as galáxias podem ser referenciais entre si, apesar de algumas interagirem e formarem os aglomerados e superaglomerados.
E você Rafael, resumiu essa limitação nessa frase:
”..essa descrição, acredito, é aquela que parece se encaixar melhor dentro do conhecimento atual.”
Nesse vídeo temos uma ilustração e ele frisa que o centro ainda não pode ser determinado devido a relatividade do observador, como o Carlos exemplificou.
http://www.youtube.com/watch?v=dBMhKmwQmjI, e olhando na figura do exemplo do bolo, no próximo link, podemos visualizar melhor o que ter perguntei sobre a possibilidade de triangulação que mostre a trajetória do afastamento: http://map.gsfc.nasa.gov/universe/bb_tests_exp.html
Por outro lado, a teoria do big bang prevê uma expansão homogênea, mas se considerarmos que nas regiões dos superaglomerados é onde a força da gravidade teve mais tempo para juntar uma grande quantidade de matéria, isso poderia indicar quais são os locais mais “velhos” do universo, independente da posição do observador. E a assimetria da temperatura, se realmente é evidente, pode explicar isso, além de chamar atenção para quais regiões devem ser mais bem investigadas.
Isso com certeza, apesar de ser apenas divagação, torna o assunto mais empolgante pois mostra que coisas inusitadas podem surgir.
Abç.