Nicolelis contra rapa
07/03/13 08:01ENCONTREI HÁ ALGUNS dias em Boston uma das personalidades mais controversas da ciência brasileira: Miguel Nicolelis, professor de neurociência da Universidade Duke, da Carolina do Norte (EUA). Não conheço nenhum pesquisador que seja ao mesmo tempo tão talentoso e tão irascível quanto este neurocientista paulistano que ficou famoso por suas “interfaces cérebro-máquina”, as próteses robóticas controladas com a força do pensamento, captado por eletrodos no cérebro.
Quem acompanha a carreira de Nicolelis sabe que as notícias sobre o cientista giram em torno de dois temas: relatos de sucesso de seus experimentos mirabolantes e as trocas de acusações com outros pesquisadores.
Os dois últimos episódios são um bom exemplo disso. Logo após publicar um estudo relatando um experimento no qual fez ratos enxergarem radiação infravermelha (luz invisível de baixa frequência), Nicolelis foi acusado por outro cientista de ter se apropriado de uma ideia que não era sua. A disputa ainda não foi solucionada, mas ele nega ter se apropriado da criatividade alheia.
Nicolelis se divorciou de boa parte da comunidade neurocientífica brasileira após o jovem IINN (Instituto Internacional de Neurociências de Natal), centro de pesquisa idealizado por ele, ter sofrido uma cisão. Questionado por restringir o uso de equipamentos por colaboradores de outras universidades, o cientista rompeu com Sidarta Ribeiro, seu ex-orientando, que deixou o cargo de diretor do instituto e levou a maior parte da equipe para a Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Minha rápida conversa com Nicolelis em Boston no encontro anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência) foi a primeira em mais de dois anos. O cientista estava insatisfeito com a cobertura da Folha sobre os acontecimentos em Natal, mas voltou a conversar conosco sobre seus trabalhos mais recentes. O diálogo foi retomado após outros jornais brasileiros também começarem a acompanhar a controvérsia que ainda se desenrola em Natal. O IINN perdeu a maior parte de sua equipe original e hoje é criticado por ter uma produção científica muito baixa, levando em conta os investimentos que recebeu.
“Isso é típico do Brasil”, disse Nicolelis ao comentar o assunto em Boston. Sua explicação para o caso: “O sucesso incomoda muito.”
AS BRIGAS
A despeito das disputas que Nicolelis trava no Brasil, sua reputação nos EUA parece inabalada. Não é incomum vê-lo falando em eventos como o encontro da AAAS, em jornais de grande circulação e em programas de TV de grande audiência. Foi até ao Daily Show, do apresentador John Stewart. Mesmo nessas oportunidades, porém, a personalidade difícil de Nicolelis transparece.
Em Boston, num debate sobre o futuro das interfaces cérebro-máquina, o brasileiro dirigiu algumas provocações a Todd Coleman, bioengenheiro da Universidade da California que pesquisa o uso de sinais cerebrais externos para controlar próteses. Sua técnica está mais perto de ganhar aplicações porque é menos invasiva do que a usada por Nicolelis (que requer o implante de eletrodos dentro do cérebro), apesar de ser bem menos precisa. Nicolelis criticou Coleman por estar desenvolvendo próteses em parceria com uma empresa.
“Como não tenho empresa, posso complementar sua informação”, disse Nicolelis, interrompendo uma entrevista coletiva. “Haverá aplicações de implantes invasivos, sim, porque eles são muito melhores do que dispositivos de superfície, são ordens de magnitude melhores.”
A afirmação é verdadeira, claro, mas soou um tanto quanto agressiva no momento, e serviu aos presentes como demonstração do temperamento difícil de Nicolelis, um cientista capaz de iniciar um bate-boca com quase qualquer um que encontre pela frente. Pelo pouco que conheço do pesquisador, sei que algo que o deixa bastante alterado são as disputas de autoria por ideias ou realizações científicas.
Em 2008, após publicar uma pequena reportagem sobre neurociência do paladar, recebi um telefonema de Nicolelis, que tinha uma reclamação. Era meu texto, que tinha mencionado um estudo do qual ele era colaborador, mas não citava seu laboratório. Ele exigia que o jornal publicasse uma errata, ainda que minha omissão tivesse sido proposital (quando há pouco espaço para a notícia, evitamos transcrever a lista completa de autores de estudos, mencionado apenas o pesquisador principal). Não atendemos a seu pedido, claro, mas creio que o cientista acabou esquecendo a escaramuça depois.
Na época, ainda antes do racha no IINN, Nicolelis já andava às rusgas com outro grupo de neurocientistas —aliados a Roberto Lent, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro— que o criticava por ter tido acesso priviliegiado a recursos públicos ao construir o IINN. Foi preciso a Sociedade Brasileira de Neurociência intervir para “apartar” a briga.
É difícil entender se o cientista compra tantas brigas por ter dificuldade para trabalhar em equipe ou por um excesso de zêlo em proteger o mérito de seu trabalho. Qualquer que seja o motivo (certamente não é um só), seu temperamento não o tem ajudado. A controvérsia sobre o estudo com luz infravermelha, porém, parece uma acusação ética mais grave do que as habituais. É difícil julgar para quem está de fora.
O EXOESQUELETO ROBÓTICO
A grande obsessão de Nicolelis agora é concluir um de seus projetos mais ousados, o de ligar uma interface cerebral a um “exoesqueleto”, uma armadura robótica que permitiria um paciente paraplégico caminhar. Buscando atrair atenção para a empreitada, Nicolelis conseguiu cerca de R$ 30 milhões em verbas federais para tocar o projeto e fechou um acordo com a CBF para demonstrar a tecnologia pela primeira vez na Copa do Mundo de 2014. Um paraplégico dará o pontapé inicial no jogo de abertura. O projeto soa um pouco megalomaníaco, mas se a ideia der certo, claro, talvez a publicidade se justifique.
O problema é que a agenda está apertada. Sem ter demonstrado a tecnologia em animais, ainda, completar o projeto em um ano parece difícil. “Estou prestes a fazer isso com macacos agora”, disse Nicolelis, que mostrou em Boston imagens da prótese que ele vai usar nos animais. “Esperamos que ainda neste ano um macaco possa andar com o exoesqueleto.” Se não tiver tempo de aplicar a tecnologia a um voluntário humano até a Copa, ele diz que terá uma segunda chance para a demonstração pública, na Olimpíada do Rio em 2016.
O AVATAR
Na última quinta-feira, ainda sob críticas à baixa produtividade do IINN, o cientista publicou outro trabalho inovador. Usando uma ideia que remete à tecnologia mostrada no filme de ficção científica “Avatar”, conectou a mente de dois ratos, fazendo com que um sentisse aquilo que o outro experimentava. Questionado sobre o IINN, Nicolelis usou esse estudo para rebater as críticas.
“Metade desse estudo foi feito em Natal. Essa é a minha resposta”, disse. “É um trabalho capaz de atingir o mundo inteiro. Nenhum trabalho na ciência brasileira jamais teve essa repercussão”, disse o cientista, antes de o trabalho ser publicado.
Segundo Nicolelis, o estudo sobre o avatar está ligado ao projeto da prótese robótica. “Ele descreve a técnica de treinamento que vamos usar em nossos pacientes”, disse. “Da mesma maneira que treinamos macacos, vamos treinar o paciente para andar de novo.”
Ao fazer piada, também, Nicolelis descamba para a disputa pela primazia de suas ideias. Questionado pelo uso da expressão “avatar”, consagrada pelo filme de James Cameron em 2009, o cientista retrucou. “Eu propus fazer isso em 2002, na revista na Scientific American, num artigo sobre o uso de corpos virtuais”, afirmou. “Estamos muito à frente do filme. Ele é quem deveria pagar royalties para a gente.”
Me despedi de Nicolelis no centro de convenção Hynes, em Boston, debaixo de uma forte nevasca. O cientista estava atrasado para pegar o voo, e questionei sobre se o avião poderia decolar. Otimista, preferiu pegar logo um táxi até o aeroporto e tentar a sorte. Espero encontrá-lo em alguma outra ocasião para saber mais sobre a situação em Natal. Pelo que pude perceber, apesar de questionar o mérito dos críticos, o cientista está se movimentando para reagir.
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No manifesto não houve acusação de apropriação de ideia. “Este documento não tem a intenção de discutir autoria de ideias, um assunto delicado dentro da temática de produção científica” http://migre.me/dzoAn
O que houve é a indagação de por que Nicolelis não disse nada à época da apresentação.
E um dos signatários do manifesto considera o episódio esclarecido:
http://genereporter.blogspot.com.br/2013/03/entrevista-com-um-neurocientista.html
(Antonio Roque acha que Nicolelis procurou não envolver Márcio Moraes e sua equipe.)
Disclêimer: sou admirador confesso de Miguel Nicolelis.
[]s,
Roberto Takata
A incapacidade de trabalhar em equipe não é uma boa explicação. Nicolelis não apenas comanda sua equipe em Duke como faz parcerias com equipes de outros centros – o WalkAgain é um projeto em colaboração com unidades de pesquisa de alguns países.
Por outro lado, a pura inveja também não é uma boa explicação. Muitos dos críticos são pessoas bem sucedidas em seus campos.
A meu ver, ocorre mal entendidos por diferenças no modo de pensar e de proceder em pesquisa e gerenciamento delas. E isso vemos com frequência ocorrer em diversos casos – muitas vezes não chega à mídia ou não é noticiado por não envolver nomes tão conhecidos.
[]s,
Roberto Takata
Concordo com o Roberto Takata — que, aliás, fez um belo trabalho, ao entrevistar dois dos pesquisadores críticos a Nicolelis mais serenos e centrados em suas falas. Há um choque cultural. Mas a cultura acadêmica brasileira comumente se perde exagerando antipatias, a ponto de isso minar colaborações e transformá-las em inimizades ferozes. Há muito disse-me-disse, especulação demais, e intrigas de bastidores. Interessante que, nos EUA, Nicolelis é alvo de críticas, inclusive ao teor científico de seus trabalhos e em fóruns qualificados, e se envolve em disputas acirradas, mas não lhe acontece algo como a debandada no instituto de Natal, nem ataques “em off” pela imprensa, inclusive com francos achismos cheios de desprezo. Nos EUA, ele tem o devido respeito e reconhecimento, como cientista talentoso que é. Aqui, já declararam em jornal que ele seria só um bom pesquisador e que o resto seria esperteza marqueteira.
Apesar das disputas internas e externas, dos casos relatados em Natal, dos cientistas com uma ponta de inveja ou do temperamento do Nicolelis, uma coisa é fato…ele é mto bom no que faz, e me sinto orgulhoso de tê-lo como brasileiro, como pesquisador numa área promissora, como um cientista de ponta, de vanguarda…isso é o mais importante, o resto, picuinhas e egos, não interessa ao avanço da ciência mto menos da humanidade…Nicolelis, avance sempre, só temos a agradecer.
Como profissional da ciência e da bioética, me surpreende esse elogio coletivo aos trabalhos de Nicolelis (ou de Lent, ou de Moraes, ou de quem seja), simultâneo ao tácito desprezo pelo problema ético que envolvem essas experimentações. Somente quem não sabe nada do que se faz em um laboratório e/ou simplesmente despreza a instrumentalização de animais não-humanos com vista a obtenção desses “enormes avanços” científicos, é capaz de colocar o sofrimento e cárcere desses animais em segundo, terceiro ou enésimo plano. Essa hubris científica, esse conhecimento pelo conhecimento, precisaria estar no mínimo amparado por um discurso mais honesto por parte dos cientistas. Perguntado pela reportagem do O GLOBO (http://oglobo.globo.com/ciencia/cientista-brasileiro-liga-cerebros-de-dois-ratos-pela-internet-7702236) se tal rede cerebral poderia ser testada em humanos, Nicolelis disse que tal experiência seria contra seus princípios éticos. Fica claro que Nicolelis (e muitos outros, inclusive os comentadores acima ou o autor desta matéria) desconhecem o que seja Ética e o que ela contempla, ou estão mentindo descaradamente. Aceitar a subjugação, a tortura, o cativeiro, e outras tantas violências contra animais não-humanos cognitivamente complexos, dotados de sociabilidade, sensibilidades e interesses específicos, é algo merecedor de fortes críticas. Adianto que atribuir a suposta exclusiva posse de racionalidade, cultura, linguagem, etc como direito à prática de violência extrema é argumento dos mais fracos. Que tipo de criaturas nos tornamos afinal?
Disclaimer: fui (ou sou) cientista na área biológica de ponta e sou crítico confesso de Nicolelis e afins.
Frank Alarcón
Caro Frank,
Minha intenção com este post não era discutir a ética do uso de animais em pesquisa. Mas vamos lá.
Não creio que a questão seja tão simples quanto seu comentário parece querer demonstrar. A pesquisa básica feita no campo das interfaces cérebro-máquina tem enorme potencial de aplicação no futuro, e o uso de animais me parece justificável. Todas essas pesquisas têm de passar por um comitê de ética nos EUA, e sempre se procura minimizar o sofrimento dos animais diante dos benefícios que a pesquisa pode trazer. Usar ratos e macacos para desenvolver uma tecnologia com potencial de devolver movimentos a pessoas paraplégicas no futuro me parece algo bastante equilibrado. E mesmo quando se trata do “conhecimento pelo conhecimento”, é preciso levar em conta os benefícios. Não existe ciência aplicada sem respaldo de ciência básica. Como sempre, as propostas de experimentos têm de ser avaliadas caso a caso, e existem comitês de ética para isso nos EUA e no Brasil.
Caro Rafael
Obrigado pelo comentário.
Entendo que este não seja o foco deste post ou deste blog mas entendo também que seja necessário esclarecer alguns fatos (ainda mais quando o assunto está intimamente vinculado ao fazer científico). Nicolelis (e outros) são controversos TAMBÉM por este assunto (o ético). E este assunto não é (ou não deveria ser) menos importante.
Não sejamos ingênuos. Comitês de Ética não são o que aparentam. Resumindo brutalmente o assunto, se existem 10 membros no comitê e 1 ou 2 pessoas contestam um dado procedimento ou conduta sobre experimentação, estes serão sempre votos numericamente vencidos. E sempre são! Veja: estamos falando de Ética sendo decidida na base da contagem de votos. É mais ou menos como se pudéssemos decidir o “sim ou não” à tortura com base em uma votação. Difícil, não? Mais controverso é quando a maioria dos membros do comitê é a principal interessada na manutenção da prática em questão. O exemplo da recente escolha do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias foi decidida pelo voto e ilustra muito bem o que acabei de dizer. Aliás, exemplos são inúmeros no Brasil e no mundo.
Comitês de Ética portanto, são meros aparatos de distração, é preciso esclarecer isso. No momento das discussões o que prevalece é o “Ok, ok, você “defensor” expôs seu ponto. Vamos terminar logo e votar?”. Em um recente congresso no RJ, proferi uma palestra em que se discutia o enorme conflito de interesses existente dentro do CONCEA (Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal) e dos Comitês de Ética regulados pelo CONCEA. Súbito, um ex-membro titular do CONCEA (que por mais de dois anos participou desses encontros) confirmou e externou como as decisões nessas reuniões são norteadas por princípios que fogem à lógica, à ética e giram ao redor de interesses políticos e financeiros. E por isso ele abdicou do cargo. Essa interpretação é corroborada diante da manifestação do Secretário da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisas e Desenvolvimento (MCTI) à época da reunião inaugural do CONCEA (ata da 1a reunião ordinária-2010), onde ele afirma que “o CONCEA é um avanço para o fortalecimento da indústria farmacêutica no Brasil”. Fortalecimento? Indústria? Você tem ideia das quantias movimentadas pela industria dos biotérios e a industria da experimentação? Você tem ideia do lobby farmacêutico no congresso?
Assim se pratica ciência no Brasil e no mundo. E este não é um assunto menos importante quando a integridade de outros seres vivos (humanos e não-humanos) é posta em risco (ainda que sob a propaganda de magníficos avanços). Sugiro uma pesquisa honesta sobre o que são de fato os Comitês de Ética no Brasil e no mundo e como projetos científicos “de ponta” tem raízes mais profundas do que se imagina.
Quanto ao “equilíbrado” e “justificação das pesquisas”, nada disso faz sentido se a argumentação é proferida por aquele que detém o poder de fazê-las. Ainda que à revelia.
Relembro: trabalho na ciência há décadas. Alguma base eu tenho para sugerir isso.
Finalmente… Sessões de comentários são um espaço pequeno para um assunto tão complexo. Isso pode ser melhor explorado.
Abçs.
Concordo com seus comentários. Essas experiências são fascinantes, mas assustadoras. O próprio Nicolelis disse que o próximo passo seria realizá-las em macacos. Ora, hoje em dia é razoavelmente estabelecido que essa espécie possui consciência e uma sensibilidade apurada. E quanto aos humanos, não me espantaria se essa técnica viesse a ser aplicada também, se não abertamente, em algum laboratório escondido (já imaginou como essa técnica pode ser útil na espionagem?). Eu sou a favor das pesquisas de integração homem-maquina, contanto que não invasivas. Ligar cérebros diretamente assim, sem conhecer todas as consequências disso, me lembra os Borgs de Star Trek…
Estamos diante de uma propositor do “abolicionismo animal”? A proposta seria, portanto, suspendermos toda pesquisa que necessite de modelos animais? O que diríamos aos portadores de problemas de saúde e lesões, e a seus familiares?
Acho que o Prf. Alarcon defende a revisão desses comités e critérios, não abolir pesquisas. Eu acho que pelo menos nos animais que suspeitamos terem consciência apenas experimentos interacionais seriam éticos. Mas no mínimo critérios que impeçam realmente o sofrimento animal já seria um avanço. Veja-se aqui: http://umaincertaantropologia.org/2012/08/23/manifesto-de-neurocientistas-sobre-a-consciencia-animal/
Veja que até o criador do iBrain assinou o manifesto, assim como cientistas do Caltech, MIT e Instituto Max Planck, não é coisa da PETA. Assim como tempos atrás negros, índios e asiáticos não entravam na conta como humanos, quem sabe no futuro daremos um lugar aos animais sob um conceito mais amplo de “humanos”.
Caro Sérgio e demais.
Colocarei de forma bem simples o tema.
Lembremo-nos primeiramente de alguns pontos:
Sistemas vivos complexos (cães, coelhos, porcos, ratos, aves, primatas, etc – mas não somente) são o resultado da operação de complexos mecanismos evolutivos ao longo de extensos períodos de tempo. Atendendo a premissa do continuum darwiniano, existem tanto semelhanças (semelhanças; e não identidades) como diferenças entre os mais variados seres vivos (supostamente, diferenças mais de grau do que de tipo). Esses organismos manifestam, em muitos casos, diferentes respostas a um mesmo estímulo – ou respostas semelhantes a diferentes estímulos – devido a (1) diferenças gênicas, (2) diferenças relativas a mutações em genes (ortólogos), (3) diferenças com relação a proteínas e sua atividade, (4) diferenças com relação à expressão e regulação gênica, (5) diferenças na interação proteínas-proteínas, proteínas e outras macro/micromoléculas, macro-macromoléculas, etc (6) diferenças com relação a organização fisiológica, (7) diferenças à exposição e resposta ambiental, (8) diferenças relativas à história evolutiva enfrentada, etc, etc, etc. A lista aqui não é exaustiva. É bem grande na verdade. Em suma: espécies distintas possuem cada uma, muitas peculiaridades biológicas. Se não fosse assim, se fossemos biologicamente equivalentes, não iríamos ao médico – e sim ao veterinário.
Dito isso, muitos dados científicos tem sugerido fortemente que temos usado como “modelos” científicos organismos, biologicamente falando, inapropriados em aspectos tremendamente cruciais. Exemplos de fácil compreensão: (a) Ratos – o principal modelo experimental de laboratório. Eles não possuem vesícula biliar como nós (podemos afirmar que isso é irrelevante?). E quanto às outras enormes diferenças anatômicas, bioquímicas e comportamentais? Quão profundas são suas relações na homeostase molecular do animal?; (b) Humanos reagem bem ao paracetamol, enquanto em cães, esse fármaco é praticamente um “veneno”. Mas nos esquecemos disso e muito mais, usando cães como modelo animal básico em nossas experimentações; (c) Em 2006, após um longo estudo pré-clínico de segurança com muitos primatas, sem óbitos ou problemas relevantes, a administração de uma droga imunomodulatória considerada segura, levou 6 homens ao coma quando de sua administração ( http://www.lancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736%2811%2960802-7/fulltext ); (d) Flosint, Zelmid, Nomifensina, Clioquinol, Eraldin, Opren, Zomax, Benzeno, Suprofeno, Clindamicina, Vioxx, etc (a lista é gigante) passaram incólumes em testes animais. Mas são letais ou muito nocivos e arriscados para uso humano. Poderia continuar por horas…
Um último exercício: Abra uma bula. Aspirina (ácido acetil salicílico). Uma molécula relativamente simples, com poucos graus de liberdade conformacional (comparada a uma pequena proteína). Veja a lista de efeitos colaterais constatados. Muitos? Poucos? São precisamente definidos ou conhecidos? Podemos evitá-los seguramente? Pois então. Esse é um pequeno e bom exemplo de como conhecemos e controlamos o que administramos a nós mesmos, crédulos de uma eficiência (estatística) garantida pela indústria farmacêutica/médica. Por sinal, bilionária, influente e poderosa.
Esses poucos exemplos, e muitos, muitos outros, não chegam a público de forma transparente. Seja por causa do jargão utilizado, seja por causa de interesses mercantis/midiáticos/políticos.
É preciso uma mudança de olhar e fazer científico.
Os “verdadeiros modelos” para o entendimento de humanos são os humanos. E mesmo assim com muitas ressalvas. Humanos já são muito diferentes entre si, molecularmente falando. Não fosse este o caso, transplantes de orgãos entre quaisquer humanos seria a regra. Nem gêmeos univitelinos são 100% idênticos em diversos aspectos. O que devemos dizer de organismos cuja distância biológica (molecularmente falando novamente) é imensa frente à nossa?
Perceba que até agora nem citei a controvérsia ética (não menos importante que a científica e que lamentavelmente é desprezada por conveniência e hipocrisia). A Ética entra em que parte dessa discussão? Ética e Ciência devem dialogar ou não? Como? Sob que pretexto coerente e decente podemos subtrair organismos de seu habitat, sua vida, seus interesses, seus desejos, etc, para subjugá-los a práticas lesivas e letais que sequer justificam-se metodologicamente? E mesmo que o fossem: isso não seria decadente? O discurso especista não se sustenta. Perceba que não há uma só “deficiência” atribuída a um animal não-humano (a suposta não posse de linguagem, cultura, razão, consciência, arte, etc) que não possa ser identificada em muitos representantes da espécie H.sapiens e que, mesmo assim, lhes confere, ab initio, proteção filosófica e prática de qualquer intervenção científica. A situação é tão absurda que uma mórula, uma blástula humana, tem resguardadas proteções que um cavalo, um cão ou um macaco adulto, com toda sua intrínseca complexidade, jamais recebeu consideração.
Enquanto sociedade, temos sustentado nossa prática científica em preceitos (éticos e metodológicos) muito equivocados. Os “ganhos” científicos obtidos impressionam porque não se revelam as perdas constatadas. Até porque as perdas são enfrentadas por organismos não-humanos com os quais pequena parte da sociedade se importa. Isso é imoral, irracional e degradante do ponto de vista filosófico/comportamental. Não acho que sejam valores que desejemos passar a nossos filhos e netos, suponho. Se forem, então deixemos a hipocrisia de lado.
É preciso não aceitar passivamente a realidade que nos tem sido administrada como se fosse um entorpecente, um remédio, uma droga que tomamos porque um sujeito-suposto-saber nos diz e receita. Se nos auto-intitulamos racionais, é preciso exercer essa competência crítica, imediatamente.
Do contrário, não teremos muita condição de usar a denominação sapiens como temos feito nos últimos séculos.
Saudações.
É sempre salutar a revisão de métodos que, afinal de contas, são um mal necessário (se causo doença ou lesão num animal de laboratório, por exemplo, claro que isso é um mal). O ideal é substituí-los o quanto antes, contanto que realmente os métodos substitutos proporcionem resultados de valor equivalente para a pesquisa.
Mas que fique claro: o “abolicionismo animal”, em última instância, não é compatível com a visão dos cientistas em geral, e de cidadãos apoiadores da pesquisa biomédica.
Os “abolicionistas”, aliás, gostam de forçar comparações com o escravagismo e genocídios. Não me surpreende. Mas uma coisa poderá nunca ser vista como equivalente às outras.
Michel Nicolelis é o tipo do cientista capaz de se fazer entender por leigos, pelo homem da rua. Em minhas aulas na universidade sempre dou seu exemplo. É um cientista comprometido com o conhecimento e com a felicidade humana. Essa briguinha e sua veiculação em espaço privilegiado na mídia é típica do nosso atraso. Se a humanidade está tirando proveito do trabalho dele, por que o Brasil não o faz mais e melhor? A mídia poderia contribuir para isso.
Difícil não concordar com Nicolelis a respeito de como os artigos da Folha o trata, haja visto esse texto que, em vez de mostrar sobre o significado e a importância do que ele tem feito, centra-se, de modo bastante duvidoso e irônico, sobre a sua personalidade – o que é curiosamente estranho quando se trata de um jornalista de ciência e não de fofoca.
Ingrid, aqui no jornal nós sempre noticiamos as pesquisas importantes que o prof. Nicolelis publica. Sempre. Os links para as últimas matérias estão no meu post, inclusive. O que está acontecendo em Natal agora, porém, não é só intriga e fofocagem. É um problema que colocou uma boa parte da comunidade neurocientífica do Brasil contra ele e resultou no esvaziamento do IINN. É uma coisa relevante do ponto de vista jornalístico, e nós precisamos cobrir. Quanto à ironia, sou irônico com todo mundo. Não é um privilégio do prof. Nicolelis.
Sr. Rafael.
Como pode ser Nicolelis “uma das personalidades mais controversas da ciência brasileira”? Me parece que essa classificação é sua apenas – “da ciência brasileira!! – e usada para dar suporte a um artigo estranho, no mínimo! logo abaixo, no mesmo texto, o senhor afirma que o conhece pouco, mas continua com outras categorizações.
– Irascível?
– Experimentos mirabolantes?
– Apropriado de idéia? O texto da Folha para o qual o senhor remete a partir da palavra “apropriado” diz o seguinte: “O manifesto questiona por que Nicolelis teria mantido sigilo sobre seu estudo publicado”. Entre manter sigilo e apropriar existe uma distancia quilométrica. Apropriar, no caso, é roubar – o que não está no texto.
Alcides, não é exagero chamar de controverso um pesquisador que rompeu com uma boa parte da comunidade científica brasileira da área em que ele trabalha e que chegou a ser alvo de um manifesto assinado por outros pesquisadores. É perfeitamente válido você questionar as críticas que os adversários dele fazem a ele no Brasil, mas não o fato de que ele criou adversários. Eu nunca questionei o fato de a ciência que ele produz ser de alta qualidade. É justamente por isso que ele é amado por uns e odiado por outros. Particularmente, acho o trabalho dele incrível, mas não é só isso que eu coloquei em discussão.
Você está correto em dizer que o manifesto não o acusa frontalmente de apropriação de idéias, mas essa é a sugestão que está embutida ali, sim. Se eles dizem que o cientista deveria ter proposto uma colaboração caso já estivesse trabalhando com experimento similar, isso implica que se ele não estivesse, o eventual uso dessa ideia configuraria apropriação dela, ou então omissão de informação. Nicolelis disse depois que “não se lembrava” de ter assisitido à apresentação em que o prof. Moraes propôs o experimento. Aparentemente os autores do manifesto consideraram essa resposta aceitável.
Os críticos a Nicolelis ouvidos pelo Roberto Takata esclareceram que o manifesto não questiona a originalidade de sua pesquisa. A questão é de fato dirigida a seu papel na coordenação de um comitê de pesquisa dedicado ao desenvolvimento da ciência brasileira. O argumento é o de que Nicolelis, em coerência com o objetivo do comitê e com seu papel de coordenador, deveria ter proposto colaboração entre seu laboratório e a equipe da UFMG, do professor Marcio Morais, aproveitando que ambos estavam trabalhando com implantes cerebrais e resposta a sinais infravermelhos. Essa colaboração poderia ter ampliado o acesso a recursos e as possibilidades de mais pesquisas do tipo, e imagino que seria especialmente positiva para o pessoal de Minas Gerais.
A crítica, portanto, não trata de uma grave ilegalidade, um furto de ideias, mas de falta de espírito colaborativo e iniciativa em prol do desenvolvimento científico, dentro de um grupo de excelência teoricamente montado para isso e devidamente contemplado com recursos públicos.
O manifesto expressa o entendimento desses pesquisadores de que Nicolelis estaria menos a serviço da ciência brasileira do que ele diz estar. Por tabela, quer dizer que ele e seu grupo não deveriam receber a atenção e recursos públicos nos níveis que vêm recebendo.
Prezado Rafael,
certamente há disputa de egos nessa questão envolvendo Nicolelis e os tais ex-colaboradores. Veja: este grupo que se separou do IINN só está em Natal hoje por causa do projeto liderado por Nicolelis e parece estranho que após anos eles tenham se ‘rebelado’. Especialmente seu líder, que trabalhou mais de uma década com Nicolelis, a quem chamava de ‘Pelé da neurociência’.
Há questionamentos dentro da Federal do RN a este grupo, por muitas pessoas. Mas não se sabe que tipo de blindagem eles tem e por qual motivo esses questionamentos não alcançam a grande mídia.
Abraços
Será que ele estuda a própria mente, os “motivos internos” que o fariam agir dessa forma?
A análise não condiz com a realidade. Falar que o Nicolelis não sabe trabalhar em grupo, tem um temperamento difícil ou é do tipo confusão é muita falta de crítica. Só no Brasil- os jornalistas ruins- mesmo para levantarem tais coisas. Porque nos EUA o cara é TOP pelos resultados alcançados e que talvez se expliquem devido sua competitividade assídua. Daí resultar uma luta por recursos e reconhecimento, aquilo típico de cientista americano.
Falar da vida pessoal de um cientista e falar de seu trabalho científico são coisas que deveriam ficar muito claras ao iniciar qualquer texto. Assim, parece que o autor quer desmoralizar o trabalho de Nicolelis por conta de sua personalidade. Misturando originalidade de idéias com textos que sugerem apropriação indevida.
Se essas são as críticas mais sérias aos trabalhos de Nicolelis, então esse cientista ainda vai muito longe.
Ribeiro, nunca escrevi nada sobre a vida pessoal do Prof. Nicolelis. Nada. Tudo o que você leu acima está ligado a atividades profissionais dele, e divulgar sua pesquisa é uma dessas atividades. E note que eu também não questionei a qualidade da pesquisa dele.
Muita gente acha que o papel do jornalista que cobre ciência é apenas traduzir para o público leigo aquilo que o cientista escreve no estudo. Não sei se essa é a sua opinião, mas não é assim que nós trabalhamos na Folha.
A ciência é uma atividade feita por gente, e onde tem gente existe debate, existe divergência de opinião, existem disputas de interesses etc. É assim dentro do laboratório, dentro da redação de jornal e dentro de qualquer ambiente social. Quando as relações humanas interferem na atividade científica, eu considero que isso pode ser um assunto de interesse jornalístico, sim.
Quanto a acusação de disputa sobre originalidade de ideias, ou de apropriação indevida de crédito, são duas coisas com uma divisão meio nebulosa, que já foi discutida nos comentários acima. Eu até respeito que você questione esse aspecto do meu texto, mas duas coisas que eu NÃO fiz foi bisbilhotar a vida pessoal do prof. Nicolelis ou tentar desmoralizá-lo.
A folha enfeita bonitinho quando quer.
Sou medico aposentado,fiz filosofia. A ciencia nao pode separar tanto da filosofia. Veja o livro S Pinker , a humildade dele,qdo no livro – ´Como a mente funciona´.. O livro do Nicolelis esta longe ,em todos os sentidos do K Popper – O eu seu cerebro´. Acrescentou quase nada. Assim a Neurociencia esta ainda de quatro, nao despresando os animais. E qualquer neurocientista que cresce ja vira ´Deus´. Ou poderiamos dizer que em materia de neurociencia ainda esta na ´Caverna de Platao´. Que bom que ele consegue investimentos, menos mal, mas poderia abaixar a bola…
Como leitor assíduo da folha e interessado que sou em artigos cientificos,(apesar de leigo) devo parabenizar Rafael Garcia por nos trazer á oportunidade deste debate raro e instigante,é notável como uma polemica atrai tantas mentes admiraveis para a luz do dia,para nosso deleite.
Obrigado a todos
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