O astrofísico que virou purê de ervilha
17/02/13 08:01O QUE VOCÊ FARIA de sua carreira depois ter trabalhado como astrofísico ao lado de Stephen Hawking, ter chefiado a divisão de pesquisa da Microsoft e ter publicado trabalhos importantes em climatologia? Quando Nathan Myhrvold se aposentou, foi para cozinha e resolveu testar algumas receitas.
Com a erudição e a criatividade desse americano de Seattle, porém, passar as tardes no fogão não poderia ser qualquer empreitada. Com recursos que acumulou ao longo dos anos, Myhrvold montou em 2007 um grande laboratório para estudar culinária, o Cooking Lab, onde recebia regularmente a visita de chefs e de outros cientistas.
O laboratório ganhou fama entre gourmets mundo afora após a publicação de “Modernist Cuisine“, uma enciclopédia de ciência gastronômica com cinco volumes, baseada em observações e experimentos conduzidos no laboratório.
Tomei contato com o trabalho de Myhrvold pela primeira vez ontem em Boston, onde está acontecendo agora o encontro anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência). Um dos quatro palestrantes do evento de ciência mais importante dos EUA era o físico-chef. (“Uma vez físico, você nunca deixa de ser físico.”)
Myhrvold diz ter começado a se interessar por cozinha porque a tradição criativa dos grandes chefes sempre foi um processo empírico, e o experimentalismo é um lado natural da ciência. Diferentemente de cientistas, porém, muitos grandes chefs não se preocupam em entender “por que” um prato é excepcional. Se uma receita dá certo, basta a eles repeti-la para que ela saia boa de novo.
Essa abordagem começou a mudar após inovações introduzidas por chefs como Ferran Adriá, do lendário restaurante catalão El Buli, que experimentava receitas de maneira mais analítica e controlada. Myhrvold certamente não é um Adriá, mas teve o mérito de elevar o experimentalismo culinário ao extremo. E sua obsessão teórica, além disso, não deixou nenhum detalhe de sua pratica culinária escapar de suas análises.
O cientista desvendou até mesmo a física de coisas simples como, por exemplo, por que pães em uma torradeira mal regulada queimam tão facilmente, indo do subtostado ao carbonizado em menos de um minuto. (“O albedo da torrada, sua capacidade de refletir radiação, cresce diminui à medida que ela fica mais escura, então mais radiação é absorvida, e a torrada tosta numa curva exponencial.”)
Em sua palestra, aprendi coisas que nunca terei a oportunidade de fazer, como tratar batata em banho de ultrassom para que fique mais crocante após a fritura. Ou, então, empregar uma centrífuga industrial de alta rotação para fazer purê de ervilha. (O processo separa a parte mais apetitosa da ervilha do amido e do óleo.)
Algumas dicas de sua palestra foram voltadas à cozinha doméstica, mostrando como aprimorar o sabor de comida comum. Criar uma estrutura de papel alumínio ao redor do carvão numa churrasqueira, por exemplo, ajuda a cozinhar a carne de maneira mais homogênenea, uma ideia extremamente simples, mas que nunca vi um churrasqueiro usar.
O melhor conselho de todos, porém, foi o método de Myhrvold para decantar vinho (em linguaguem não enochata: oxigenar a bebida para melhorar seu sabor). Em restaurantes finos, normalmente, os garçons usam um decânter, uma garrafa larga feita especialmente para circular o vinho, num ritual que costuma ser cheio de pompa. O cientista, porém, aplicou seus conhecimentos de físico-química para criar um método muito mais eficiente (e menos elegante) de decantar a bebida: bater o vinho no liquidificador, não importa quão caro seja.
“Isso faz melhorar drasticamente o sabor de vinhos tintos jovens”, disse o cientista, recomendando o método à plateia. “Mas minha parte preferida é olhar para a cara de horror das pessoas quando eu ponho um Bordeaux no liquidificador.”
Rafael, o trecho sobre o albedo da torrada não está errado? A medida que a torrada escurece, o albedo decresce e a torrada absorve mais radiação.
Acho que ocorreu um erro em “O albedo da torrada, sua capacidade de refletir radiação, cresce à medida que ela fica mais escura, então mais radiação é absorvida, e a torrada tosta numa curva exponencial”. O certo seria o albedo decresce a medida que ‘a torrada fica mais escura.
De fato, Dmitri, foi um equivoco meu. O albedo diminui e não aumenta. Já vou corrigir.
Será que é verdade???
Como estou morando na França, prometo à todos fazer a “oxigenação” de um bom vinho francês através do método menos elegante e dividir a minha opinião com os seguidores do blog.
Fiquei extremamente curioso!!!
Gente! Bater o vinho no liquidificar.. Que demais! Por isso amo física e ciência. E como ficarão os burocratas sommelier?! Entenderão a forma de pensar de Myhrvold? Nossa diversidade de possíbilidades de inovar, seja na cozinha ou na em qualquer aspecto da vida, é infinita. Isso sim é encantador.
O Steve Ashley fez parte da edição desse livro. Ganhou de presente os cinco volumes, que devem valer juntos uns 10 mil dólares.
Vou bater vinho no liquidificador, ah vou! Dane-se a elegância!
“ajuda a cozinhar a carne de maneira mais homogênenea, uma ideia extremamente simples, mas que nunca vi um churrasqueiro usar.”
Talvez porque todo churrasqueiro experiente saiba que a pior coisa que pode acontecer com a carne de churrasco, afora ser carbonizada, é ser cozida. Neste caso o melhor seria usar uma panela de pressão e esquecer a churrasqueira (e o churrasco).
OK, Jah. Você me flagrou num lapso linguístico. Eu quis dizer assar, em vez de cozinhar.
Mão à palmatória: Experimentei usar uma folha de papel alumínio na churrasqueira por sobre o braseiro, para evitar as chamas que a gordura pingando causam, e o resultado foi excelente. O braseiro ficou comportado e durou muito tempo, e o papel alumínio resistiu bravamente, evitando aquele expediente horroroso de salpicar água por sobre as brasas. Não sei se foi essa a intenção original da “estrutura ao redor do carvão”, mas vou adotar a prática.
jaH, desculpe a demora em aprovar o comentário. É que eu estava com um backlog enorme em me livrar da enxurrada de spams. Mas fico feliz que o experimento tenha dado certo!
Espero que usem um liquidificador de copo de vidro, de preferência exclusivo para esta operação, para evitar a contaminação que certamente alterará o sabor do vinho. Na verdade há um método muito mais simples para se oxigenar um líquido, e é simplesmente derramar de um recipiente para outro, de uma certa altura, várias vezes. É o que se faz quando a água para o café ou chá ferve acidentalmente e expulsa o ar pela ebulição, dando à infusão aquele gosto sem graça. É um dos motivos porque o café ou o chá fervido não prestam. Se prefere usar um decanter ou uma garrafa de coca-cola vazia, é questão de gosto.