100 trilhões de sinapses (parte 2)
22/01/13 17:01MAPEAR A TOTALIDADE de sinapses em um cérebro é uma meta defensável como um passo importante na evolução da neurociência, mas não será fácil. Propostas para investigação do conectoma humano completo tem sido comparadas com o projeto genoma, mas basta olhar para os números para se dar conta de quão mais difícil será esse outro projeto.
Enquanto o genoma humano tem cerca de 3 bilhões de bases nitrogenadas (as “letras” do DNA), o cérebro possui 100 bilhões de neurônios. E enquanto uma célula humana abriga cerca de 20 mil genes, o número de sinapses em um cérebro é da ordem de 100 trilhões.
Em “Connectome”, Sebastian Seung mostra também como a tecnologia para mapear essas conexões ainda é extremamente lenta e trabalhosa quando comparada às modernas máquinas de sequenciamento de DNA, que hoje operam automaticamente após o preparo de amostras.
Para fazer um mapa em 3-D das conexões entre os neurônios, é preciso “fatiar” um cérebro em lâminas extremamente finas, de 30 nanômetros (30 milionésimos de milímetro). Depois é necessário fotografar uma a uma, com um microscópio eletrônico, e “empilhar” as imagens para reconstruir a forma tridimensional.
O biólogo Sydney Brenner fez isso tudo manualmente na década de 1960 para mapear o sistema nervoso completo verme C. Elegans. Sua equipe, porém, teve doze anos de trabalho para dar conta desse animal microscópico, que possui apenas 302 neurônios e 7.000 sinapses. Para reconstruir as sinapses de um único milímetro cúbico de cérebro humano usando o mesmo procedimento, seria preciso empregar 100 mil técnicos durante dez anos.
Sem avanços na automatização desse processo, ficou claro, jamais será possível mapear o conectoma humano. Mas já há ideias surgindo.
Seung —junto de Jeff Litchman, da Universidade Harvard, e Ken Hayworth, da Universidade do Sul da Califórnia— já começaram a desenvolver tecnologia para preparar as amostras de microscópio automaticamente. Para isso, endurecem um cérebro em resina epóxi e usam um aparelho chamado ultramicrótomo, que possui uma fina lâmina de diamante, para segmentá-lo. A máquina fatia pedaços de cérebro como uma mortadela numa padaria, alinha uma a uma numa fita, e um microscópio vai lendo as imagens, fatia a fatia.
Esse processo é lento, mas de acordo com Seung, nem chega a ser o maior desafio do projeto. O pior problema é que análise das imagens obtidas ainda é difícil demais para a inteligência artificial de um computador. Tudo tem de ser feito com a assistência de um humano. Seung pesquisa maneiras de automatizar essa parte do processo, também, mas não possui uma resposta pronta ainda. Por enquanto, ele dirige o programa Wired Differently, no qual voluntários leigos podem ajudar a analisar as imagens.
O volume de dados gerado pelo processo todo, por fim, é o aspecto mais desanimador. Para reconstruir digitalmente um único milímetro cúbico de sinapses, um computador precisa armazenar 1 petabyte de dados —algo equivalente a 1 bilhão de fotos. Multiplique isso por mil se você quiser mapear o conectoma de um camundongo, e multiplique por mil de novo para mapear um cérebro humano.
O mapeamento do conectoma de um mamífero, estima Seung, produziria dados a uma taxa maior que o LHC, acelerador de partículas gigante que realiza o maior experimento científico em andamento hoje.
A esperança do pesquisador e de outros cientistas do projeto, portanto, é que a taxa de avanços em processamento de dados continue evoluindo segundo a chamada Lei de Moore —que prevê que essa capacidade dobre a cada dois anos.
Num cenário otimista, então, Seung estima que será possível mapear o conectoma de um camundongo dentro de dez anos. Só no final deste século, se o avanço tecnológico ocorrer a uma taxa razoável, é que será possível reconstruir todas as sinapses de um cérebro humano.
Até lá, técnicas mais rápidas e menos precisas —como a ressonância magnética por difusão— podem trazer avanços incrementais na compreensão da estrutura do cérebro. O Programa Conectoma Humano (escrito com iniciais maiúsculas) está fazendo isso hoje, mas não consegue enxergar o conectoma completo, apenas as fibras que revelam trajetórias de conjuntos de neurônios.
Seung argumenta que o mapeamento de conectomas que enxergam sinapses individuais é uma meta da qual a neurociência não pode escapar, caso pretenda um dia explicar efetivamente como o cérebro funciona. Para tentar compreender transtornos psiquiátricos no nível celular, então, será preciso mapear não apenas um conectoma, mas muitos. E entender como cérebros vivos operam nessa rede de conexões será o próximo passo.
Dado o desafio tecnológico que isso representa, é fácil cair em desânimo. O estágio atual da tecnologia e do conhecimento, porém, pelo menos já permitem estabelecer essa meta clara de avanço para a neurociência, algo que por si só tem sido difícil.
Não li o livro, mas o que me intriga nesta proposição é que além de difícil, poder ser inútil. Como esta técnica vai abordar o processo da plasticidade do cérebro, em que novas conexões são criadas e outras de desfazem? Isto ocorre continuamente. É este processo que permite a recuperação de pessoas que sofreram AVCs ou outras tipos de lesões.
Alguma solução certamente vai surgir. A física enfrentou desafio semelhante no estudo do átomo e suas partículas. O Príncipio da Incerteza foi um obstáculo ao avanço desta área até o formulação da Mecânica Quântica e sua abordagem probabilística.
Robert, o mapeamento do conectoma não vai resolver todas as questões da neurociência, assim como o sequenciamento do genoma não resolveu todas as questões da genética. Isso não quer dizer, porém, que entender a rede de conexões no cérebro seja inútil. É possível imaginar muitas maneiras de usar esse conhecimento para produzir algo relevante. Comparar o cérebro de pessoas com transtornos psiquiátricos com o de pessoas saudáveis, por exemplo, seria uma linha de pesquisa desejável.
O que talvez seja um exagero é apostar que o mapeamento do conectoma –algo que, a rigor, será um trabalho de anatomia– vai levar a psiquiatria a se tornar inevitavelmente uma ciência médica bem estabelecida em fisiologia (algo que ela ainda não é). Mas é defensável que o essa empreitada precisa ser encarada pelos neurocientistas cedo ou tarde.
Foi omitido dado importante: o número de animais que terão de ser mortos.
Para que?
Para uma inutilidade.
Adoro a coluna, adorei este texto sobre o conectoma e gostei mais ainda do comentário e resposta.
Obrigada Rafael! e obrigada Robert!
luiza
No site da revista The Atlantic encontrei esta nota sobre o tema: http://www.theatlantic.com/video/archive/2012/07/science-bytes-episode-1-blueprint-for-the-brain/260397/
O vídeo pode ser visto neste site: http://www.sciencebytes.org/category/blueprint-for-the-brain/
Achei muito interessante o segundo artigo sobre as sinapses do cérebro. Devemos ter em mente que é um estudo muito minucioso as pesquisas que envolvem o cérebro. De uma complexidade enorme. Embora acredito que será possível conseguirmos mapear nossos neurônios. Acho interessante eles defenderem que é difícil pro computador ler as informações . Defendo que a maior máquina é nosso cérebro. Por mais que o computador consiga armazenar dados de forma lógica, nosso HD é insubstituível.
Gostei muito do artigo. Espero a parte 3!
Estes números podem ser modestos e em uma estimativa “imponderável” pode chegar a casa do quatrilhão. Dez elevado a décima quinta potencia. É muita conexão e muita complexidade. O fato é que não paramos de conhecer e nem de descobrir. Fantástico!
Gerson.
Vivemos num universo imensurável e,temos no nosso cérebro um outro universo que aos poucos o homem tenta decifrá-lo , alcançando assim a descoberta e avanço na pesquisa de doenças neurológicas ainda incuráveis.
Sebastian Seung: Eu sou meu conectoma http://www.ted.com/talks/sebastian_seung.html
Eu me pergunto se há um conectoma padrão ou se não varia demais de indivíduo para indivíduo.
Qtos cérebros vão usar pra dar conta de eventuais variações individuais?
[]s,
Roberto Takata
A variabilidade individual é muito grande. Não somente no que diz respeito ao número de cromossomos em cada neurônio ( http://www.pnas.org/content/98/23/13361.short ) como em relação a elementos “moveis” (L1 elements) no genoma neuronal (mosaicismo neuronal): ( http://www.scientificamerican.com/article.cfm?id=what-makes-each-brain-unique ).
O que diremos então da variabilidade de esquemas conectivos entre neurônios.
Rgds.
Frank
Talvez usem um inicialmente. Um sem transtorno psiquiatrico, dada a complexidade de mapear um. Fatiar em nanoparticulas… Desse ponto parte para um esquisofrenico por exemplo, e mapeia. Compara. E isso vai ser incrível. Poder ajudar muitas pessoas doentes do cerebro. Desejo que avance mais rápido, que surja novas ideias e possibilidades. Abraço a todos! Boa sorte aos neurocientistas. Vou incentivar minha neta a gostar do assunto!