100 trilhões de sinapses (parte 1)
16/01/13 10:59DOIS ANOS ATRáS, quando fui bolsista num programa acadêmico para jornalistas de ciência nos EUA, fiquei intrigado quando fui pedir ao instrutor de um curso de neurociências que me deixasse acompanhar as aulas como ouvinte. Sebastian Seung, um neurocientista americano de ascendência coreana, mais parecia um figurante saído do clip de Gangnam Style do que um professor-titular do renomado MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
Usando uma camisa cheia de cores, uma calça esfarrapada e um tênis prateado, o pesquisador facilmente se confundia com um aluno de graduação, apesar dos seus 44 anos. Seung me deu acesso à classe, e numa de suas primeiras aulas descobri que ele era uma das figuras-chave num dos programas mais ambiciosos da neurociência contemporânea. Sua meta é criar uma técnica de análise para mapear o chamado “conectoma” humano –o conjunto total de sinapses, as conexões entre neurônios do cérebro e do restante do sistema nervoso.
Sebastian Seung (Foto: arquivo pessoal)
Contrastando com seu figurino extravagante, suas aulas eram relativamente formais. O curso tinha o programa dividido entre três professores, e Seung tinha assumido a função de descrever aos calouros do MIT a anatomia e fisiologia de um neurônio individual, tarefa que cumpriu com uma detalhamento e uma determinação admiráveis.
O talento de Seung para lidar com o público não iniciado pode ser apreciado agora em “Connectome”, livro que o pesquisador lançou no ano passado, ainda sem tradução para o português. A obra descreve o como e o porquê do projeto de mapeamento do conectoma humano. Sua tese básica é a de que o cérebro é um órgão mal compreendido porque seu funcionamento só vai se revelar para valer quando cientistas puderem computar todas as sinapses.
Essa promessa de avanço futuro, que requer o uso de uma ferramenta ainda inexistente, pode levantar suspeitas entre os mais céticos. O avanço da neurociência tem sido mais lento do que muitas pessoas esperavam algumas décadas atrás, e colocar o mapeamento do conectoma como precondição para que esta área da ciência dê uma volta por cima pode soar como uma justificativa para a demora.
O neurocientista Eric Kandel, ganhador do prêmio Nobel de Medicina de 2000, já afirmou que esse problema acabou colocando a psiquiatria numa crise, tornando-a incapaz de descrever transtornos mentais com base em biologia. Quase todos os males psiquiátricos são diagnosticados só com base em comportamento e em sintomas, em vez radiografias e testes de sangue, como faz a oncologia. A nova versão do DSM, o manual mais influente da psiquiatria, estava tentando mudar sua abordagem, mas desistiu diante da falta de conhecimento necessário para tal. (Luis Augusto Rohde, cientista gaúcho que participou da elaboração do manual, falou sobre essa frustração em entrevista recente à Folha.)
Não existe saída fácil dessa encruzilhada, e o principal mérito de Seung talvez seja o de tentar vislumbrar uma solução sem desprezar a gravidade do problema. Alguns neurocientistas defendem que as pesquisa sobre fisiologia do cérebro feitas com base em máquinas sofisitacadas de ressonância magnética seja traduzidas diretamente para a psiquiatria, mas o professor do MIT se diz cético quanto às esperanças de avanço. Esse tipo de tecnologia ainda é muito impreciso para captar o emaranhado de neurônios em escala minúscula, e Seung os classifica como neo-frenologistas –numa alusão à pseudociência da frenologia, que no século 19 buscava diagnosticar transtornos mentais examinando o formato do crânio das pessoas.
Seung não usa esse termo de forma ofensiva, porém, e reconhece que a ressonância magnética trouxe muitos avanços na compreensão de como o cérebro funciona. O progresso, porém, foi insuficiente. Não podemos atribuir um diagnóstico de depressão, autismo ou esquizofrenia, ainda, apenas com base em imagens do cérebro.
A solução para que psiquiatria cumpra sua ambição, segundo Seung, seria o sequenciamento de todos os neurônios humanos, uma empreitada que, de maneira modesta, já começou. O objetivo é analisar um cérebro humano, que possui cerca de 100 bilhões de neurônios, para mapear todas as sinapses que os conectam uns aos outros, estimadas em algo na ordem de 100 trilhões. Como já falei demais aqui, deixo para o próximo post uma descrição melhor sobre o projeto de Seung.
E O CÉREBRO CRIOU O HOMEM – Título de um livro de autoria do neurocientista Antônio R. Damásio. Leitura interessante relacionada ao tema em questão.
Redes bombando no sec xxi
Duas correções no texto: troque a palavra “sistemana” por “sistema” no final do segundo parágrafo e falta alguma coisa após a palavra “suas” no terceiro parágrafo.
Sirio, obrigado pela leitura atenta. Os erros foram corrigidos já.
Bacana! Aguardo a sequencia! Abs!
Ora, o sequenciamento do DNA tem sido mais eficiente, é do DNA que surge um cérebro.
Autismo, esquizofrenia e outros problemas já têm genes catalogados como influenciáveis deles. Ainda não completo, claro, mas é só uma questão de tempo e, no caso do assunto do artigo, também.
Quando juntarem o conhecimento do conectoma com o do DNA, o cerco se completará.
A informação para formação do cérebro está no DNA mas eles buscam caracterizar a interação de tecidos já diferenciados, onde existem genes silenciados e tipos diferentes de neurônios.
Não será isso como o projeto genoma, que também se achou que ia decifrar os mistérios da vida? É o velho paradigma científico de achar que quantificando irá se compreender tudo. Não sei, acho que a mente é mais que o cérebro, não só no sentido teórico (como nas suposições do Dr. Penrose), mas também no sentido da nossa atuação total no mundo.
O projeto Genoma, sim, vai trazer avanços de conhecimento fundamentais para a cura de muitas doenças, mas quer que aconteça de dia para a noite?
A Europa já concedeu a primeira autorização de uma terapia genômica para consertar um problema de dificuldade de o corpo lidar com células de gordura.
Cientistas também já sabem como consertar o gene defeituoso que gera a Sindrome de Down.
A mente é vista cada vez mais como epifenômeno do que acontece no cérebro. Antes de termos consciência das decisões que tomamos, o cérebro as tomou segundos antes. Isso já se sabe há 20 anos, usando-se imagens de ressonância magnética.
Com certeza o projeto Genoma vai dar muitos frutos. Minha questão não era essa. Era a tendencia ao determinismo genético, que hoje, inclusive através de pesquisas derivadas desse projeto, é cada vez mais questionado. Da mesma forma, porque a mente é mediada pelo cérebro, não significa que é um epifenômeno deste. Vejam as obras de Tomasello e Damásio, por exemplo, onde eles argumentam que sem um meio cultural e social a mente simplesmente não se forma. Não sou contra essas pesquisas, só espero que tenhamos sabedorias para usá-las. Com a quantificação vem o controle, com o controle, o uso. Se o conhecimento de nossa biologia hoje em dia gerou a mercantilização da saúde, imaginem se passássemos a controlar a mente? A Natureza tem sido sábia em tornar o conhecimento da mente elusivo.
Pablo, parabéns pela lucidez.
Questionado? É óbvio que algumas pessoas reclamam porque as coisas não estão correndo na velocidade que imaginavam que iria acontecer, mas quem mais reclama são os ignorantes que não se tocam como era há 10 anos ou 50 anos atrás. Todo dia tem novidade, acabaram de achar uma particularidade de células humanas terem 4 espirais de DNA e elas podem ter a ver com câncer, mais uma “porta se abriu” de pesquisa, importante. É assim que se faz ciência, abrindo “caixinhas pretas” e trazendo mais conhecimento, que algum dia será útil para todos.
A única forma de conseguir conhecimento nesse mundo sabe qual é? Ciência. Método científico. Antes de algo ser usado precisa ser provado que vai funcionar, que vai ter riscos controlados. Funciona. Você entra no elevador e ele não cai por quê? Por “determinismo chutômetro”? Por “determinismo religioso”? Porque o elevador foi com a sua cara? Porque foi o seu dia de sorte? Porque você está segurando uma Biblia? kkkk… Não faça onda, você sabe muito bem da importância do Projeto Genoma e de toda a pesquisa cientifica que se faz nesse mundo. Saímos das cavernas e você está aí usando um computador porque a ciência encontra verdades sobre as coisas desse universo e as põe para resolver problemas ou melhorar alguma coisa. O conhecimento não vem de livros esotéricos nem livros escritos por primitivos que falavam de mitos.
A mente se formou na interação com o meio ambiente, e como somos espécies que vivemos em grupo, é óbvio que nessa interação ela sofre reflexos, mas antes o cérebro precisou crescer e cresceu com cozimento dos alimentos e consumo de carne. Sem um bom “substrato”, nada funciona. Sem o substrato operacionalmente adequado, você é uma pessoa com problemas. Use drogas que alteram a quimica do cérebro, vai ter problemas. Tenha Alzheimer e você perderá a consciência do eu, a mente se esvai. Porque para ter mente e consciência precisa ter “substrato” e memória operacionais.
Repito, a neurosciência já sabe, há 20 anos, que a decisão que você ACHA que tomou já tinha sido tomada pelo cérebro segundos antes, queira aceitar ou não.
Cientistas removem cromossomo extra que causa síndrome de Down
http://www.saocamilo-sp.br/novo/noticias/cientistas-removem-cromossomo-extra-que-causa-sindrome-de-down.php
Quantificando é a forma que funciona a ciência.
Com dados reais, do mundo real.
E por isso compreendemos cada vez mais como tudo funciona. E sabemos cada vez mais.
E é por isso você está usando esse computador aí que funciona de forma muito eficiente.
A ciência funciona assim, com certeza (e muito bem), mas a humanidade não. Não dá pra quantificar o quanto aprecio ou não o seu comentário, por exemplo. E o dia que isso for possível vamos nos arrepender amargamente de o ter conseguido.
É curioso o seu comentário porque o ser humano está cada mais “quantificável”, inclusive os pensamentos.
“Scientists Reconstruct Brains’ Visions Into Digital Video In Historic Experiment”
http://gizmodo.com/5843117/scientists-reconstruct-video-clips-from-brain-activity
Essa máquina vai ser usada para transformar seus sonhos em vídeo.
Mais uma para você “digerir”…. cuidado para não passar mal…
Pacientes em estado vegetativo dentro de um tomógrafo têm respondido a perguntas de médicos sobre o estado deles, se estão sentindo dores, por exemplo.
Quem respondeu? O cérebro, que foi captado em imagens pelo tomógrafo. Eles não estão com a mente operacional, são vegetativos. Que interessante, não?
Agora fico imaginando o tamanho da sua ingenuidade e ignorância cientifica imaginando que a ciência não poderia quantificar o que acontece no cérebro (e por consequencia, na mente). “Captou” aí?? kkk…
Alfredo, você está querendo ganhar uma discussão, em vez de ler o que escrevi. Conheço todas essas referências que você coloca porque meu doutorado é em epistemologia (olha lá quando cito Damásio e Tomasello, conheces?). A quantificação atual, em termos neurológicos é parcial, como o Rafael Garcia apontou lá em cima. Mesmo que cheguemos ao controle total, é o que eu pergunto, para que servirá isso? Quantificamos e controlamos o átomo, e tivemos medicina e energia nuclear. Mas para que serve mesmo a bomba atômica?? Entendeu? A bomba atômica ninguém usa porque todos saem perdendo, mas controlar a mente das pessoas é uma corrida atrás da qual estão multinacionais, empresários e políticos inescrupulosos e ditadores de plantão. Ou seja, entender a mente apenas quantificando-a não vai redundar em alguma sabedoria que nos faça usar de forma socialmente responsável esse conhecimento.
Epistemiologia não é neurosciência.
Filosofia já era, véio, desde que a ciência surgiu, não tem mais filósofos nos laboratórios, na Biologia, na Fisica, na Matemática, na Engenharia, fazendo ciência e gerando CONHECIMENTO REAL.
Filosofia especula, neurosciência entende na real como as coisas funcionam no cérebro.
Você usando a Epistemiologia para entender como o cérebro funciona é o mesmo que querer saber como a língua humana funciona pelas palavras que ela ajuda a formar…rsrs… não usando a anatomia, fisiologia, DNA, embriologia, biologia, etc…
Entendeu a diferença?
Como falei antes (sumiram com meu comentário anterior), essa me parece a mesma ambição reducionista do projeto genoma (sem desqualificar aqui as contribuições colaterais desses estudos). Mas para mim a mente é mais que o cérebro, tanto como possibilidade teórica (como nas suposições do Dr. Penrose) como no sentido da nossa atuação total no mundo (paradigma atuacionista).
Mas então, considerando que o cérebro é como uma central que responde aos estímulos do ambiente, a computação das sinapses deve abarcar todos os neurônios do corpo, porque muitas funções vitais não se restringem ao cérebro, visto a função das glândulas, principalmente as hormonais que atuam com retorno para ele; além de todos os sentidos.. todas as terminações na pele!
Entendi que esse sequenciamento dos tipos de neurônios em uma pessoa sadia, na verdade, mostraria quais os genes estão ativos/silenciados em cada região – certo?
E isso, aliado ao número das sinapses, possibilitaria a sua simulação virtual.
Seria a chave pra entender os níveis de consciência entre humanos e outros animais.
É o que falta também pra avançar na criação de ciborgues:
http://www.youtube.com/watch?v=hvW3JhAQlTE
As glândulas hormonais são comandadas pelo cérebro.
“Hipófise: a glândula principal”
A hipófise, uma glândula do tamanho de uma ervilha que está situada por baixo do cérebro, produz uma grande quantidade de hormonas, cada uma das quais afecta uma parte específica do corpo (o órgão ao qual se dirige a hormona). Como a hipófise controla o funcionamento da maioria das outras glândulas endócrinas, com frequência recebe o nome de glândula principal
http://www.manualmerck.net/?id=170
E por falar em terminações de pele e glandulas sudoriparas… Lá vem o hipotálamo… que está no cérebro.
“O hipotálamo, também constituído por substância cinzenta, é o principal centro integrador das atividades dos órgãos viscerais, sendo um dos principais responsáveis pela homeostase corporal. Ele faz ligação entre o sistema nervoso e o sistema endócrino, atuando na ativação de diversas glândulas endócrinas.”
http://www.guia.heu.nom.br/hipotalomo.htm
Exatamente, mas a questão é a interação e não quem inicia o processo. Em primeiro lugar, são os estímulos externos que controlam o cérebro, começando pelo ciclo circadiano, determinado pela luz.
Temos que ver o corpo como uma extensão do cérebro no funcionamento fisiológico.
Ora, em primeira instância ele depende do bombeamento sanguíneo para transporte dos gases, dos nutrientes e inclusive para interação hormonal. As substâncias liberadas pela hipófise têm alvos específicos e sem esses alvos não teria sentido esse mecanismo, toda essa interação fisiológica que é produto da evolução animal.
Pesquise sobre o ciclo menstrual por exemplo pra entender o “feedback” hormonal na produção de FSH e LH.
Outro exemplo da influência direta que outros órgãos têm no cérebro é quando um bebê toca o peito ou suga o leite da mãe e estimula a síntese da ocitocina pelo hipotálamo e liberação desta pela hipófise…
A modificação no genoma pode ser eficaz na prevenção de certas doenças psicológias. Já nos casos em que a doenças já está instalada é possível observar em alguns caos determinada repetição de atividade cerebral da qual o mapeamento de sinapses seria útil a interrupção desse padrão ou uma terapia que conseguisse uma troca de sinapses poderia ser promissora.
Que tal uma reprogramação? Essa notícia tem alguns dias…
“Cientistas reprogramam neurônios de filhotes de ratos”
Ao manipular os compostos certos, cientistas converteram um tipo de neurônio em outro, verificando que essas células podem se adaptar mesmo depois de já formadas.
http://www.tecmundo.com.br/mega-curioso/35290-cientistas-reprogramam-neuronios-de-filhotes-de-ratos.htm#ixzz2IlqBPjG5
Neurocientistas da UFRJ comprovaram há anos que são cerca 80 bilhões de neurônios, não 100 bilhões, é uma diferença significativa. E isso provocará uma redução ainda maior nos possíveis 100 trilhões de sinapses, para 70 trilhões ou menos.
Hugo, eu conheço o estudo da Suzana Herculano-Houzel sobre a estimativa de 80 bilhões, que é muito legal, por sinal. Mas ele ainda é uma estimativa, não uma comprovação. E ainda não foi reproduzido também. Um número preciso só sairia de uma mapeamento mais completo do cérebro. Já o número de sinapses tem estimativas tão variadas como 100 trilhões ou 500 trilhões. Mas tudo “na ordem” das centenas de trilhões, como eu escrevi no post. Além disso, o número de sinapses não cresce em proporção direta com o número de neurônios. A conta que você fez, então, não vale. Um número mais preciso só sairia de um mapeamento detalhado, o que os cientistas ainda não têm.
Sou a favor do conhecimento, por isto mesmo tenho perguntas:
Gostaria de saber qual o interesse egoísta envolvido nas pesquisas científicas em geral?
Que divina personagem autenticou o juízo de valor do cientista, segundo o qual o mundo está errado e defeituoso?
Quem irá verificar a sanidade incólume do cientista, que talvez precise ter as sinapses verificadas? Da mesma maneira aquele que irá verificá-las?
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