Obama, Romney e os cientistas
05/09/12 08:01DURANTE OS OITO ANOS de governo George W. Bush, a imagem do Partido Republicano em meio à comunidade científica dos Estados Unidos sofreu um profundo abalo em razão do desprezo do então presidente pelo papel da ciência na elaboração de políticas públicas. Eu imaginava que agora, na condição de oposição, republicanos tentariam um movimento de reaproximação, pois cientistas são um grupo formador de opinião importante para conseguir votos em meio a parcela liberal mais ao centro do eleitorado. Não foi desta vez, porém.
A revista “Scientific American” publicou ontem um interessante debate virtual entre o candidato republicano à presidência, Mitt Romney, e o democrata Barack Obama, que busca a reeleição. Os dois ofereceram respostas por escrito a 14 questões elaboradas pelos editores da publicação. Não enxerguei em Romney nem mesmo a tênue mudança de mentalidade que eu esperava ter ocorrido entre os republicanos com relação a assuntos como mudança climática, vigilância sanitária e proteção ambiental.
O material da revista, que presta um serviço extremamente importante, é previsivelmente longo e chato. Em várias questões os dois candidatos (sobretudo o republicano) preferiram copiar/colar a retórica seus programas de governo a responder diretamente às questões. Ainda assim, foi possível enxergar a despreocupação de Romney em conquistar cientistas.
Para começar, o republicano perdeu a chance de embarcar em um movimento de seu próprio partido que finalmente busca reconhecer o aquecimento global como problema importante. Ele não nega frontalmente as evidências, mas bate na tecla de que “falta consenso científico sobre o tema (…) quanto à extensão do aquecimento, a extensão da contribuição humana, e a severidade dos riscos”. Era o jeito mais educado possível de não decepcionar os negacionistas do aquecimento global sem parecer um maluco que não quer mais enxergar os fatos.
Não que Obama —o homem que liderou o esvaziamento do acordo do clima em Copenhague— tenha se saído muito melhor. Seu discurso em torno do investimento em tecnologias limpas não tem muito respaldo em números, mas pelo menos não se apoia no desprezo ao IPCC, o foro científico criado para discutir o problema.
Outro assunto onde houve uma certa diferença foi a inovação na área de pesquisa médica. Romney acusou Obama três vezes de atrapalhar a FDA (a agência de vigilância sanitária dos EUA). Para ele, a má relação da Casa Branca com o departamento e os critérios rigorosos para aprovação de drogas vão expor o país a pandemias e prejudicar a segurança alimentar. Não respondeu à pergunta da “SciAm” sobre a crescente preocupação do público americano sobre o uso de antibióticos, hormônios e pesticidas em alimentos.
E se Romney pretende seduzir o lobby das indústrias agrária e farmacêutica para sua campanha, o convite está feito. Prometeu que, se vencer, “o FDA vai trabalhar mais próximo à indústria” e “colaborar com cientistas e agências estatais” para criar “políticas sensatas que facilitem a inovação”.
No debate ambiental, Romney diz que a política de Obama para controle da poluição por mercúrio tem um “custo-benefício” ruim, e não passa de uma cartada oculta para prejudicar a indústria de carvão (que emite o poluente no processo de mineração). OK. O sistema de fiscalização de Obama pode ser caro e mal planejado, mas eu me pergunto se um candidato que defende as carvoarias como plataforma de geração de emprego teria interesse em dar um jeito nisso.
Se Obama quer aniquilar a indústria do carvão, porém, o que se sabe é que vai fazê-lo para favorecer o gás natural. É um combustível menos poluente, é verdade, mas está sendo vendido como política de “transição” para a redução de emissões de gases do efeito estufa —um certo contra-senso para um combustível fóssil.
Há outros pontos interessantes do debate, como a questão do orçamento da Nasa, que sofreu cortes. Obama contorna a questão repetindo a promessa de mandar o homem para Marte até 2040 (duas décadas e meia depois de ele deixar a presidência). Romney propõe usar a agência espacial como alavanca de geração de empregos (algo complexo para quem diz querer enxugar o Estado), sem falar em objetivos.
O restante do debate segue num clima um pouco morno, mas está claro que Romney desistiu de tentar se aproximar mais da comunidade científica. Resta saber se isso é algo que vai favorecê-lo ou não. A liderança de Obama nas pesquisas é frágil e a parcela mais conservadora do público —aquela que vê cientistas como militantes numa cruzada pelo ateísmo— pode render votos. (A revista que promoveu o debate, aliás, não tocou no problema do criacionismo e dificuldades similares em educação científica.)
O debate “técnico” mais importante, por fim, —o de como os EUA farão para manter sua produtividade científica em um momento orçamentário difícil— não rendeu muitos insights. Essa é a questão que afeta a todos os cientistas no mundo, inclusive no Brasil, que pegam carona em colaborações internacionais com dinheiro americano e usam dados produzidos pelos EUA (responsável por mais de 20% da produção científica mundial) para fazer pesquisa. Se queríamos vislumbrar o futuro, ficamos sem resposta.
Prezado Rafael,
Segundo Romney,
“falta consenso científico sobre o tema (…) quanto à extensão do aquecimento, a extensão da contribuição humana, e a severidade dos riscos”.
Perfeito. Ele apenas falou a verdade. Não existe consenso mesmo. Apenas tapa-se os ouvidos para vozes dissidentes e se amplifica o alarmismo promovido por aqueles que se beneficiam de fartas verbas do pagador do imposto destinadas para “investigar os impactos das mudanças climáticas” ou para empreendimentos duvidosos em energias renováveis (Solyndra é apenas um).
Diante da crise mundial e do monstruoso deficit americano, parece insano destinar dezenas de bilhões de dólares para um problema que, apesar de vc atribuir como “fato”, as evidências empíricas são fraquíssimas e apenas existem e sobrevivem e em modelos CO2-centrados, já comprovadamente falhos.
Obama reza pela cartilha de uma elite mundial com sede nas nobrezas do leste europeu. Nos EUA ele representa um “cavalo de tróia”, plantado lá para promover a agenda de Bruxelas. Para isto conta com o apoio explícito da mídia com viés liberal/democrata (que representa a maioria dos meios de comunicação).
A disputa está equilibrada e as “mudanças climáticas” são um tema tóxico. A maioria da população, segundo recentes pools, não está assim tão convencida do problema como estava no auge do alarmismo em 2007. Neste sentido, a maioria da população americada está se tornando “cética”, ou “negacionista” como vc chama. Os democratas sabem disso, daí que na última convenção deles, nesta semana, o termo “mudança climática” foi mencionado apenas 1 vez em 80 discursos…
Não sei exatamente o que o Romney vai fazer, se eleito, para desmontar esta máquina que se auto-alimenta através de pré-releases de pesquisas não publicadas distribuidas para certos hubs da mídia que se encarregam de alardear o conteúdo “como verdade” mesmo antes de passar pela revisão por pares.
Acho que ele não conseguirá desmontar. Mas pelo menos será saudável confrontar os tais “fatos” à luz de evidências empíricas mais convincentes. Enquanto isto, a natureza se encarregará do resto, como já sinaliza com as temperaturas há mais de 10 anos, apesar de um ou outro fenômeno fartamente amplificado pela mesma mídia que tem ativos investidos no mercado de carbono e outras.
Saudações
Viktor
Caro Viktor,
Li um interessante artigo do Stefan Rahmstorf hoje na “New Scientist”. Acho que vai te interessar: http://www.newscientist.com/article/mg21528804.400-hot-enough-for-you.html
Não sei onde você leu que a mudança climática só foi mencionada uma vez em 80 discursos. Deve ter sido no discurso principal do presidente Obama ontem à noite, onde ele falou de vários assuntos “tóxicos”, como não legar para as futuras gerações o problema do aquecimento global e usar o investimento em inovação em tecnologias de geração de energia limpa para aquecer a economia.
O presidente Obama, aliás, está conseguindo ser bem discreto na tentativa dele de implantar o regime comunista aqui. Os US$ 700 bilhões que ele gastou no bailout com os bancos, por exemplo, estão surtindo efeito. Foi apenas um troquinho que ele gastou para esconder as intenções dele de planificar a economia dos EUA.
Por fim, não sei quais são as “pesquisas não publicadas” das quais você está falando, aliás. Até onde eu sei, são os negacionistas da mudança climática que andam reclamando que não conseguem mais publicar em revistas indexadas e com pareceristas rigorosos. A maioria dos papers sobre os quais eu escrevo são publicados, sim. “Alarmismo amplificado”, aliás, é um bom termo para definir o grupo negacionista. Nunca vi tão pouca gente conseguir fazer tanto barulho aqui. Não aguento mais ver anúncios pagos pela indústria do carvão na TV. Se você vier aqui para Washington para passear na rua K, vai aprender com o pessoal lá a amplificar sua voz de um jeito bem mais eficiente do que ficar comentando no meu blog. O único problema é que os verões aqui estão trazendo um calor infernal.
Atenciosamente,
Rafael
Rafael,
Já tinha lido o artigo indicado por vc. Mas, de novo, entra-se em um terreno de especulações. E se macacos começarem a voar em 2013 ? E se os Maias estiverem certos ? Típico artigo para “levar com a barriga” a imaginação das pessoas. Sinceramente. Esta campanha aí irá marcar um tipping-point sobre o assunto.
Sobre as falas mencionando “climate change” na convenção dos democratas, tirei daqui:
Climate change so serious Democrats mention it once in over 80 speeches over two days
http://dailycaller.com/2012/09/06/climate-change-so-serious-democrats-mention-it-once-in-over-80-speeches-over-two-days/#ixzz25ozvMUej
Deu para ver pelos seus 3 primeiros parágrafos, que vc seria um eleitor de Obama. Nada contra. Cada um vota em quem quer. É um direito das pessoas, não é ? Ou temos que votar em quem a mídia engajada escolhe ?
As pesquisas não publicadas se referem a resultados de pesquisa que antes de aparecerem nos periódicos especializados são divulgadas com todo o estardalhaço na mídia. Vide Richard Muller, o pseudo-cético “convertido”, p.ex.
A opinião pública nem vai saber depois que o paper não passou na revisão por pares. Mas, o estrago já estará feito. Não basta os tais “97% de consenso” que frequentemente é regurgitado pela mídia ativsta-enrrustida, e que no final revelou-se um embuste ?
Talvez seria interessante vc postar alguma coisa sobre a recente e desastrada “pesquisa” do Prof. Stefham Lewandovsky, que tenta linkar o ceticismo sobre o alarmismo climático com o fato de não acreditar que o homem foi na lua. Um autentico tiro-no-pé. É esta falta de ética e de integridade que está levando o movimento do aquecimento global catastrófico e sagrado ao fim, “antes do que previamos”.
Talvez seria interessante também falar que Obama foi pressionado por grandes doadores de sua campanha a se pronunciar sobre as “terríveis” mudanças climáticas na convenção dos democratas, sob pena de perder seus fundos.
Sinceramente, como a energia gerada por carvão é insignificante no Brasil, jamais tive a oportunidade de presenciar uma manifestação pró-carvão. Acho que se as pessoas são a favor do carvão para garantir sua casa aquecida, sua calefação, sua energia elétrica, etc eu não tenho nada contra. Se vc estiver chateado com isto aí nos EUA, venha para cá e dê uma refrescada nas idéias.
Saudações
Viktor Ghering
Viktor,
Não precisa se preocupar com meu voto. Eu voto no Brasil, não nos EUA. E se você reler o que eu escrevi sobre o Obama, vai ver que tem um bocado de crítica lá. Talvez não sejam as críticas que você queria ouvir, mas nunca escrevi um texto laudatório sobre o Obama. Não é esse o papel de um jornalista. Por alguma razão, porém, você se sentiu incomodado apenas pelas críticas que eu fiz ao Romney.
O que eu contestei na sua argumentação é a crença de que o Obama é socialista –algo que nem o Romney acredita, por isso já parou de falar esse tipo de coisa. Além disso, acreditar que o movimento ambientalista é uma conspiração de esquerda é outra coisa que, para mim, não faz o menor sentido. Uma boa parte do negacionismo da mudança climática se baseia nesse princípio, que não tem a menor base na realidade.
Você pode considerar que não existe consenso sobre a origem antropogênica do aquecimento global porque existe uma porção marginalizada de pessoas (pouquíssimos climatólogos entre elas) que se recusa a aceitar isso. Eu não sei se são 97%, 90% ou 99%. Alguém já deve ter tentado fazer alguma pesquisa, mas não tenho tempo de buscar isso agora. O que acontece é que sempre vai existir uma minoria que se recusa a aceitar. Tem gente até hoje que não acredita em Evolução. Tem gente que não acredita que o homem pisou a Lua. Tem gente que não acredita que a Terra orbita o Sol. Eu posso enumerar vários argumentos aqui em favor do modelo geocêntrico. Eles vão continuar sendo um monte de falácias ad hoc. Já escrevi sobre isso.
Por fim. Como você é uma pessoa educada e disposta a argumentar, nunca vou deixar de aprovar seus comentários aqui no blog. Mas não vou deixar de dizer quando acho que você está equivocado também.
Att.
Rafael