Uma estrela anã branca capturando matéria de uma gigante vermelha (Ilustração: Romano Corradi/IAC)

MUITO SE FALOU recentemente sobre a energia escura, a força que faz o Universo se expandir aceleradamente, atuando contra a gravidade. A descoberta dessa entidade cósmica foi agraciada com o Prêmio Nobel de Física no ano passado, mas a o fenômeno que permitiu identificá-la —um tipo particular de explosão estelar— ainda é mal compreendido. Um grupo de astrofísicos apresentou na semana passada, pela primeira vez, uma evidência direta de como ele ocorre.

O evento em questão tem nome e sobrenome: é a chamada a “supernova tipo 1a”, uma classe de explosão estelar com um comportamento padrão, que permite aos cosmólogos estimar a que distância o evento está de nós, estudando apenas seu brilho. Uma particularidade das supernovas 1a é que elas são extremamente energéticas, e telescópios potentes conseguem detetá-las mesmo quando ocorrem em galáxias a 11 bilhões de anos-luz de distância, quase no limite do Universo visível.

Foi com o avanço da tecnologia óptica que cientistas transformaram as supernovas tipo 1a não apenas em objeto de estudo, mas numa ferramenta para medir as distâncias entre galáxias. Já se sabia medir a velocidade de movimentação das galáxias, e agora era possível relacionar as duas coisas: rapidez e distância. A descoberta da energia escura, feita em 1998, veio da constatação de que galáxias distantes se afastam de nós mais rapidamente que as galáxias próximas. Bingo.

Mas, diante de uma constatação tão incrível, uma lacuna de conhecimento acabou ficando para trás: apesar de as supernovas tipo 1a terem ajudado cosmólogos a enxergar um pouco o destino do Universo, astrofísicos ainda não sabem muito bem o que elas são. E essas explosões, na verdade, não são tão “padronizadas” assim. Às vezes elas sofrem pequenas variações, e isso hoje é uma das coisas que atrapalham a tentativa de aumentar a precisão de medidas cosmológicas.

O pouco que sem tem certeza é que a receita para uma explosão supernova 1a requer as chamadas anãs brancas —uma espécie de “estrela cadáver” que não faz fusão nuclear, como o Sol. Nessas estrelas, o combstível fácil de queimar, o hidrogênio, já se esgotou, e elas emitem apenas uma luz tênue a partir de sua massa compacta. Uma anã branca deixada a sós, porém, não evoluiria de maneira a explodir numa supernova. Ela precisaria ganhar mais massa para isso, e cientistas se perguntam como.

Comparação mostra galáxia antes e depois da supernova PTF 11 Kx (ponto azul indicado) (Imagem: B.J. Fulton)

Uma resposta agora veio da observação de uma supernova a 675 milhões de anos-luz distância, fotografada com os supertelescópios do Observatório Keck, no Havaí, e outros. Foi a primeira evidência “direta” de como uma supernova tipo 1a se originou. O que o Keck registrou foi uma explosão originada de um sistema binário (uma estrela oribitando outra estrela). Neste caso, era uma anã branca com uma gigante vermelha —uma estrela ainda viva, mas com capacidade limitada para fundir hidrogênio. O trabalho está descrito num estudo liderado por Benjamin Dilday, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, publicado sexta-feira passada na revista “Science”. A explosão, ocorrida em janeiro de 2011, tinha sido catalogada com a sigla PTF 11kx.

Foi uma descoberta estranha para ser a primeira evidência direta de uma supernova tipo 1a, pois outros estudos mais indiretos sugeriam que a receita para produzi-la seria fundir duas anãs brancas entre si. Não havia sinal de hidrogênio sendo espalhado em outras explosões, e se uma gigante vermelha estivesse por trás desses evento, eles deveriam produzir mais desse elemento.

A supernova tipo 1a observada desta vez, porém, foi ainda mais bizarra, pois ocorreu depois de o sistema estelar que a originou já ter passado por outro evento similar —uma explosão do tipo “nova”, mais fraca, que não chega a destruir a estrela. A nuvem de gás espalhada esfericamente pela primeira explosão ainda estava no entorno daquela região, e 58 dias depois de a supernova ser detectada, a onda de impacto da segunda explosão, mais veloz, a alcançou. Literalmente, foi uma explosão explodindo outra explosão.

Segundo o estudo, a anã branca só acumulou massa suficiente porque capturou massa que a gigante vermelha emitia em seu vento solar. Apesar de provavelmente ter sofrido “novas” periodicamente, a cada uma década ou duas, o material que ela perdia nesses eventos era menor que a massa roubada da estrela gigante.

Os traços de hidrogênio que os astrônomos detectaram em todo o processo foram um sinal claro de que a estrela que provocou a detonação da anã branca era mesmo uma gigante vermelha. Dilday, porém, diz que seu trabalho servirá mais para abrir o escopo de estudo das supernovas 1a do que para dar uma receita definitiva de como produzi-las.

“Nós mostramos que as supernovas, um fenômeno que parece ser sempre o mesmo, na verdade pode ter origens diferentes”, disse o cientista em depoimento distribuído pela “Science”. “Qualquer informação adicional que tivermos sobre os sistemas progenitores de supernovas tipo 1a pode nos ajudar a usá-las de modo mais preciso para estudar cosmologia.”

Entender essas explosões, afinal, é a chave para entendermos por que a expansão do Universo está se acelerando. A compreensão da natureza da energia escura, o grande enigma da cosmologia atual, vai requerer uma compreensão melhor de como essas estrelas bizarras, que pouco se assemelham ao nosso Sol, arquitetam sua própria destruição.