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por Rafael Garcia

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O profeta e seu livro

Por Rafael Garcia
17/08/12 18:46

O geneticisita George Church em vídeo onde anuncia a criação de seu livro de DNA (Foto: Wyss Institute)

MUITAS PESSOAS FICAM incomodadas com o uso da expressão “Livro da Vida” como referência ao genoma humano. A analogia compara o DNA, uma molécula que carrega unidades de informação genética, com folhas de papel guardando informação na forma de letras impressas.

O desconfortável tom bíblico que a expressão ganhou, porém, não deteve o geneticista George Church, da Universidade Harvard, em sua tentativa de tornar essa comparação uma materialização literal.

Em um estudo publicado hoje na revista “Science”, o cientista apresenta pela primeira vez um livro inteiro codificado na forma de DNA: uma obra escrita, editada na forma de cromossomos, que guardam informação digital. Uma máquina de sequenciamento que decodificar um dos 70 bilhões de “exemplares” que o cientista já fabricou, terá como resposta o texto do próximo livro de Church, em vez da receita para produzir proteínas.

[Em outras palavras, no novo trabalho de Church, as bases A, T, C e G do DNA (as partes da molécula que dão instruções para produzir proteínas) passaram a guardar o código binário digital (os 1 e 0 que estão num arquivo de computador). Basicamente o que foi feito foi uma conversão de arquivos de um formato digital gravado em silício _dentro de um pen drive, por exemplo_ para guardá-lo dentro de uma molécula de DNA, como aquelas que temos dentro de nossas células.]

O cientista e seus colgeas conseguiram inserir em moléculas de DNA uma quandidade de dados sem precedentes: 53 mil palavras, 11 fotografias e um pequeno software JavaScript, totalizando 5,27 MB. Church sugere que o DNA pode ser uma maneira atrativa para armazenar informação onde falta espaço, porque é capaz de concentrar muitos dados em pouco espaço: 1 milhão de GB por milímetro cúbico.

O anúncio da pesquisa, claro, também foi parte da estratégia de marketing para vender o novo livro de Church, cujos exemplares de papel já estão no prelo. A obra também tem título provocador: “Regenesis: How Synthetic Biology Will Reinvent Nature And Ourselves” (Regênese: como a biologia sintética vai reinventar a natureza e nós mesmos).

A editora anuncia o livro como uma espécie de profecia sobre como a engenharia genética vai se tornar uma tecnologia onipresente no futuro. Micróbios fabricarão plástico a partir de milho, bactérias com DNA alterado purificarão nosso esgoto, e pessoas poderão ter seu genoma alterado para se tornarem imunes a vírus. Será?

O campo da biologia sintética vem sendo notícia nos últimos dois anos, desde que o biólogo Craig Venter anunciou ter criado pela primeira vez um micróbio artificial em 2010. O invento, na verdade, era uma bactéria que tinha tido todo o seu genoma transplantado de uma outra. Um ano depois, Church conseguiu implantar um genoma significativamente alterado numa bactéria, e hoje seus grupos de pesquisa travam uma corrida por avanços na área. O futuro dirá se a biologia sintética vai se tornar uma tecnologia comum no mundo moderno.

O cientista de Harvard, cuja fama remonta à invenção do método moderno de sequenciamento de DNA com Walter Gilbert (ganhador do Nobel de Medicina), também tem feito previsões bastante otimistas nessa área, que começa agora a ter algum uso na medicina. Church não chega a prometer a vida eterna, mas chega perto. Em entrevista recente à BBC, ele sugere que os avanços médicos alavancados pela genômica personalizada permitirão a uma pessoa viver até 150 anos de idade no futuro.

Profetas da biologia molecular, porém, não são uma novidade, e para isso é interessante ver o que cientistas andavam prevendo na década de 1990.

É justo reconhecer que uma das previsões endossadas por Church naquela época já está se tornando realidade. Ele estimava que a leitura de um genoma se tornaria barata a ponto dos mais abastados poderem pagar por seus genomas pessoais. Hoje, há várias empresas que oferecem sequenciamento de genomas por encomenda por US$ 1.000, um barateamento impensável se comparado ao primeiro sequenciamento do genoma humano, que saiu por US$ 3 milhões bilhões. O mapeamento do genoma de orçamento econômico não é completo, mas ainda assim a queda de custo é impressionante.

A expectativa de Church e de outros cientistas sobre o impacto da genômica pessoal na medicina clínica, porém, provavelmente era um pouco otimista demais. Hoje há testes para muitas doenças genéticas, mas o estudo do papel do DNA em males comuns ainda desafia cientistas. Existem diagnósticos para propensão de alguns tipos de câncer, doenças metabólicas e algumas outras, mas muitos trabalhos de ciência básica na área ainda não puderam ser traduzidos para uso clínico. A genômica pessoal ainda está longe de ser algo onipresente na medicina, mesmo com a queda de preço.

Pessoalmente, eu não condenaria Church por seu otimismo. Apesar do jeito um tanto quanto messiânico que o cientista tem de divulgar seu trabalho, ele é uma figura que inspira uma certa simpatia. É inegável que ele possui ao menos a ousadia para tentar transformar suas previsões e profecias auto-realizadas. Resta saber quão longe a biologia sintética vai chegar efetivamente.

About Rafael Garcia

Rafael Garcia, 37, é colaborador da Folha em Washington (EUA). Formado em jornalismo pela USP (Universidade de São Paulo), foi bolsista do programa Knight de jornalismo científico no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e editor-assistente na redação brasileira da revista “Scientific American”.
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Comentários

  1. Cícero comentou em 18/08/12 at 10:26 am

    Todo esse conhecimento e pesquisas, obviamente também será usado na área militar. Tipo: clonagem humana na geração de um exército do – Soldado Universal!

  2. patricia comentou em 18/08/12 at 1:18 pm

    Acho que o Rafael Garcia deveria melhorar a escrita dele. Sou leitora assídua do blog dele, mas confesso que muitas vezes não entendo o que ele quer dizer.

    • Rafael Garcia comentou em 19/08/12 at 2:07 pm

      Patricia,

      Você não foi a única pessoa que não entendeu. Na tentativa de resumir o trabalho do Church, eu deixei de explicar um aspecto importante.O que ele fez foi inserir informação digital dentro de uma molécula de DNA. As bases A, T, C e G do DNA (as partes da molécula que dão instruções para produzir proteínas) passaram a guardar o código binário digital (os 1 e 0 que estão num arquivo de computador). Basicamente o que foi feito foi uma conversão de arquivos de um formato digital gravado em silício, dentro de um pen drive, por exemplo, para guardá-lo dentro de uma molécula de DNA, como aquelas que temos dentro de nossas células.

      Abçs

  3. Kaf comentou em 28/08/12 at 2:36 pm

    viver 150 anos seria um pesadelo para a maioria das pessoas caso as condiçoes de vida e de oportunidades continuarem semelhantes
    às porcentagens atuais. E depois, haverá garantia de que o organismo humano continuará saudável com essa longevidade? Para se viver tanto, mesmo com saúde e boas condiçoes de vida, precisaria-se rever nossos vinculos sociais. Quem aguentaria tanto tempo com a mesma familia e amigos? Depois dos noventa, o que hoje seria comparável a alguem com uns 30 anos, todos poderiam requerer uma nova identidade e estilo de vida. Começar de novo literalmente, uma segunda vida; do contrário, acredito que a populaçao correrá um forte risco de surtos psicológicos. Temo que paguemos uma alta conta por esse salto evolutivo.

  4. Edison comentou em 05/09/12 at 12:11 am

    Rafael, o primeiro sequenciamento não custou só 3 milhões de dólares, custou de 2 a 3 BILHÕES de dólares.

    • Rafael Garcia comentou em 05/09/12 at 2:27 am

      Edison, obrigado pela correção. Já está corrigido no texto.

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