A ilha do Dr. Stefánsson
12/07/12 20:37TIVE A HONRA DE CONVERSAR ontem com o cientista que é possivelmente a segunda pessoa mais famosa da Islândia. Para escrever nossa reportagem de hoje sobre a descoberta de uma mutação que protege seus portadores do mal de Alzheimer, entrevistei Kári Stefánsson, chefe da empresa de biotecnologia deCODE Genetics, que causou polêmica no início da década passada ao anunciar seus planos de sequenciar o DNA da população do país inteiro.
É verdade que a nação-ilha onde o cientista vive não é tão populosa assim (tem 320 mil pessoas), e provavelmente muita gente não saberia onde ela fica se não fosse o sucesso da cantora Björk. Na época em que Stefánsson anunciou seu plano, porém, a proposta causou controvérsia no mundo inteiro. A empresa chegou a ser processada por violação de privacidade, e a deCODE acabou reduzindo suas ambições, apesar de ainda contar hoje com um patrimônio de valor inestimável para pesquisa.
Tendo coletado mais de de cem mil amostras de DNA de uma população quase sem mistura étnica, a deCODE tem em suas mãos uma mina de ouro genômica, porque um banco de dados homogêneo é muito melhor para caçar mutações relacionadas a doenças. Não são todas as amostras de DNA coletadas pela deCODE podem ser usadas livremente em pesquisa, mas mesmo uma amostra de dez mil genomas islandeses que não é de se desprezar. Numa população miscigenada como a brasileira, é bem mais difícil identificar uma mutação como aquela que ganhou as páginas dos jornais hoje.
Apesar de sempre ter produzido pesquisa básica de ponta, porém, a deCODE ainda sofre para conseguir gerar aplicações do conhecimento que produz. Hoje, a empresa já comercializa produtos como testes genéticos sobre risco de doenças como câncer e glaucoma, mas sua promessa de desenvolver coisas mais atraentes (e lucrativas), como uma droga contra a esquizofrenia, não se cumpriram.
Essa situação quase matou a empresa em 2008, quando a crise econômica mundial chacoalhou o mundo. O braço de negócios da deCODE, que era baseado nos EUA, pediu falência, e o “New York Times” noticiou que os laboratórios na Islândia iriam encerrar as pesquisas voltadas ao desenvolvimento de drogas, que são muito custosas.
Os rumores sobre a morte da deCODE, porém, foram bastante exagerados. Entregando seu braço de negócios na mão de empresários especializados em lidar com capital de risco, em 2009, Stefánsson conseguiu colocar a deCODE de volta nos trilhos.
“Estamos fazendo, para qualquer efeito, o mesmo tipo de genética que fazíamos antes. Estamos até trabalhando de maneira mais eficiente agora, transformando nossa pesquisa em mais diagnósticos”, me disse Stefánsson, numa conversa rápida por telefone. “E estamos trabalhando também com várias grandes empresas farmacêuticas para usar a genética ajudando-as a desenvolver drogas.”
O cientista não quis dar detalhes sobre o novo modelo de negócios da empresa, mas a ambição modesta que marcou a atitude da deCODE no fim da década passada parece ter desaparecido agora. Cientistas independentes acreditam que a descoberta recente da empresa sobre o mal de Alzheimer aponta para uma caminho promissor no desenvolvimento de drogas.
“Outro grupos de pesquisa no mundo poderiam ter descoberto isso, eventualmente”, diz Stefánsson. “Mas nós estamos, em geral, um pouco à frente de todos os outros, porque nossa base de dados é muito boa. Nós conseguimos nos movimentar um pouco mais rápido, e desta vez derrotamos o resto do mundo ao fazer esta descoberta.”
Resta saber se a pesquisa da deCODE de fato vai levar a uma droga inédita, o que não é nenhuma garantia. Questões éticas e financeiras à parte, Stefánsson parece estar finalmente conseguindo mostrar seu poder de fogo.