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por Rafael Garcia

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O bioterrorismo e o pavor da censura

Por Rafael Garcia
21/06/12 19:59

ACABOU HOJE APÓS OITO MESES a novela sobre o controverso experimento holandês que criou um vírus de gripe altamente contagioso e letal em laboratório. Os autores do trabalho, que queriam descrevê-lo em um estudo na revista americana “Science”, tinham sido impedidos de revelar detalhes da pesquisa. Após negociações, um artigo descrevendo o experimento foi finalmente publicado hoje.

A discussão toda tinha começado em dezembro do ano passado, quando autoridades de biossegurança do governo americano determinaram que partes do estudo fossem censuradas. O governo holandês também embargou a licença dos cientistas. O receio era que, nas mãos de um terrorista, as informações permitissem a criação de uma poderosa arma biológica —o patógeno acabou apelidado pela imprensa britânica de “vírus do Apocalipse”.

Não era para tanto, afirmou o líder da pesquisa, Ron Fouchier, do Centro Médico Erasmus, da Holanda. O que ele tinha feito era induzir algumas mutações genéticas no vírus da gripe aviária, o H5N1, de forma que ele pudesse ser transmitido pelo ar também a mamíferos, não apenas aves. Num experimento com furões, o vírus criado artificialmente se revelou a receita perfeita para uma pandemia de gripe. Isso gerou um bocado de receio, pois o H5N1 costuma ser mais letal que o vírus da gripe comum.

Na esteira do pânico gerado pela notícia nos bastidores, um outro trabalho também acabou sendo questionado. Cientistas americanos que criaram um supervírus híbrido —misturando o patógeno da gripe aviária com o da famosa gripe espanhola de 1918— também foram impedidos de revelar detalhes de seu trabalho.

Após as medidas de censura, muito se discutiu sobre o risco de organizações terroristas terem condições técnicas de fazer vírus como esses. A maioria dos cientistas acredita que é algo improvável, mas é difícil ter certeza.

O problema é que, ao impedir a divulgação apropriada desses estudos, governos atrapalham o trabalho de cientistas que tentam entender o risco de um vírus desses surgir naturalmente. Em outras palavras: não precisamos de terroristas para produzir um vírus com características semelhantes ao de Fouchier. Talvez a natureza dê conta de fazer isso sozinha. Se for esse o caso, cientistas precisam estar equipados com o máximo de conhecimento possível para enfrentarem a situação.

Após muita discussão, a OMS (Organização Mundial de Saúde) acabou contrariando a decisão do governo americano de censurar os dois estudos sobre o H5N1. O NSABB (Painel do Conselho Científico Nacional de Biossegurança dos EUA) decidiu então reestudar o caso.  Em março, os EUA resolveram aceitar a publicação dos estudos, e a Holanda liberou o trabalho de Fouchier em abril.

O primeiro dos dois estudos, feito nos EUA, saiu em maio na revista “Nature”, e o segundo, mais polêmico, está na edição de hoje da revista “Science”, que traz um suplemento especial sobre o H5N1.

É difícil dar ao mundo a garantia de que terroristas jamais construirão uma arma biológica com o vírus, mas tudo leva a crer que é extremamente improvável. A possibilidade de o vírus ser roubado do laboratório também é remota, dizem os cientistas, dadas as medidas de segurança tomadas.

A manutenção da censura, portanto, talvez tivesse sido a verdadeira vitória do terrorismo. É do interesse de terroristas que o medo impeça a sociedade de trabalhar livremente para combater ameaças de saúde pública. Os EUA estão decidindo agora criar um órgão para acelerar a avaliação desse tipo de caso, com intuito de evitar que outro debate semelhante se arraste por oito meses.

Em comunicado à imprensa, o editor-chefe da “Science”, Bruce Alberts, agradeceu ao NSABB por reconsiderar sua decisão, reafirmando seu argumento para divulgar o estudo de Fouchier: “neste caso, os benefícios são muito superiores aos riscos”.

About Rafael Garcia

Rafael Garcia, 37, é colaborador da Folha em Washington (EUA). Formado em jornalismo pela USP (Universidade de São Paulo), foi bolsista do programa Knight de jornalismo científico no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e editor-assistente na redação brasileira da revista “Scientific American”.
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Comentários

  1. Cristiano Meira comentou em 22/06/12 at 10:36 am

    Sim, o pavor do terror existe, mas não concordo que seja uma vitória do mesmo.

    Independente de que exista terror ou não, a raça humana está cheia de mentes insanas, capazes de tudo. Sempre foi assim e sempre será.

    Algo tão destrutivo assim nem deveria existir, veja lá ser publicada em uma revista…

  2. Cícero comentou em 22/06/12 at 12:16 pm

    No fundo é tudo interesse mercantilista. Os grandes laboratórios criam essas pragas perigosas ou letais e depois obtém gigantescos lucros vendendo medicamentos e vacinas como está ocorrendo hoje com a gripe–A.

    • Péricles Lopes Machado comentou em 24/06/12 at 6:13 pm

      Concordo. Só lembrar o quanto o Brasil gastou com aqueles casos de gripe suína. Enquanto isso, a dengue, malária e outras doenças tropicais matam tanto ou muito mais que essas novas gripes e não vemos grandes investimentos para se encontrar a cura ou formas de evitar essas doenças. Ah sim, o fato de serem doenças que afetam países periféricos deve pesar um pouco…

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