1 milhão de espécies na Enciclopédia da Vida
18/05/12 13:58A MAIOR ENCICLOPÉDIA de espécies biológicas do mundo atingiu neste mês mais de 1 milhão de verbetes, após cinco anos de trabalho. Graças um aporte de dados do Museu Nacional de História Natural, da Instituição Smithsonian, a Enciclopédia da Vida (EOL, na sigla em inglês) conseguiu agora passar da metade de sua meta final, que é a de catalogar as cerca de 1,9 milhões de espécies conhecidas no mundo.
Inspirada em um manifesto do biólogo E.O. Wilson em 2007, a iniciativa saiu do papel pouco depois, bancada por um consórcio de instituições americanas.
O projeto começou listando apenas 30 mil espécies, mas cresceu vertiginosamente nos últimos anos. Apesar de ter sido inspirada na Wikipédia, a EOL não dependeu tanto de contribuições voluntárias isoladas. Seu sucesso veio mais com o investimento pesado que entidades como o Museu Field, a Universidade Harvard e a Fundação MacArthur colocaram no projeto.
A fundação Wikimedia mantém hoje a Wikispecies, que está interligado à Enciclopédia da Vida, mas que vinha tendo dificuldade para se expandir com segurança. O sistema de livre colaboração “wiki” permite um crescimento rápido no número de verbetes, mas esbarra no problema da confiabilidade da informação, pois não há uma forma sistematizada para revisão de todo o conteúdo. Enciclopédias criadas isoladamente por museus e institições de pesquisa, por outro lado, têm o problema inverso: falta massa crítica para crescer.
Conversei anteontem com Erick Mata, diretor executivo da EOL, que resumiu para mim qual é a fórmula do projeto. “Nós tentamos obter o melhor dos dois mundos”, disse. “Queremos a participação do maior número possível de colaboradores, mas, para garantir a qualidade, contamos com o trabalho de mais de 800 curadores cuidando da informação.”
Parcerias internacionais também ajudaram a turbinar o projeto, que já reúne colaboradores de peso, como a Academia Chinesa de Ciências, o Instituto Nacional de Biodiversidade da África do Sul e a Conabio (México). O Brasil, país mais biodiverso do mundo, ainda não faz parte da inciativa, mas deve fazer em breve. Mata diz já estar em conversação com o Museu de Zoologia da USP e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro para adquirir o primeiro pacote de dados ainda neste ano.
Já ouvi alguns biólogos e paleontólogos no Brasil reclamarem da dificuldades para manter as coleções biológicas e da falta de recursos para disponibilizar coleções online. O Museu Goeldi, de Belém, está dando um bom exemplo de como fazer isso agora, como conta Reinaldo José Lopes em reportagem hoje. Mas a entrada de instituições brasileiras na EOL também é um passo importante para cobrir essa lacuna.
Mata está se esforçando para internacionalizar o projeto e já providenciou ferramentas de navegação em oito línguas no site. O português deve ser a próxima. Segundo o diretor da EOL, o Cria, centro brasileiro que desenvolveu as ferramentas para o atlas do programa Biota, de São Paulo, já possui know-how para integrar os dados brasileiros com os americanos, e não existe mais barreira técnica para que se dê um passo à frente.
“Agora, é mais uma questão de definir as políticas para compartilhamento de dados e, talvez, alguns aspectos legais”, diz Mata. “Em geral o acesso a informações é a parte mais difícil de resolver. Às vezes fotógrafos fornecem imagens sob políticas de licenciamento muito restritas, por exemplo, e não sabemos quão abertas elas são. A EOL é conhecida por dar acesso amplo à informação, e queremos compartilhar tudo via Creative Commons, então sempre temos de certificar que nossos novos parceiros se encaixem nessa política.”
O sistema de licenciamento aberto, acredito, se encaixa dentro do espírito da pesquisa brasileira, que é feita quase que exclusivamente com dinheiro público. Creative Commons, então, deveria ser a regra. Sabemos, porém, que algumas instituições de pesquisa brasileiras são extremamente burocráticas. Espero que isso não seja obstáculo para uma causa maior.
Pessoalmente, acho que faz sentido o esforço para concentrar dados sobre espécies conhecidas numa única enciclopédia, como propõe Wilson. Vale lembrar também que os 1,9 milhões de espécies que a EOL quer catalogar não representam todas aquelas que existem no planeta. O número total é estimado grosseiramente em 8,7 milhões hoje, só para seres eucariontes (de células com núcleo), o que exclui todas as bactérias.
Em seu manifesto original pela criação da Enciclopédia da Vida, E.O. Wilson compara-a a iniciativas como o Projeto Genoma, uma ferramenta que contribuiu enormemente para acelerar o ritmo da pesquisa em biologia molecular. A EOL, além disso, tem uma missão educacional muito mais bem delineada, e pode se tornar um recurso extraordinário para auxiliar esforços de conservação, algo que deveria deixar o Brasil ainda mais interessado em participar.
Lamentavelmente ainda pouco se faz para implementar iniciativas como essa. Por outro lado, experimente buscar “Homo sapiens” na EOL (pode ser interessante); por enquanto (ainda?) uma espécie bastante farta.
Olha Rafael como relação ao número estimado “grosseiramente” só para seres eucariontes excluindo as bactérias que são todos considerados seres vivos, gostaria de chamar a atenção para o caso dos vírus. Se os considerarmos como seres vivos extremamente simples, este número aumenta em uma proporção muito além do que possamos imaginar. Por isso eu ainda acredito que o nosso “planetinha” pode ser considerado uma raridade no universo, não único como gostariam os pensadores religiosos mais conservadores ou como alguns cientista extremamente otimista que advogam o “principio da mediocridade” em que o universo está repleto de vida.