O teste de Turing: robô pode colar?
13/04/12 07:30ESTE ANO MARCA o centenário do matemático Alan Turing (1912-1954), efeméride com uma série de motivos para ser celebrada. Considerado pai da computação e da inteligência artificial, Turing também deu uma contribuição importante para derrotar Hitler na Segunda Guerra Mundial, após decifrar a máquina Enigma, que os nazistas usavam para encriptar suas mensagens. Homossexual vivendo numa Inglaterra onde ser gay era crime, porém, o pesquisador foi condenado à castração química e se suicidou aos 41 anos, tornando-se mártir da luta contra a homofobia. A mais famosa das questões formuladas pelo cientista, porém, chega ao ano de seu centenário sem uma resposta.
Caso um robô seja suficientemente avançado para se passar por um ser humano em uma conversa, seria correto atribuir inteligência e consciência a essa máquina?
Essa dúvida começou a ser explorada pelo matemático inglês no experimento imaginário que ficou conhecido como “teste de Turing”. Sua idéia básica era submeter um computador e um humano a questões genéricas formuladas e arbitradas por uma outra pessoa. O interrogador poderia ver as respostas por escrito, mas sem saber quem as proferiu. Caso o árbitro fosse incapaz de diferenciar as respostas robóticas das humanas, o robô teria passado pelo teste.
Hoje, por mais que os usuários de iPhone estejam entusiasmados com o sucesso de Siri (a assistente virtual do telefone da Apple), a maioria dos especialistas em inteligência artificial não considera que ela ou qualquer máquina mais avançada já tenha passado pelo teste de Turing.
Dá um certo arrepio, porém, ouvir aquela voz sexy respondendo de maneira informal às questões absurdas que os usuários fazem. E foi meio assustador ver no ano passado o supercomputador Watson, da IBM, derrotar campeões humanos do quiz show americano Jeopardy. A capacidade daquele robô de entender o contexto de questões genéricas enquanto vasculhava a internet consultava textos que tinha baixado da internet foi algo um nível acima da habilidade de Deep Blue, a máquina da IBM que derrotara o campeão de xadrez Garry Kasparov em 1997.
Watson ainda não é capaz de travar um diálogo normal fora do contexto de um quiz show, mas acabou incendiando o debate, que andava meio desanimado. Entusiastas da inteligência artificial na década de 1960, como Marvin Minsky e Herbert Simon, não tinham antecipado a dificuldade que os robôs encontrariam para emular habilidades humanas tão simples como a decodificação de padrões visuais. Pode parecer ridículo, mas é mais difícil fazer um computador reconhecer uma celebridade numa capa de uma revista do que vencer uma partida de xadrez.
“Por volta de 1995, a maior parte dos pesquisadores sérios em inteligência artificial já tinha desistido de falar em máquinas passando pelo teste de Turing original”, afirma Robert French, cientista cognitivo da Universidade da Borgonha, em artigo na edição de hoje da revista “Science”. A capacidade dos novos robôs de minerar dados na internet, porém, acabou mudando esse cenário e ele questiona agora se uma versão aprimorada de Watson não seria capaz de passar no teste de Turing.
No ano passado, o cientista cognitivo americano Ben Goertzel publicou o resultado de uma enquete que ele e seu pai, o sociólogo Ted Goertzel, fizeram com 21 especialistas da área, sem citar nomes. Os votantes responderam a um questionário que lhes havia sido entregue num congresso sobre inteligência artificial. “Dezesseis deles deram uma data anterior a 2050 como sua melhor estimativa para que o Teste de Turing seja batido”, disse Goerztel em estudo na revista “Techonological Forecasting & Social Change”. Entre os outros entrevistados, as opiniões eram divergentes. “Um especialista estimou que haveria 25% de probabilidade de o teste de Turing jamais ser batido (…). Outro disse que há 90% de chances de que seja batido até 2016.”
Esse tipo de questão, claro, não se resolve com enquetes. E o desejo dos entrevistados de permanecerem no anonimato é um claro sinal de seu medo de queimar a língua. O levantamento de Goertzel, porém, mostra que a possibilidade de os robôs baterem o teste de Turing já não é considerada uma coisa tão fora da realidade.
O cientista, porém, explica que falta aos robôs não apenas adquirir certo tipo de inteligência, mas também simular ignorância. Qual é a raiz cúbica de 758.347.032.231? Se você responder a essa questão corretamente em menos de um segundo, o árbitro do teste de Turing vai descobrir que você é um robô.
Na opinião de Robert French, esse tipo de problema é até superável. O que faz falta, diz, é um conjunto de regras mais claras para o teste de Turing, em tempos onde a internet está acessível em todo lugar. “A primeira questão é se esse tesouro de dados pode ser usado sem restrições por uma máquina para passar no teste de Turing”, escreve. “A segunda questão, postulada originalmente por Turing, é se uma máquina que tenha passado pelo teste usando essa tecnologia deve necessariamente ser considerada inteligente.”
Em outras palavras, é meio como se os robôs estivessem pedindo licença para “colar” na prova. O problema, suspeito, vai acabar caindo no atoleiro filosófico que é tentar definir a própria inteligência. Será que nossa capacidade de raciocínio é totalmente dissociável do nosso conhecimento, aquelas coisas que sabemos por memória?
Eu, pessoalmente, acho que os cientistas deveriam autorizar a “cola”. Se um processador numa placa de silício é uma maneira válida de simular raciocínios, acredito que a internet deva ser válida como uma simulação de informações memorizadas. Até nós, seres humanos, já estamos desacostumados a fazer qualquer coisa que seja sem abrir antes o Google.
Então tá liberado, seu Turing?
Tem certeza que o Watson estava conectado à internet? Li em alguns sites que não, o que torna o feito mais impressionante ainda.
Alex, ele não estava conectado na hora do teste, mas tinha minerado a internet antes e guardado em sua memória a Wikipédia inteira e mais uma boa parte de sites para poder consultar na hora. Isso é debatível, mas não acho que seja fundamentalmente diferente de ele estar conectado à internet.
Porque deixam jornalistas falar de computação? O cara inventa as principais teorias de computação e de decidibilidade de algoritmos e os assuntos mais falados no artigo são a sua orientação sexual dele, seu cabelo e uma enquetezinha sobre consciência de robôs!
Alexey, obrigado pela visita. Minha intenção aqui não é parecer mais esperto do que os especialistas no assunto. Quem fez a enquete e publicou o resultado em um paper foi o Ben Goertzel, que é cientista da computação. O link para o trabalho dele está no texto, justamente porque eu sei que quem trabalha na área pode querer consultar o original. A referência para o artigo original do Robert French também está lá.
Quanto à orientação sexual do Turing, é algo que realmente não teria importância para o texto se não tivesse sido o motivo da agressão que ele sofreu na época por parte do Estado. Ele se matou por causa disso. Acho uma coisa importante de ser lembrada no centenário dele, sim.
Não sei se há interesse, mas seria bom também se houvesse um complemento mencionando o trabalho de Hava Siegelmann. Ela e a equipe receberão financiamento pra construção de um computador baseado no modelo Super-Turing, que acredita-se que seja uma evolução da inteligência artificial a um nível nunca visto antes.
Acho que para deixar honesto o desafio, tanto o computador quanto a pessoa respondendo deveriam ter acesso à internet.
Assim, os dois seriam capazes de responder a raiz cúbica de 234.456.678 ou então quem foi o artilheiro da Copa de 38, mas só um seria capaz de dizer “o que você pensa quando vê uma foto do Grand Canyon?”
Coloquei sua pergunta no Robo Ed e ele respondeu: “Coloquei várias fotos aqui no site. Quase todo mundo gosta, mas de vez em quando aparece um dizendo que achou feias. Fazer o que, né? Tem gosto pra tudo. ”
Realmente, ficou meio sem nexo a resposta dele. Mas o Robô Ed não é um projeto tão avançado assim. Não seria tão difícil simular uma resposta mais inteligente para esse tipo de pergunta “o que você pensa”. É por isso que passar no teste de Turing não significa que o robô seja inteligente.
Só para complementar:
As repostas dos humanos seriam algo assim:
* Nossa, é inacreditável
* É imenso, é algo que toca no fundo
* Sinto a presença de Deus na criação da terra
Enfim…. Não são lá essa complexidade toda….rs
O mais triste da história serão os seres humanos que forem confundidos com máquinas. O que não é muito difícil de acontecer, dada a grande dificuldade de comunicação de uma parcela bem significativa da população.
Agora eu fiquei preocupado. Por que honestamente não penso em nada quando vejo uma foto Grand Canyon. Será que sou um robô e não sei?
Acho um “não penso em nada” uma resposta bem humana.
Duvido que algum programador que fosse fazer o computador para se passar por humano programaria uma resposta dessas.
Alexei, se você realmente entendesse alguma coisa sobre o desenvolvimento da inteligência artificial nunca teria falado em “enquetezinha sobre consciência de robôs”. Um dos problemas sérios suscitados pela evolução da inteligência artificial é exatamente se seremos capazes de distinguir os computadores dos humanos, porque senão teríamos que tratar os dois da mesma maneira, e as implicações disso seriam seríssimas.
O trabalho de Turing foi pioneiro, entre muitas coisas, em tentar definir um quadro de refereência para isso.
Rafael, parabéns pelo artigo.
Creio que o homem deveria conhecer-se um pouco melhor antes de criar “cópias”.
De onde vem os pensamentos humanos formulados em suas mentes? O que nos leva a falar a verdades ou mentiras? Como se dão os mecanismos de “fluidez” dos pensamentos em uma mente? O que significa exatamente a palavra “inspiração” nesse contexto? Quais são efetivamente as fontes “inspiradoras” do homem?
E não adianta “teorizarmos” respostas com o que a ciência, neurociência e demais “..ências” quaisquer estabelecem, que na junção dos conceitos o que se vê não passa de um “Franskestein” o qual apenas a cabeça que o criou vê como “filho”/respostas.
O homem deveria se voltar efetivamente para Deus, rápido, e buscar em Suas fontes de conhecimento (Bíblia) as pistas deixadas para se descobrir essas respostas.
Eu fui, e testemunho que todas estão lá dentro e que as “…ências” são obras oriundas dos filhos de quem sabe mentir muito bem, afim de afastar a mente do homem de refletir sobre o mais importante: “Que raio de máquinas nós somos, de onde viemos, que estamos fazendo aqui e para onde vamos”…. tudo que ajuda a responder, é bom. Se confunde, desvia, engana, deve imediatamente ser discernido, sob pena de se ficar olhando para um robô e se apaixonar por ele.
Fraterno abraço.
Simulação sempre foi um recurso importante pra ciência, modelos em essência não passam de simulação. No caso, tentar simular o processo de pensamento é uma ferramenta poderosa que tanto cientistas da computação quanto estudiosos da mente humana podem utilizar pra responder questões fundamentais sobre a essência humana. É inegável que metafísica tem sua importância no desenvolvimento das grandes idéias, mas o processo de construção de conhecimento é muito mais complexo e exige a combinação de diferentes técnicas de pensamento.
É um grande equívoco subestimar qualquer campo de conhecimento, cada pequeno avanço, cada novo modelo nos aproxima de uma melhor compreensão da natureza.
(Quanto aos outros comentários, eu prefiro não comentar =)
Rafael, lendo seu artigo, eu me lembrei de uma cena do “Eu, Robô”. Nesta cena, o policial, se não me engano, pergunta ao robô se ele era capaz de criar arte, criar uma obra magnífica como a capela sistina, compor uma peça como Hamlet, etc… O robô simplesmente responde: “Não, e você é capaz?”.
Eu acredito que simular as respostas de um “ser humano médio” – se é que isso existe – pode ser possível em alguns anos. Mas o grande problema será a autonomia de pensamento, será que conseguiremos criar máquinas que conseguiriam se propor problemas e buscar respostas, máquinas que conseguiriam construir modelos que tentam aproximar as respostas dos problemas que elas mesmo se propuseram?
O que é inteligência… Se encontrarmos uma raça alienígena menos avançada, mas que se comunica entre si, que usa ferramentas simples, que consiga se comunicar conosco (mesmo que demande muita abstração de nossa parte) não consideraríamos isso como vida inteligente? Se um computador fazer isso, não temos a “vida”, mas não temos o “inteligente”?
Acho que no contexto atual seria mais interessante nos indagarmos sobre a capacidade da I.A. de simular o comportamento de grupo, já que a comunicação grupo tem assumido um papel até mais importante do que a pessoal. Seria uma máquina, simulando um grupo específico de indivíduos, capaz de iludir uma pessoa. Veja que nos games de jogos coletivos a ilusão do comportamento de time é bem impressionante. Acho que está é uma questão mais próxima da atualidade e com consequências também complicadas.
Se é memória artificial. é computador. Computador teria que fazer pesquisas cientificas para saber de algum assunto que não sabe, não ser jogado em sua memoria.
Um ser humano adquire inteligência não só estudando mas usando seus cinco sentidos (mais o sexto sentido) para perceber o mundo ao seu redor desde pequeno. Falta não só semântica para uma máquina adquirir inteligência, falta também uma cognição que é inerente ao ser humano. Isso sem contar a Inteligência Emocional, muito mais difícil de ser simulada e compreendida por uma máquina.
Gostaria de deixar uma dica aos interessados: para um maior aprofundamento no assunto de forma interessante, sugiro a leitura dos contos Eu, Robô de Issac Asimov (não tem muito a ver com o filme estrelado pelo Will Smith, os contos são bem mais complexos…) e em particular um conto de Philip K. Dick chamado A Formiga Elétrica.
Divirtam-se!!!
Acredito sim que um robô pode simular, em um futuro indeterminado, e se passar por um ser humano de acordo com o critério de Turim. O critério de Turim é um critério de verificação e justificação externa através do qual um árbitro(humano?) é quem definirá se a resposta dada é de um humano ou não. Porém isto não significaria que um robô teria consciência ou mesmo inteligência como nós conhecemos nos humanos. Para que isso fosse possível teríamos que determinar inequivocamente a identidade dos processos que dão origem a consciência e inteligência entre os humanos e robôs. Isto nos leva a questão das outras “mentes”, tão debatidos entre os pensadores mentalistas, behaviorista, funcionalista e dualistas. A depender da orientação filosófica neste emaranhado de questões o robô pode ter ou não ter inteligência e até mesmo consciência. Porém no meu caso sou cético com relação a identidade do objeto em questão e acredito que como critério externo o teste de Turing pode ser perfeitamente factível.