Lesão cerebral: culpada ou inocente?
23/03/12 20:24Quando um indivíduo comete um crime em razão de um problema mental que o deixa fora de controle, sua pena deve ou não ser atenuada? Mapas cerebrais de ressonância magnética e diagnósticos psiquiátricos podem constituir evidência em um tribunal?
Esse não é um assunto novo para advogados criminais, e já vinha sendo debatido há algum tempo por psicólogos. A influência da neurociência no sistema judiciário americano cresceu nos últimos anos, e pelo visto chegou para ficar: o réu mais famoso do momento nos EUA pode virar um objeto de estudo neurológico durante seu julgamento.
Robert Bales, 38, sargento do exército americano que matou 16 civis no Afeganistão há duas semanas em um ataque de fúria, deve recorrer à neurociência como argumento de defesa. Nesta semana, em entrevista à CNN, o advogado John Henry Browne sugeriu que seu cliente não teria controle total sobre suas emoções e que seu surto de violência pode ter sido provocado por problemas mentais resultantes de uma concussão cerebral ou de traumas de guerra.
“Nós sabemos que ele teve um ferimento por concussão na cabeça e também sabemos que tinha sofrido um ferimento leve na perna”, afirmou o defensor, após conversar com o cliente pela primeira vez. “Ele não parecia estar ciente de alguns dos fatos sobre os quais falei com ele, o que me deixou preocupado com seu estado mental, obviamente.”
Bales já retornou aos EUA e será julgado por homicídio. Browne ainda não apresentou sua linha de defesa por completo, mas já deixou claro que pode tentar atribuir o surto de violência do sargento a sua lesão cerebral.
Pode parecer um exagero relacionar concussão cerebral a comportamento violento, mas casos assim já têm registro em literatura médica há um século e meio. O mais conhecido é o de Phineas Gage, um operário de ferrovia que sobreviveu a uma lesão severa no lobo frontal de seu cérebro em 1848. Médicos da época contam que, após recobrar consciência, o paciente –antes descrito como pessoa afável– tornou-se rude, impaciente, agressivo e adquiriu traços de psicopatia.
O estudo do cérebro de Gage após sua morte se tornou um marco na história da neurociência, confirmando a importância do córtex cerebral frontal como a área “executiva” do cérebro. É uma região que, entre outras coisas, é fundamental no controle da impulsividade.
Como a lesão cerebral de Gage era extensa (no acidente, uma barra de metal atravessou seu cérebro e arrancou um de seus olhos), médicos não precisavam de nenhuma tecnolgia para mostrá-la. Estudos que tentam relacionar lesões cerebrais menores a mudanças de comportamento, porém, são mais recentes, e na maior parte dos casos requerem uso de máquinas de ressonância magnética. A dificuldade de se usar isso em um tribunal é que há casos onde a lesão existe, mas não há alteração de comportamento.
Um levantamento do jurista Henry Greely, da Universidade Stanford, estima que mais de cem julgamentos nos EUA já tinham registrado argumentos parecidos até 2010. Segundo ele, isso abre um debate muito mais amplo em direito, uma discussão sobre o quanto é possível eximir de culpa uma pessoa ao evocar características de sua anatomia cerebral. Todos os nossos pensamentos, afinal, estão correlacionados a um estado físico de nossos cérebros, seja esse um estado temporário ou não, sejamos nós considerados doentes mentais ou não.
É bem provável que, Browne, o advogado de Robert Bales, apele para a neurociência em sua estratégia de defesa. Além de mencionar a concussão cerebral, ele pode alegar que o sargento sofria de TEPT (transtorno de estresse pós-traumático) após ter testemunhado um colega perder a perna em uma batalha. Alcoolismo também pode ter sido um fator.
É curioso notar que a concussão craniana e o estresse pós-traumático estejam ganhando destaque nas tentativas de explicar o que se passava pela mente de Bales durante seu ataque de fúria. A concussão cerebral é um tipo de lesão física considerada “assinatura” de soldados que passaram por Iraque e Afeganistão. Já o TEPT é o transtorno psiquiátrico mais comum entre veteranos de guerra, afetando até um quinto deles, dependendo da experiência de conflito.
Pessoalmente, acho que esses problemas devem, sim ser levados ao tribunal, mas não acredito que a neurociência e a psiquiatria irão oferecer argumentos incontestáveis em todos os casos. Talvez sirvam como atenuante em alguns, e talvez sejam usadas apenas como armas de desinformação em outros. Como a dúvida joga em benefício do réu, mesmo afirmações científicas com baixo grau de certeza exercem uma influência sobre um veredito.
Para eximir Bales totalmente de culpa por suas atitudes, porém, seria preciso concluir que ele estivesse completamente desprovido de livre arbítrio. Será que ele tinha a escolha de não cometer um atentado quando a fúria subiu à sua cabeça? Não é uma questão simples, e a neurociência não vai responder a isso sozinha. Crer ou não crer no livre arbítrio irrestrito, em última instância, é um dilema filosófico. Será uma escolha que júris e juízes terão de fazer.
O livre-arbítrio é apenas mais uma das ilusões da metafísica. Todo ato é efeito de uma complexa rede causal, que envolvem fatores externos, impulsos inconscientes e condicionamentos introjetados. Se fatores patológicos intervêm no ato criminoso, caberá à neurociência determinar se eles são ou não extirpáveis, e à filosofia do direito se eles devem ou não ser considerados atenuantes da pena. Mas o direito não pode ser legitimamente embasado na hipótese da existência do livre-arbítrio. A esse respeito, costumo lembrar a passagem de Diógenes Laércio (VII, 19) em que Zenão açoitava um escravo que havia sido flagrado em furto, e como este dissesse que furtar era seu destino, Zenão respondeu: “e também ser açoitado”.
Ambiente estressante, situações de crise constantes, não é necessário estar no Afeganistão para ter um momento infeliz e fazer alguma bobagem. Acredito que exames periodicos são favoraveis para identificar, afastar/adequar as funções das pessoas que estejam desenvolvendo alguma doença mental. O que acontece é que somos cegos para esse tipo de coisa. Você pode tomar remedios para abaixar a pressão, mas para seu nivel de ansidade ser controlado, somente se estiver a procura de emagrecimento. A maioria das pessoas em tratamento são discriminadas, e as que passam por problemas socio-comportamentais raramente procuram ajuda profissional; Vai se levando, até que uma depressão tratavel vira uma patologia clinica neurologica.
Realmente, existem varios pontos a serem considerados: cientificos, culturais e politicos. Mas me pergunto: existe situaçao onde matar e´ permitido?
Sim, existe. Quando a sua própria vida corre perigo.
Um indivíduo de índole agressiva e de elevado potencial para o homicídio tem uma atração pela luta armada, pela guerra, pois lá ele extravasa a sua natureza patológica. O exército, ao alistá-lo, sabe disto e o utiliza na linha de frente. O tédio, para um indivíduo desses, causa-lhe esses ataques.
Nada contra os estudos, considero imprescindíveis para que nos conheçamos mais e melhor, mas fica uma pergunta. Os terroristas que derrubaram o World Trade Center, se capturados seriam julgados onde? No Afeganistão, no Paquistão? Mas o soldadinho de chumbo dos EUA, pratica um crime contra civis, e pelo que mídia mostrou seriam mulheres e crianças em sua maioria, e vai ser julgado nos EUA, manda os advogados de defesa irem explicar essas teorias todas, da neurociência, para os parentes das vitimas e convence-los da inocência do soldadinho de chumbo, e depois mostrar que atos de terrorismo são crimes, quando praticados contra nós, vai ser barbada!!! Crime é crime, e deve ser punido, seja doente mental ou não, pois senão estaremos banalizando o crime.
Ainda não sabemos em termos causais onde termina ou começa a influência do meio ambiente interno (cérebro, mente, corpo) certamente potencialmente determinado, e o meio ambiente externo (relações sociais, educação, ideologias) também potencialmente determinado. As possibilidades são de interações são muitas e os desfechos improváveis. Por isso qualquer avaliação moral neste caso corre o risco de ser imparcial e gerar querelas intermináveis entre a população e nos próprios tribunais entre o “certo” e o “errado”. A decisão portanto deve ficar a cargo das consciências dos jurados e do juízes que devem definir ocaso. Boa reportagem.